Pabllo Vittar fez de novo

Saiu o EP 111 1 no dia do aniversário da Pabllo Vittar, 1/11, e ele traz as músicas que a gente já conhece, a ótima Parabéns com o Psirico e a mais OK Flash Pose com Charli XCX, mais outras duas inéditas!

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Ponte Perra é, como muitas das músicas do anterior Não Para Não, uma mistura que usa a estrutura do k-pop, aquele mix de "momentos” mais rápidos, drops e tal, com reggaeton.
Mas o melhor mesmo é Amor de Que, um arrocha arretado, primo das músicas do Aviões do Forró e de Dorgival Dantas. Até o grito “AU!" aparece! Um sax safado, uma guitarrinha delícia. Mas o importante é a letra: enquanto a tendência do forró atual é ser um tanto moralista, defensor da monogamia, detrator da traição e dos "maus costumes", na lógica de Pabllo o legal é deixar tudo bem claro desde o início. O amor dela, meu bem, é amor de quenga. E as outras mentem quando dizem que o amor delas é fiel!

É divertida, de melodia grudenta, vai ser hit, é isso aí.
O último 1 do título do EP quer dizer que ele é uma parte de um todo: a segunda, com 6 músicas, é prometida para 2020. Na coletiva, Pabllo disse que vai chamar Ivete Sangalo para participar dessa segunda leva. Tudo!
Ouça Amor de Que:

ATUALIZAÇÃO DIA 3/11, às 17h20:
Pabllo arrasou no tapete vermelho do EMA, a premiação europeia da MTV, de Rober Dognani!!!
Chique demais:

Adorei! Rober, você arrasa!!!

A nova MPB que é pop demais para caber nessa categorização

MPB é um estilo musical muito abstrato, porque na minha cabeça se fundamenta também em ecletismo, além da brasilidade. O mito do Brasil mestiço parece que desemboca na MPB, do repertório esperto e misturado de Elis Regina, Gal Costa e Marisa Monte, para ficar só em 3 referências praticamente intocáveis da tal música popular brasileira. Elis tinha essa coisa de extrema qualidade - até quando soava dominada pela emoção era técnica, uma contradição doida. É uma experiência sensorial ouvir, por exemplo, Tiro ao Álvaro no fone de ouvido mais alto. Aquele timbre, a inflexão, o conforto que a gaúcha que desenvolveu sua sensibilidade artística no Rio sentia dentro daquela música tão paulistana. Elis interpretava uma música como grandes atrizes interpretam papéis, era um assombro. E o que davam para ela, Elis tornava dela e comia de garfo e faca: de Gracias a La Vida a Cartola (Basta de Clamares Inocência é uma das minhas preferidas), de Jorge Ben a Tom Jobim. Tudo virava dela e tudo, hoje, é considerado MPB.
E Gal? Ouvi esses dias o single novo, Motor, e que mulher, não é mesmo?

Motor, aliás, tem uma história tipicamente MPB: é da banda Maglore, de Salvador, e foi lançada em 2013 no álbum deles Vamos pra Rua. Marcus Preto, que atualmente assina direção artística das coisas que Gal tem lançado, mostrou para ela dizendo que lembrava Vapor Barato (na versão de Gal, ela cita a ligação, incluindo uns honey baby).
E Motor, como boa pérola, também ganhou versões recentes de Pitty, no álbum novo dela, e do próprio compositor Teago Oliveira em Maglore ao Vivo com participação de Helio Flanders do Vanguart.
Essa coisa de pinçar compositores diferentes para o repertório ficar mais rico é típico das cantoras da MPB: Elis fazia isso (Fagner, Belchior, Gil, Mliton, tantos outros), Gal faz isso (Lulu Santos, Luis Melodia, Mautner, Roberto & Erasmo). E o chique era também resgatar artistas antigos, tipo Gal com Lupicínio Rodrigues, Ismael Silva e Geraldo Pereira. Nara Leão também curtia essa coisa de descoberta do baú.
Marisa Monte, no começo da carreira, seguiu essa cartilha de ecletismo e mistura do antigo e moderno direitinho: samba-enredo (Lenda das Sereias, Rainha do Mar), música de trabalho (Ensaboa, que é de Cartola mas provavelmente é música de trabalho tradicional e Cartola adaptou) e Titãs. Ela era hipster antes do termo se popularizar - conseguia buscar o lado B daquele disco que ninguém tinha descoberto e transformar em ouro. Depois ela vai assumindo seu lado compositora.

