O que aconteceu com Lady Zu, Miss Lene e Sarah Regina, o trio das rainhas disco?

Bom, sempre existiu a Gretchen (eu amo dizer começar um post com uma frase mentirosa, porque na verdade Maria Odete nasceu em 1959 e Gretchen lançou seu primeiro grande hit, Freak Le Boom Boom, lá por 1979 – e sempre é tempo demais, né?).
Estou falando disso para, antes de mais nada, justificar o título desse post. Hoje acho que a gente considera a Gretchen algo que não é exatamente uma rainha de disco music brasileira: primeiro porque acho que os maiores hits dela não são exatamente disco music, é música pop dançante que mistura alguns poucos elementos de disco com outras coisas. E segundo porque sinceramente tenho a impressão que a maioria das pessoas que compartilha memes da Gretchen a conhece mais como personagem de meme do que exatamente pelos hits. Mesmo que a garotada de 20 anos conheça o Melô do Piripipi ou Conga Conga Conga, é em outra pegada. Não é a música que se espalha pela internet, é o rosto carismático daquela que, sim, já foi uma das maiores vendedoras de disco do país.

Então, quem são as rainhas da disco music brasileira? Pode ter gente que ache ruim eu ter deixado de fora Elizângela ou mesmo a intérprete de uma das minhas músicas preferidas da disco music brasileira, a Brenda. O fato é que ambas só tiveram um hit de disco music: Elizângela com Pertinho de Você e Brenda com Sábado que Vem. Então escolhi outras três por um conjunto de competência, alcance e, er… élan?
Se não concorda, tudo bem, pode discordar aí na sua casa. Paciência.
Para mim as rainhas da disco music brasileira são: Lady Zu, Miss Lene e Sarah Regina.
Obs.: Sidney Magal é o rei (Ronaldo Corrêa, um dos Golden Boys, deveria dividir essa coroa se o mundo fosse justo, mas não é e ele nunca chegou a fazer tanto sucesso em carreira solo).

Depois dessa longuíssima introdução de claramente alguém que ficou muito tempo sem escrever no próprio blog e esqueceu como é bom ser objetivo, vamos à pergunta: afinal, o que aconteceu com Zuleide, Frankislene e Sarah? Olha… leia até o final porque eu prometo, a última história é surpreendente e me deixou DE CARA.

Eu olhei para Lady Zu e disse: artista

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Vamos falar bem claro: Lady Zu é uma baita cantora. Tem voz, tem técnica, é impressionante. E no começo também tinha repertório.
O que pouca gente sabe: Zuleide Santos Silva era artista mirim. Chegou a participar ativamente de programas de talentos infantis que aconteciam em SP e fez aulas de canto. Aí cansou. Na adolescência, começou a se encantar pelo mundo das artes e entretenimento de novo. Batalhou por um espaço com a cara e com a coragem, batendo na porta de gente importante até conseguir uma chance na Phonogram com Marcos Maynard, o cara que depois ainda estaria por trás dos sucessos do RPM e Ritchie, para citar apenas dois estouros de vendas.
Maynard pediu música no estilo disco para Paulinho Camargo e para Totó Mugabe. São elas que formam o primeiro compacto da rebatizada Lady Zu – por Roberto Menescal, dizem, que fazia parte do time da Phonogram.
Paulinho faria outras músicas disco depois: para Cornélius, por exemplo, e Dudu França. Mas foi essa primeira que realmente explodiu. A Noite Vai Chegar entrou na trilha sonora da novela Sem Lenço Sem Documento e vendeu que nem água.
E qual era a de Totó? Eu Prefiro Dançar é muito boa, mais black ("pega-se um livro bom / ou se toma alguma coisa para adormecer / eu prefiro dançar, yeah!" - como resistir?) e acabou de fora do primeiro disco de Lady Zu (e não devia!). Totó é um dos tantos elos perdidos da black music brasileira – se a gente já não valorizava direito Cassiano, Tim Maia, Gerson King Combo, Wilson Simonal, o que diríamos de Totó… Mas o cara era BOM. BOM DEMAIS.

