Por que Célia não fez tanto sucesso e não é lembrada como deveria?

Célia morreu aos 70 anos em setembro de 2017. É muito provável que você só tenha ouvido falar mas não se lembre de ter escutado, ou mesmo que nunca tenha escutado essa cantora. É uma pena - corra contra o tempo e comece logo com a estreia, que saiu em 1970.

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Amo essa capa pela sua simplicidade e por ela estar de olhos fechados. Fora que o cabelo é lindo e a maquiagem está ótima! Logo de cara Célia mostra uma voz com um registro mais grave. Os arranjos são de Arthur Verocai, Pocho Pérez, José Briamonte e Rogério Duprat e eu destacaria sua versão de Adeus Batucada, clássico do repertório de Carmen Miranda - com Célia a coisa fica mais introspectiva, quase uma bossa nova, meio jazzy, só que diferente do que faria uma Nara Leão porque em alguns momentos rolam uns rompantes mais poderosos e volumosos. Chic!

O álbum ainda tem outras preciosidades tipo No Clarão da Lua Cheia de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, bem roqueirinha tropicalista; To Be da Joyce, uma letra que é em português mas usa esse "to be”, melodia gostosinha e interpretação brincalhona; outra de Joyce, Abrace Paul McCartney por Mim, uma balada para provavelmente alguém que foi morar em Londres? kkkk; e ainda a versão belíssima com arranjo de Duprat de Para Lennon e McCartney. Coisa fina.
O álbum seguinte, de 1972, também merece destaque com coisas lindas como Toda Quarta-Feira Depois do Amor e a suingada Vida de Artista, ambas de Sá e Rodrix sem o Guarabyra (aliás, que trio, né, também precisava ser mais lembrado); Na Boca do Sol que chegou a ser sampleada por Ludacris (?!) na música de 2008 Do the Right Thang com participação de Common e, claro, olha o título, Spike Lee; e uma delicada e diferente Detalhes, o clássico de Roberto & Erasmo. Lembra uma coisa meio Ornella Vanoni, meio ensolarada à Riviera Italiana, com um tom mais displicente e empoderado que o desesperado dramático da versão original do Robertão. E ao mesmo tempo tem o mesmo cheio forte dos anos 1970! Confira:

"Mas é só isso, Wakabara?"
Não, não é só isso. Um ano antes de morrer ela estava fazendo isso aqui:

Sim, uma versão boa de Não Existe Amor em SP do Criolo que não é dele. Vem do álbum que ela lançou em 2015, Aquilo que a Gente Diz, que acho tão bom quanto os primeiros dela. Tem Crua do Otto, que ele mesmo lançou em Certa Noite Acordei de Sonhos Intranquilos; Dois Rios do repertório do Skank e do Nando Reis (de autoria dele, Samuel Rosa e Lô Borges); Eu Sou Aquele que Disse do Sergio Sampaio, um momentinho meio Belchior do artista; e Opus 2, aquela do "Você abusou, tirou partido de mim, abusou” do Antonio Carlos & Jocafi cuja versão da Célia não gosto tanto, mais séria e introspectiva, mas sei lá, talvez você goste.

Resumindo: ouça mais Célia. Já que você não ouviu enquanto ela estava viva, ao menos agora. Tem coisas muito muito boas.

Buonasera Raffaella Carrà!

Você acha que o penúltimo melhor disco da Madonna é o Confessions on a Dance Floor? E o último melhor é o último mesmo, Madame X? Parabéns, você concorda com 99% dos críticos de música.
Sinceramente acho que o Rebel Heart tinha tudo para ser maravilhoso mas se perdeu na produção. A versão vazada da música que deu título ao álbum, por exemplo, é bem melhor do que a que foi lançada, meio ABBA, pop safado, bem delicioso.
Mas não é por causa disso que estou fazendo esse post, eu queria falar é do Confessions mesmo e da era disco music da Madonna.
A gente sabe que no clipe de Deeper and Deeper ela pensou em Marlene Dietrich em A Vênus Loura, que em Material Girl ela pensou em Marilyn Monroe no número Diamonds are a Girl's Best Friend de Os Homens Preferem as Loiras, Papa Don't Preach tem um arzinho de Jean Seberg em Acossado e Express Yourself tem algo, de novo, da androginia de Marlene Dietrich com o cenário de Metropolis de Fritz Lang.
Mas e Confessions, hein?

"Ah, é meio oitentaaaa… meio vídeo de ginásticaaaa… meio assim disco, né???"

Bom, você já viu o clipe de Rumore de Raffaella Carrà? Tem vários, na verdade, mas é desse aqui que eu tô falando:

Você não conhecia a Raffaella?
Ah, eu sei. Pois é, você acabou de encontrar sua nova música preferida.
Vou te dar um tempinho para você se recuperar.



Algo me diz que Madonna já conhecia Raffaella e a tinha como referência mesmo antes de Confessions. O clipe de Ray of Light tem algo desse clipe de Rumore: o chroma key, a dança meio frenética meio esquisita meio de corpo inteiro.

Mas chega de Madonna.
Raffaella começou sua carreira como atriz. Mas muito cedo também já cantava e dançava na maravilhosa TV italiana - e ficou bem famosa justamente nesse meio. Para quem não tem muita noção de TV italiana, recomendo um dia inteiro de RAI e o filme Ginger & Fred de Federico Fellini, que traz Giulietta Masina e Marcello Mastroianni como um casal que fazia cover de Ginger Rogers e Fred Astaire no passado e vão dançar como eles mais uma vez, já mais velhos, em um programa de TV.

