Punky Brewster: a nova série e o documentário
Estou escrevendo esse post com muito cuidado porque não quero soar como homens nerds heterossexuais que se revoltam com Ghostbusters reimaginado como um grupo de mulheres.
Isso posto, vou contar uma história.
Não tenho quase nenhuma lembrança da minha infância. É esquisitíssimo. Não lembro direito de como era na escola, de viagens inteiras, de coisas que eu falava e gostava. Minha irmã Ana Flavia acha que é bloqueio, porque sofri muito bullying quando era pequeno.
Meu pai guardava muita coisa, e minha mãe e minha irmã, remexendo nas coisas, recentemente me mostraram uns desenhos, umas cartas. Não lembrava de como eles foram feitos, apesar de reconhecê-los como meus.
Mas lembro de uma das minhas primeiras aflições.
Todos os dias, religiosamente, eu assistia aos episódios do Sítio do Picapau Amarelo e de Punky, a Levada da Breca. Eles passavam num certo momento do dia, então eu sabia que deveria estar em casa nesse horário para não perder.
Aí, acho que um dia a minha Tia Yoko estava comigo em algum lugar e deixou passar a hora, apesar de eu ter avisado para ela. O programa dela comigo, para piorar, era alguma coisa chata do tipo “comprar roupa”.
Pense numa criança brava e triste.
Ou seja, Punky Brewster era parte muito importante da minha infância. Ela era o que eu queria ser (não órfão, calma: ela era esperta, engraçada e estilosa, assim como a boneca Emília do Sítio). Eu adorava muito.
Então vocês podem imaginar a minha empolgação quando eu soube que Punky Brewster ia voltar! (Caso você não consiga imaginar, tenho um post da época do anúncio)
Para quem está boiando: Punky, a Levada da Breca, era uma série que passava no SBT nos anos 1980 sobre uma garotinha que era abandonada pela mãe no estacionamento de um supermercado e ia parar num abrigo. Ela ficava fugindo do abrigo, ora para procurar a mãe, ora porque não gostava de lá. Num dia, ela acabava encontrando o Artur (George Gaynes), um fotógrafo mais velho, sozinho e sem filhos, meio rabugento.
Já sacou, né? Punky conquistava o coração do Artur e ele acabava virando seu pai adotivo.
Ela também era conhecida por… usar um tênis de cada cor.
Aí, em 2021, eis que Soleil Moon Frye, a Punky original, voltou ao papel, agora como uma mulher de 40 anos divorciada e cheia de filhos. A temporada de dez episódios foi ao ar pelo Peacock, o streaming da NBC e CBS que não existe no Brasil. Mas eu fiz o sacrifício de assistir para dizer para vocês se essa pirataria vale a pena ou não.
Minha conclusão? Não sei. Depende do quanto que você gosta de sitcoms bobas e do quanto você gostava de Punky. Obviamente é um roteiro bem autorreferente, feito para quem sentia saudades, e tenho as minhas dúvidas sobre ele funcionar para quem não conhece a série original. As partes que eu mais gostei são as que de alguma maneira conversavam com a trama dos anos 1980.
Isso dito, cuidado, SPOILERS. Se não quiser saber, pule pare /SPOILER TERMINA/. Quem desistiu de assistir pode ler de boa.
/SPOILER COMEÇA/
Dois personagens antigos aparecem: Cherie (no Brasil, Cátia, a BFF da Punky interpretada por Cherie Johnson) e nada menos que… Margot (Ami Foster), a menina loira que era um entojo, metida que só ela.
Cherie é personagem fixo, acho que aparece em todos os episódios. E, segura essa… é lésbica.
Margot só faz uma participação especial (que, aliás, não faz jus a uma personagem tão icônica).
O ex-marido de Punky, que também é um personagem fixo, é interpretado por Freddie Prinze Junior. A sacada é legal, pegar um outro ator icônico para isso. Porém um pouco decepcionado que o Allen, outro amiguinho da Punky, não voltou – ele era interpretado por Casey Ellison, que, pelo que entendi, deixou de ser ator depois que cresceu.
O cachorro original, Brandon, foi substituído por uma cachorra, Brandy.
Os filhos de Punky são legais. E um deles brinca com estereótipos de gênero. É uma criança transicionando? Não, pelo menos por enquanto. Passa uma impressão de estar brincando, mesmo.
Pareceu muito moderno para você?
Bom, que bom, né? Estamos em 2021.
/SPOILER TERMINA/
BOM. Isso posto, preciso dizer que Frye também estreou um documentário sobre sua vida.
Kid 90, lançado no Hulu, parte de uma premissa interessante: mostrar a infância e adolescência de Frye nos anos 1990, pós-Punky, aproveitando o fato de que ela era muito fissurada em registrar tudo com uma câmera de vídeo e diários.
Pensei comigo: “Que legal! Tudo a ver! A minha infância e adolescência também foram nos anos 1990, vai ser muito legal assistir! Ainda mais com a atriz de uma das minhas séries da infância!"
Doce ingenuidade. Não é bem assim.
A sinopse que eu vi de Kid 90 esqueceu de explicar que:
. O documentário é cheio de gatilhos. REPLETO.
. O documentário é muito centrado em Frye e nas experiências dela como criança prodígio em Hollywood. Não funciona como retrato de uma geração inteira e sim como o retrato de uma geração de artistas mirins, com experiências muito específicas.
. Achei que Frye fica procurando um significado muito espiritualizado nas coisas, talvez por causa da quantidade imensa de gatilhos, o que leva o documentário para uma onda de "lições de vida". Acho meio sacal, ficou melodramático. Já é cheio de histórias tristes, não precisava carregar as tintas.
MAS, dito isso… me entreteve. E me entreteve mais pela pororoca absurda que foi a vida de Frye nos anos 1990. Vou fazer um name dropping e você também vai ficar meio abalado:
. Charlie Sheen
. House of Pain (aquela do Jump Around, a música de festa mais hétero que existe)
. Perry Farrell (que eu tenho a impressão que adora aparecer; ele não tinha muito motivo para dar depoimento aqui)
. Kids, o filme
Que tal? Resumindo, Frye foi meio um Forrest Gump dos anos 1990.
Bom, é isso. Nada imperdível por aqui. Circulando.
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