Totó já estava por aí fazia tempo naquele fim dos anos 1970. Em 1972, já tinha rolado uma tentativa de carreira enquanto cantor no Totó & Cia Ltda. com Mãe Preta:

Mesmo antes disso, Totó já era compositor gravado. Talvez a principal música nessa época composta por Totó era Não Creio em Mais Nada, gravada por Paulo Sérgio em 1970 e que lembra a fase soul de Roberto Carlos. É muito boa, de verdade. Play:

Mas sinceramente, me parece que Lady Zu foi a maior intérprete de Totó.
E Totó e Paulinho foram os principais compositores de Lady Zu nessa fase áurea dos dois primeiros álbuns dela. O primeiro, lançado ainda em 1978 para aproveitar o embalo do sucesso do compacto, é um clássico imperdível.

E o segundo, de 1979 e batizado de Fêmea Brasileira (a música homônima é de ninguém menos que Marku Ribas), ainda conta com composições de Paulinho e Totó. Totó também participou cantando do primeiro single, um delicioso samba soul chamado Hora da União.

Que mais? Chegou Luis Vagner para fazer outro dueto (em Boneca de Pixe de Ary Barroso e Luís Iglésias, outrora do repertório de Carmen Miranda e de repente atualizada com tons jazzísticos). Vagner já tinha composto uma do álbum anterior, Eu Queria Falar Com Você, em parceria com Tom Gomes. E o álbum fecha com… A Banda, de Chico Buarque! Em ritmo de disco music, isso mesmo!

Lady Zu diz que continuou fazendo shows, que a coisa para ela nunca ficou necessariamente ruim no âmbito profissional. Mas o fato é que a disco music acabou, escurraçada. Acho que já falei por aqui sobre isso, né? Tinha um fundo (para não dizer uma frente) homofóbico e racista nessa rejeição absoluta ao estilo musical, para além da exaustão dessa dominação nas rádios. (O sertanejo domina, continua dominando, até se renova mas… nunca cansa, mesmo superexposto, né? Então tem caroço nesse angu.)
Nos anos 1980, chegou o BRock de classe média branca para balançar todas as estruturas, mas quem continuou reinando de fato foi Roberto Carlos, cada vez mais romântico.

Em 1988, o disco-projeto Alma Negra resgatou uma turma da soul music brasileira, com artistas incríveis reponsáveis por uma ou mais faixas. Lady Zu, que nunca foi estranha ao soul (Só Você, por exemplo, por mais que tenha um instrumental superdisco, tinha uma estrutura melódica bem soul), participou com Junto a Mim e Vou Vivendo, ambas de Frankye Arduini (da dupla com Tony Bizarro, Tony & Frankye, considerados percussores do soul no Brasil). Com Zu, estavam no projeto o próprio Tony Bizarro, Tony Tornado, Carlinhos Trompete e aquele mesmo Luis Vagner que participou de Boneca de Pixe.

Nem preciso dizer que Alma Negra é raríssimo, né?

Lady Zu só lançou um novo disco solo em 1989. É o Louco Amor, e ela deve ter gostado do romantismo soul que experimentou em Alma Negra porque esse álbum todo também namora esse estilo. De Totó, nem sombra (tentei achar a data em que ele morreu e não consegui, mas é provável que ele já tivesse morrido na época, porque a gente só identifica composições novas dele gravadas até o começo dos anos 1980). De Paulinho, Louco Amor tem apenas uma regravação de A Noite Vai Chegar.
Esse trabalho, com seus arranjos sintetizados e suas baladas, está bem de acordo com um estilo radiofônico popular de sua época. Junto a Mim, do Alma Negra, também estava aqui, assim como Contrato Assinado de Chico Roque e Paulo Sérgio Valle, que é tão a cara de Sandra de Sá que… acabou regravada por Sandra de Sá em 1991, no disco Lucky!.

Louco Amor é o único disco solo de Lady Zu que não está no Spotify.

Mais uma década passou. Em 2001, os dois primeiros álbuns da Lady Zu finalmente receberam reedição em CD e ela começou a ser redescoberta por um novo público. A cantora voltou para os braços da música dançante em 2002 com Number One. Entre regravações e novidades, ela também não esqueceu do soul dos anos 1980 (o que faz sentido tanto na sua carreira quanto para a época, que tinha bastante R&B nas paradas).