Aí MPB é isso.
Mas os novos nomes da MPB são isso? Para mim, os que mais me empolgam não tem nada disso. E digo mais: eles têm sede de pop. Não falo isso como algo ruim - acho ótimo! É que a MPB sempre pareceu gostar do cabeçudismo, do cult, do "para poucos”. Gosto de ambos os caminhos, existem momentos para ambas as coisas, mas adoro o desenvergonhado pop!
(aliás, as 3 cantoras acima citadas, apesar de terem coisas no repertório que são mais conceituais, abraçaram o popular bem lindas em estágios das carreiras. certas elas!)
A última vez que concretamente a MPB deixou de ser tão MPB e ficou mais pop foi no estouro do samba-reggae baiano. No afoxé. Na música para cantar junto dançando na ladeira. Sim, estou falando da axé music!

Todo mundo que gosta de música PRECISA assistir esse documentário! Tem no GNT Play.

Ao contrário de muita gente, não acho que comparar algo com axé music é pejorativo. É brasileiro e é uma delícia. Tem coisa boa e tem coisa ruim, como em qualquer outro estilo.
Sinto, nessa vontade de pop desses artistas que estão chegando, algo diferente do axé mas ao mesmo tempo próximo, gostoso, meio despretensioso. É mais axé que MPB, no sentido de que não existe pedestal, elitismo. Mas existe estrela pop, sim, em ascensão.
Vou mostrar aqui o que considero que é meio primo - acaba sendo uma generalização, mas é para fins de exaltação e mais divulgação e não de reducionismo; cada um aqui é importante por si só e maravilhoso. Gosto de tudo - goste também!

MC Tha

Eu sei, é irresistível comparar a MC Tha a Clara Nunes com as simbologias de religiões de matriz africana nos figurinos, com as referências a umbanda na música, MAS PORÉM MC Tha deixa a matriz do samba de lado - ela se refastelou no funk antes de lançar esse disco, que tem um viés bem pop. A capa do disco materializa essa relação:

Mistura do look ostentação do funk com iconografia da umbanda

Mistura do look ostentação do funk com iconografia da umbanda

Faz sentido que ela use o funk como matriz no lugar do samba se a gente pensar no espaço que os estilos musicais ocuparam/ocupam na periferia ontem e hoje. Mas o que me interessa, acima de tudo, é que esse disco de estreia de MC Tha transcende o conceito: é bom de ouvir na pista, na festinha, no rádio. Ouçam!

Jaloo

Falando em MC Tha, vamos falar também de um amigo dela! Jaloo a chamou para participar de Céu Azul, uma música muito bonita lançada em single por ele; e ela por sua vez traz Jaloo no álbum de estreia na faixa Onda.
O Jaloo não chegou no rolê ontem - tem um disco de 2015, o #1, que já era bom. Mas a safra de singles novos e de participações em músicas de colegas mostra que ele trouxe uma vontade de dialogar com um público maior, de se propor novos desafios. Vide, inclusive, o filme Paraíso Perdido de Monique Gardenberg, em que ele faz a adorável personagem Imã, uma das coisas mais carismáticas do longa. Não é pouca coisa: foi a mesma Gardenberg que mostrou o quanto Cléo Pires era fotogênica em Benjamin, de 2003. A lente dela também adora Jaloo, passeia por ele, brinca de intimidade.
Só falta o disco novo, né, Jaloo? KD?
Aproveito para falar de outra cantora que também chamou Jaloo para participar de uma música…

Duda Beat

Já entrevistei Duda para o canal do YouTube da Lilian Pacce - assista abaixo. Atesto que ela é simpática e me pareceu uma pessoa muito bacana para ser amiga e tomar uma breja.

