Drag queens: de artistas marginalizadas a conselheiras da família
Houve um tempo em que, para ver uma drag queen, você inevitavelmente era obrigado a ir a uma boate gay. Era ali e apenas ali o território delas. Não vivi essa época porque, quando me dei conta, RuPaul aparecia na MTV – pouco, mas aparecia. E eu também via drag queen na coluna Noite Ilustrada da Érika Palomino, que saía às sextas na Folha de S.Paulo.
Quando comecei a ir em boate gay, três figuras para mim eram o ápice de tudo que era mais legal: a onipresente Silvetty Montilla (se você não conhece Silvetty sinceramente não sei em que mundo você vive), a verdadeiramente hilária Thália Bombinha (quem nunca viu a dublagem dela de Supersonic ou de Atoladinha não sabe o que é rir) e a diva Veronika Top Drag (que morreu precocemente e virou mito).
Mais pros anos 2010, dois fatores sobre os quais vocês já estão carecas em saber aconteceram e mudaram o rumo da coisa, com mais algumas ajudas aqui e ali.
. RuPaul's Drag Race
. Pabllo Vittar
+
. Nany People na Hebe
. Batalha de Lip Sync no Comedy Central (affff kkkkk)
. Conquistas de direitos LGBTQ+
O RuPaul's Drag Race cresceu tanto que virou produto de exportação. O último, da Holanda, foi bem fraquinho – de concorrente completamente boa mesmo, só a que ganhou (sorry, Abby OMG, a gente gosta de você e no quesito carisma você ganha). Mas os outros foram surpreendentes, das supermontações tailandesas às impagáveis inglesas e às canadenses que nos deram, what's her name?
Ao mesmo tempo, com os reality shows se firmando como um dos formatos mais bombados da TV atual, um outro fenômeno aconteceu. O novo Queer Eye.
São tantas temporadas (e agora até o anúncio de uma versão brasileira) que a gente supõe, mesmo com a Netflix sem divulgar muitos números, que o novo Queer Eye é um sucesso.
E já faz um tempo que alguém pensou: “Ué. Por que não juntar esse lado coach de autoestima do novo Queer Eye com drag queens?”
Foi assim que as drag queens se transformaram em conselheiras da família.
A pioneira por aqui foi Drag Me as a Queen do canal E! com Penelopy Jean, Ikaro Kadoshi e Rita von Hunty. A ideia por trás do programa é que uma montação drag consegue trabalhar questões relacionadas à autoestima do convidado (ou vítima?).
E agora estão no ar as ótimas Nasce uma Rainha com Gloria Groove e Alexia Twister na Netflix e Fadas Dragníficas com Alexis Michelle, BeBe Zahara Benet, Jujubee e Thorgy Thor no TLC.
Nasce uma Rainha é muito bem dirigido – podia ser mais curto, como tudo na Netflix, mas OK – e tem a sorte de contar com Gloria e Alexia. Elas são ótimas apresentadoras, ágeis, têm química. O mote também é bom: elas lapidam drags em começo de carreira. Não é uma montação de primeira viagem, mas também é uma jornada de aprimoramento e superação. E os convidados especiais? Silvero Pereira, Tiago Abravanel… Chique, hein?
E Fadas Dragníficas é praticamente a mesma coisa que Queer Eye, mas com drags: um make over de dentro e de fora. A supervantagem: a gente (digo a gente me referindo à nossa bolha) já conhece as drags porque elas são ex-concorrentes do RuPaul's. BeBe, inclusive, é a ganhadora da primeira edição do programa!
Assim como o novo Queer Eye em comparação ao antigo, já não basta mudar o guarda-roupa e tingir o cabelo. Esses programas injetam emoção no roteiro, com direito a lágrimas e tudo. Os comentários dos amigos e parentes dos convidados não é mais “ela ficou mais bonita” e sim “dá para ver que ela está mais feliz" ou “sabe quanto tempo faz que eu não a via sorrindo?".
Acho autoajuda um saco. Mas sempre que um desses está passando… eu paro e fico assistindo! Ah, o poder do caminho do autoconhecimento…
E só a título de esclarecimento: acho bom que as drags estejam populares, na TV, na rua, em plena luz do dia. Errado era o fato de ter que ir numa boate para vê-las. Mas elas, que gostam tanto de falar em “arte drag", precisam tomar cuidado com a pasteurização dessa arte. Quando você abre concessões demais, a sua arte vira entretenimento. Se você sabe e quer isso, bem... Tudo certo, né?
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