Aí você pergunta: certo. Mas e hoje? Como está a Lady Zu hoje?

Eu te digo: está ótima. Se quiser, dê um play aí e comprove por si mesmo:

Sim, como eu disse ela sempre teve uma voz incrível. É surreal que ela não seja celebrada como merece. Na segunda parte dessa entrevista do vídeo, ela faz uma reflexão bem contundente e pede para que não digam, quando ela morrer, que ela "vai fazer falta" – porque ela acha que as pessoas precisam perceber o valor dos artistas em vida e não adianta tentar valorizá-lo quando ele não puder mais colher os louros.

Justiça para Miss Lene

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Uma das coisas que eu mais tenho curiosidade de escutar na vida é da Lena e da Leda. Nunca achei nada. Elas chegaram a se apresentar na Tupi, extinta rede de TV, no programa Show do Mercantil que era gravado (ou era ao vivo, não sei) em Fortaleza.
E o motivo de eu ter tanta curiosidade é que as irmãs Lena e Leda eram na verdade Frankislene e… putz, não sei o nome real dela, mas o artístico foi Mary Jô.
Essa Mary Jô:

Frankislene, que depois virou Miss Lene, e Mary Jô eram irmãs de verdade. Mary só lançou um compacto, com Tempo de Sorrir e a ótima Dance Livre, em 1978. "Hoje a noite vou sair para dançar / e quem sabe eu possa encontrar / o carinha que um dia me falou / que dançando eu posso encontrar o amor / por isso danço livre!” Quem resiste a essa letra?

Mary Jô virou advogada.

Já Miss Lene fez muito sucesso também em 1978 com Quem é Ele e Deixa a Música Tocar.

Na ficha técnica do primeiro disco de Miss Lene, homônimo e lançado em 1978 mesmo, consta Fernando Adour na direção de produção com William Luna – ele também compôs duas músicas do lado B, É Só Você com Simonelli e Agora Eu Sei sozinho.
Adour depois produziu o começo da fase pop de Guilherme Arantes tipo Planeta Água e eu juro que isso é relevante mais para frente, segura essa informação. Entre outras coisas, ele também é quem assina a produção de nada mais, nada menos que o CD ao vivo da Banda Eva, aquele clássico de 1997. Eu sei que você lembra.

Mas outro nome que me chama a atenção é o do compositor Fernando Santos, que assina Não Vou Me Grilar (sozinho), É Só Mexer (com Carlos André) e Quem É Ele (com Betto Douglas).
Você sabe quem é Fernando Santos?
Deveria… Prepare-se para mais uma digressão desse seu querido blog:

Santos é daqueles capítulos da música pop brasileira que seguem perdidos. Como cantor, lançou dois discos, ambos em 1978. O primeiro é inteiro em ritmo de disco music e com temática umbandista.
É isso mesmo. Disco music umbandista. É uma das coisas mais maravilhosas.

A notícia boa é que ele até está presente no Spotify, mas a ruim é que o disco que está disponível não é o de disco music e sim o outro de 1978 (creditado erroneamente como se fosse de 2005). Não me entenda mal, ele não é ruim. Mas claro, o que a gente queria ouvir sempre é essa, digamos, fusion.
Me parece que a ideia de misturar disco music com umbanda foi de, adivinha, Carlos Imperial. É a cara dele. E quando ele apresenta Fernando no seu programa, ali no vídeo de Omulu, dá a entender que está bem envolvido.
Então, já sabe: se ver essa capa por aí, é para comprar e me dar porque sou um cara muito legal >>

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(Eu disse que esse post ia ficando cada vez melhor)

OK, voltando a Miss Lene. O segundo álbum dela, de 1980, é uma tentativa de se desvencilhar da disco music que já estava ficando saturadíssima.
E é outra preciosidade que, se você ver dando sopa, também serve de presente para esse humilde escrivão que vos fala.