Acontece que ela já está estourando. A mistura de sofrência com batidas pop mais melodias de forte apelo levam Duda para todo lugar: ela é a nova atração musical que toda marca quer para a festinha, foi destaque no Festival da Cultura Inglesa desse ano e sua Bixinho bateu mais de 7 milhões de streams no Spotify.
A música que ela canta com Jaloo, Chega, traz outra pessoa que nos ajuda a explicar um pouco como chegamos nesse cenário de hoje: é o Mateus Carrilho, egresso da Banda Uó.
A Banda Uó veio na matriz de outro trio, o Bonde do Rolê, que começou em 2005 e trazia o DJ Gorky (e tem a infelicidade de também contar com Pedro D’Eyrot na sua formação, que vem a ser um dos fundadores do MBL). Eles trouxeram o funk para a cena da noite indie, na época majoritariamente branca, e causaram. A melhor formação é mesmo a primeira, com Marina Gasolina (o codinome de Marina Ribatski). Na mesma época, os palquinhos também ferviam com Cansei de Ser Sexy - era uma cena.
Aí veio a Banda Uó em 2010, com a produção do mesmo Gorky. Eles incluiram outras referências como letras mais próximas do forró popular dos Aviões do Forró e Calcinha Preta, melodias do brega, aparelhagem, rap… Estourou. Também eram mais diversos que o Bonde: um moreno bem latino (o Mateus), um loiro bem branquelo, e Mel Gonçalves, linda, de cabelo crespo maravilhoso e superpresença de palco.
A Banda Uó anunciou uma interrupção (ou um término?) em 2017. Foi nesse mesmo ano que o mesmo Gorky estava envolvido na produção de outro fenômeno, que seria o maior dele até hoje…

Pabllo Vittar

"Não gosto da voz", “acho que canta mal", “não é boa a música". A maioria das pessoas que já ouvi falando isso curtem uns funks. Gosto das duas coisas e acho que essa rejeição com a Pabllo tem a ver com outra coisa… Mas esse sou eu supondo algo, sei lá, néam.
Aceita o hit, bi.

Pabllo é um fenômeno não só por ser uma drag queen. A música é boa e bem produzida sim. É mais ou menos a mesma fórmula da Banda Uó atualizada, com letras ainda melhores, mais pop e radiofônica que nunca. O último álbum, Não Para Não, também produzido por Gorky e mais uma turma, é muito superior a muita coisa que a gente vê por aí, inclusive internacional. Caprichado, variado mas mantendo uma coesão. Sou fã mesmo! Leia esse texto do Reverb com o Gorky falando do seu trabalho com a Pabllo.

Tem um monte de outras coisas que considero que são próximas desse movimentinho pop popular mas que se aproximam mais da MPB (Liniker, Jade Baraldo, Mahmundi, Johnny Hooker, As Bahias e A Cozinha Mineira, a própria Luísa Sonza em grande parte do repertório dela), e outras ainda que se aproximam mais do conceitual (Teto Preto, Letrux). Acho (quase) tudo bom, o que na verdade é ótimo: a qualidade da música pop brasileira tem se mostrado uma constante.
Não me incomoda a hegemonia do sertanejo e do funk principalmente porque com a internet isso é facilmente burlado por quem quiser - basta procurar. E não acho o sertanejo necessariamente ruim (aliás, acho que tem umas coisas ótimas sim), nem o funk (até incluiria Anitta e Ludmilla aqui nesse post mas as considero casos à parte, elas estão internacionalizando o som para ficar mais pop enquanto esses que citei pegam muitos elementos do som popular brasileiro).

Pegando o gancho do último parêntese, se a gente for pensar bem: do mesmo jeito que a MPB pegava músicas populares e as trazia para o seu cercado (samba, Roberto Carlos, e até o sertanejo com a gravação de É o Amor com Maria Bethânia e de Nuvem de Lágrimas com Fafá de Belém), esse pop de hoje tem feito a mesma coisa (funk, forró, sertanejo, arrocha). O Brasil é o país da mistura mesmo.

Misturem-se. Que a caretice nunca crie muros e nunca derrube pontes.