Rumore nem é o maior hit de Raffaella. Ela é mais conhecida por músicas como Tanti Auguri (que eu acho meio farofa demais, então é bom ouvir em pequenas doses) e Far l’Amore (que está na trilha do filme A Grande Beleza de 2013). Inclusive, essa segunda é a única que foi sucesso em inglês - a versão se chama Do It Do It Again. Não chega a ter o charme de Rumore.

Depois do sucesso italiano, Raffaella mudou para Espanha. Também fez sucesso. Aí foi para Buenos Aires. Sucesso de novo. É por isso que ela é bem conhecida na Argentina e na Europa como um todo.
Em 2018, rolou uma exposição sobre os figurinos de Raffaella, colocando-a como ícone de estilo, na Itália. Veja o vídeo da Rai no link.

E uma coisa é inegável: assim como Madonna, Raffaella dança muitoooo!

Bom, se você precisa de mais motivos para gostar de Raffaella, vou enumerar alguns aqui.

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Ela sempre vota no comunista!

Revista Interview, versão espanhola, de 1977, número 55. Ela declara: "Siempre voto comunista". Tá, meu bem? Vermelhou!

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Ela escandalizou o papa antes de Madonna!

A sua dancinha Tuca Tuca, na qual o par fica pegando em partes um do outro (dá uma olhadinha no vídeo abaixo), teria deixado o papa escandalizado em seu lançamento, em 1971. Quem era o papa em 1971? Paulo 6º. Você sabe, na Itália essa coisa de papa é coisa bem séria. Bom, no Brasil também era, né?

Na passagem da turnê MDNA de 2012 por Florença, Madonna, mais uma vez ela, homenageia Carrà fazendo o Tuca Tuca durante o medley de Candy Shop e Erotica.

O babado do cropped

Diz que Raffaella foi a primeira a mostrar o umbiguinho na TV italiana. Não só isso - ela adorava mostrar o umbigo! Cropped para ela era tudo. Várias artistas também curtiam essa coisa da barriga de fora, por exemplo a Cher. Nesse vídeo abaixo tem a artista mostrando o umbigo no Milleluci, programa no qual ela dividia a apresentação com outro ícone: Mina. Existiram rumores de uma possível rivalidade nos bastidores; mas também dizem que Mina quis dar mais espaço para Raffaella. No que acreditar? Sei lá!

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Raffaella e Mina

no programa Milleluci, de 1974

A versão de Roberto e Erasmo Carlos!

Gente!!!

Uma versão de Cama e Mesa em italiano com Raffaella. O que mais queremos?
Sim, queremos mais: Raffaella cantando em português. Música de Jorge Ben, coisas assim.

E mais um vai, dela cantando o mesmo medley com Samba de uma Nota Só em italiano no começo:

Pedro Almodóvar disse que Raffaella Carrà não é uma mulher e sim um estilo

Aguardando ansioso pelo filme, amore!

É muito provável que ela tenha sido a inspiração de várias crianças viadas

Porque, afinal, imagina você criança ligar a TV em 1983 e dar de cara com isso:

A dublagem e a coreô certamente vão acontecer.
Melhor que Xuxa!

Remixadah

Para quem gosta de música eletrônica e remixes, Bob Sinclar fez umas coisinhas com as músicas de Carrà em 2011. Não gosto muito da versão de Far L’Amore, que veio na esteira do filme A Grande Beleza - se for para escolher, prefiro Forte.

Mas a original ainda é melhor, um baladão sexy cheio de climão italiano. Aliás, se alguém quiser me dar esse vinil…

Estou aceitando

Estou aceitando

Ícone gay sim

Raffaella já cantava sobre homossexualidade nos anos 1970. Lucas era o nome dele…

Um velho amigo? Ih, Lucas, onde você se meteu? Nunca vou saber…

Bom, Raffaella acabou coroada rainha do World Pride em Madri em 2017. Depois, declarou em entrevista:

Al recibirlo dije: Viva esta semana con alegría, pero las luchas no han terminado. Todavía hay que ‘hacer mucho fuego’ para romper prejuicios. Tendremos éxito. Mi frase favorita dice: ‘Puedes quitar todas las flores, pero no puedes quitar la primavera’
— Raffaella Carrà

Masturbação feminina

Antes de I Touch Myself de Divinyls; de Sexxx Dreams de Lady Gaga; de She Bop de Cyndi Lauper.
Ouve direitinho antes de achar que é uma mulher desesperada no telefone…
"Mi dedo está enrojecido de tanto marcar, se mueve solo, sobre mi cuerpo, y marca sin parar: 5-3 /5-3/ 4-5-6. Ya no vengas, que aquí no hay nada que hacer. Sin ti aprendí que hay muchas formas de poder vivir"

Rainha modesta

Veo a Madonna o a Lady Gaga y muchas veces me reconozco en ellas. La que me gusta mucho es Shakira. Me vuelve loca. Yo comencé antes, pero tengo más años y soy menos atrevida.
— Raffaella Carrá para a Vanity Fair espanhola

Essa entrevista é mara, aliás.

Para terminar, um vídeo de Raffaella… e Madonna.

É loucura minha ou a poderosa Madonna está ligeiramente nervosa?
Pode ser só viagem… mas sei lá…
Arrivederci!