Então vamos lá: Fernando Adour seguia ali e fez algumas versões para esse repertório como A Carta (de The Letter, lançada originalmente pelo The Box Top em 1967 e depois regravada por Joe Cocker em 1970) e O Homem (uma versão absolutamente incrível de The Man With The Child in His Eyes de Kate Bush!) e também assina as originais O Tempo Chegou (com Aloysio Reis) e O Princípio e Fim (sozinho).
O outro Fernando sumiu.
Outros compositores destaque do disco são Márcio Greyck, que também era próximo de Adour pelo que entendi, com Chega Mais (que não chega a ser disco music mas é meio samba funk); Tim Maia com Sinal de Desejo, música que era inédita e nunca mais foi gravada (é ÓTIMA); e… Guilherme Arantes. Eu disse que era para lembrar dele. Ele deu a também inédita na época Vivendo Com Medo, que já teve duas regravações obscuras, uma com Marya Bravo e outra com Netinho (não o do pagode, outro).
Vivendo Com Medo é surrealmente incrível principalmente porque foi lançada em pleno comecinho de abertura, né? Você pode imaginar o teor da letra, quase político e superpop.

Miss Lene ainda chegou a gravar alguns compactos depois dessa maravilha que flopou. Em 1983, rolou seu último single, dançante, funkeadíssimo, chamado… Dance!

Bom. Aí Miss Lene casou com um empresário suíço que ela conheceu em um show e foi morar na Europa. Depois, conheceu um outro amor por lá e teve uma filha.
A história acabou?
Não.
Ela se separou.
Por volta de 2012, isso apareceu:

Isso mesmo.
Volta a fita.
Láááá no começo da carreira de Miss Lene, ela era chamada de Tina Charles brasileira (assim como Lady Zu era chamada de Donna Summer brasileira). Só que Lene realmente tinha autorização registrada para cantar as músicas de Tina no Brasil. Tipo "cover oficial". Ou seja, é incrível que ela tenha gravado uma versão forró (Frankislene é cearense) de I Love To Love (talvez o maior sucesso da carreira de Tina).

Agora, Miss Lene está no Brasil ou na Suíça? Não faço ideia. A gente encontra vídeos recentes dela tanto aqui quanto lá. O que eu acho é que ela está na Europa e uma Michelle, que é parente dela e tem um canal de YouTube, subiu faz alguns meses esse vídeo aqui:

Michelle é sobrinha na fala de Miss Lene nesse vídeo. Mas também é o nome da filha dela! Que confusão, né? Risos! Não dá para saber qual é a dona do canal do YouTube.
(E se você achou a Miss Lene muito nova no vídeo, é porque ela começou muito nova mesmo!)

Sarah Regina, a voz que você continua ouvindo

Consta que, segundo Mister Sam (o produtor dos primeiros anos de ouro da Gretchen), ele namorava Sarah Regina antes de ter começado a trabalhar com a Gretchen, ela cantava bem e tal, então rolaram essas primeiras gravações em 1978. Entre elas, a de Amor Bandido. Adivinha quem é o compositor? Paulinho Camargo, em parceria com Max Jr! Que tal?

No começo, ela assinava apenas Sarah. Saiu um EP nessa mesma época que se chamava A Última Dança (também título de uma versão bacanuda, linda, de Last Dance do repertório de Donna Summer) e contava com outro hit, Deixe Todo Esse Amor Pra Depois:

(Sabe quem regravou Deixe Todo Esse Amor Pra Depois em 2004? Pois é, coleguinha… Simone e Simaria!)

Bom, todas essas coisas produzidas pelo Mister Sam ficaram no passado quando ele encontrou o sucesso gigantesco com a Gretchen e Sarah, por sua vez, seguiu em frente com o LP Felina de 1982. Ela mesma diz que não queria cantar disco music e seu sonho era ser uma cantora de MPBdá uma olhada nessa entrevista.

Felina continha Sombras, da trilha sonora de Os Ricos Também Choram do SBT. E já não tinha nada a ver com disco music.

Acho que o nome-chave que aparece entre os compositores aqui é Mário Lúcio de Freitas. Ele é o autor de 6 das 12 músicas e ainda fez a versão de duas (People, do musical Funny Girl, virou A Versão Que Ficou; Sweet France, do flautista Zamfir, ganhou letra e virou ).
Mário foi casado com Sarah (não sei em que ano eles se casaram, exatamente). Ele virou um importante produtor de áudio, músicas de abertura de programas, jingles, dublagem – é o dono do Gota Mágica. Os brasileiros fãs de Chaves sabem: ele é a voz do Godinez! Então, tanto Mário quanto a própria Sarah começaram a enveredar cada vez mais para esse mundo da música da TV.

Ainda na carreira de cantora, Sarah lançaria, por exemplo, um compacto com A Turminha Levada da Breca que era da trilha sonora da novela infantil Chispita e incluía Anjo Bom e A Família.

"Um anjo boooooom / faz falta"
(Ferrou, vai ficar na minha cabeça por uma semana)

A verdade é que a voz de Sarah acabou emprestada para mil coisas. Mil coisas mesmo. Tipo… a Jem. Da Jem e as Hologramas.
Sim, a voz na música em português de Jem é de Sarah Regina.

Eu sei, você já foi fã da Sarah Regina e nem sabia, né?
Uma curiosidade: nesse vídeo aqui de Um Animal Selvagem, das Desajustadas, a banda rival das Hologramas, dizem que a gente escuta a voz de… Lady Zu! Em teoria, ela era a "voz de cantora”de Urânia. E Sarah fazia os backing vocals das Desajustadas também, então talvez esse seja o único registro do encontro entre duas rainhas da disco music brasileira!!!
Só que eu não acho a voz da Urânia muito parecida com a da Lady Zu, a menos que ela tenha caprichado na interpretação com uma dicção diferentona. Parece alguém forçando a voz para ficar mais grossa.
O Miguel Andrade já falou no La Dolce Vita que é isso mesmo, Lady Zu é Urânia. Eu sei lá. É que consigo identificar muito mais a voz da Sarah, gente, desculpa.

Sobre Sarah: não acabou aí. Abertura clássica de Cavaleiros do Zodíaco? Sarah Regina estava lá com Mário, Sueli Gondin e Rubinho Ribeiro. A Lenda da Luz da Lua, CRÁSSICASSO de Sailor Moon? Sarah. Mas essa daqui eu cheguei a lacrimejar quando descobri que era ela – e o melhor, parece mesmo a Sarah, dá super para reconhecer:

Ah, gente! Se mexe com Sakura Card Captors, mexe também com o nosso coração <3

Esse post foi uma homenagem a essas maravilhosas cantoras que ainda não possuem o reconhecimento que merecem.
Quem gostou desse, pode também curtir esses outros:
. Outra cantora de disco music brasileira (e que na verdade é gringa!): Brenda
. Um monte de disco music brasileira
. O gênio do pop Mister Sam

Todos os caminhos levam ao Secos & Molhados

Quando o Secos & Molhados lançou o primeiro disco, em 1973, eu ainda não era nascido e minhas irmãs também não (somos todos gêmeos e nascidos na década de 1990, oras).
Brincadeira, mas o que quero dizer é que eles não estavam no meu radar na infância e adolescência. Foi na faculdade que comprei a versão da série Dois Momentos, um CD com os dois álbum da formação original da banda, e comecei a saber mais sobre ela.

Gerson Conrad, João Ricardo e Ney Matogrosso, o Secos &amp; Molhados original

Gerson Conrad, João Ricardo e Ney Matogrosso, o Secos & Molhados original

Sempre me instigou essa história do trio que questionou valores tradicionais em plena ditadura militar virando um retumbante sucesso. Um sensual Ney cantando para um Maracanãzinho lotado. As pinturas no rosto que polemizam o Kiss - foi uma cópia, é uma coincidência? As músicas em si, um pop rock cheio de poesia e aberto a tantas interpretações. E o fato dele ter sido a porta de entrada de Ney Matogrosso para a fama, sendo que tanto Gerson quanto João nunca conseguiram ter tanto reconhecimento quanto ele depois do fim do S&M. Será que Ney faria sucesso mesmo sem esse fenômeno? Será que se o S&M tivesse continuado com essa formação, os próximos álbum teriam vendido bastante?
Para você ter uma ideia, tem gente que defende que o desenvolvimento da indústria fonográfica brasileira se divide entre antes e depois do primeiro álbum do Secos & Molhados. Os números astronômicos de vendagem (mais de um milhão) teriam forçado uma profissionalização.

O disco clássico - aquele ali do fundo é o Marcelo Frias, baterista que desistiu de ficar na banda depois que a foto já tinha sido produzida. Acabou se mantendo na capa, mas não ganhou os louros das vendas e continuou recebendo como músico contratado

O disco clássico - aquele ali do fundo é o Marcelo Frias, baterista que desistiu de ficar na banda depois que a foto já tinha sido produzida. Acabou se mantendo na capa, mas não ganhou os louros das vendas e continuou recebendo como músico contratado

Marcelo Frias, aliás, é história pura da música brasileira: antes dessa foto, ele já tinha tocado bateria no Beat Boys e acompanhou com essa banda ninguém menos que Caetano Veloso cantando Alegria Alegria no Festival Record de 1967, momento seminal do tropicalismo ao lado de Domingo no Parque com Gilberto Gil e Os Mutantes.

Recentemente comecei a ler e mergulhar mais no universo do Secos & Molhados e descobri um monte de ligação muito exótica que pode ser que prove que 1) Os anos 1970 eram o equivalente à cena hipster paulistana, onde todo mundo se conhece; 2) todos os caminhos levam ao Secos & Molhados.
OK, isso é um exagero, nem todos os caminhos levam a eles, mas vários levam sim, e você nem imaginaria essas ligações. Então vem comigo - esse post é baseado nos livros Primavera nos Dentes: a História dos Secos e Molhados e Pavões Misteriosos - 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil, mais pesquisas em outros livros e sites. Recomendo a leitura de ambos!

Rita Lee & Roberto de Carvalho

Nunca entenderei esse mafuá, e não existe confirmação oficial. Rita e Roberto, a dupla que a gente aprendeu a amar, se conheceu exatamente em que ano? Dizem que foi em 1976. Mas antes disso, e entre a saída definitiva de Rita dos Mutantes e 1976, estão cerca de 4 anos. O que aconteceu nesse período?
Bom, uma das coisas que aconteceu foi a gravação de Menino Bonito, lançada no disco Atrás do Porto tem uma Cidade de 1974 sob a assinatura Rita Lee & Tutti Frutti.

E sabe o que dizem? Que essa música teria sido composta por Rita para João Ricardo, o português do trio Secos & Molhados.
!!!
Para começo de conversa, João não é exatamente bonito, pode até ser interessante mas sei lá.
Segundo que… João Ricardo e Roberto de Carvalho se conheceram em 1975 ou um tanto antes, mas não depois. É de Roberto a ótima guitarra do primeiro disco solo de João, homônimo que ficou conhecido como o Disco Rosa.

Tem gente que não gosta do Disco Rosa. Acha que forçou a barra, quis trazer uma coisa da androginia de Ney para João que não deu certo, tem a música Vira Safado que seria uma tentativa de repetir o sucesso do clássico O Vira em uma… repetição. Minha opinião? O disco é ótimo. E é uma das várias obras que vão pintar nesse post que a gente ouve e fica pensando: imagina se o Secos & Molhados tivesse continuado com sua formação original? Imagina essas músicas com Ney Matogrosso e Gerson Conrad?
Eu ia amar. <3 Salve-se Quem Puder é tudo, um roquinho bem Secos & Molhados, bem anos 1970, com gritinho uuuuh! e tudo o mais. Balada para um Coiote na minha opinião teria potencial de hit tão grande quanto Assim Assado. Sorte Cigana também ficaria linda na voz do ex-vocalista da banda. E quer saber, até o Vira Safado me atrai!


Roberto estava entrando na “cozinha” que mantinha alguns integrantes dos dois primeiros discos do S&M. Entre eles, o tecladista Emilio Carrera e o baixista Willie Verdaguer. Então Roberto substituía o guitarrista anterior, John Flavin – a maior doideira porque Flavin, por sua vez, ia tocar com uma pá de gente, incluindo…

Arnaldo Baptista

Da mesma forma que os caminhos de Rita e Roberto se cruzaram com os do Secos & Molhados, os de Arnaldo, ex de Rita e outro integrante dos Mutantes, também passaram por lá. É que Flavin, autor de uma guitarra importantíssima do S&M nos shows e dois primeiros álbuns, participa do disco Elo Perdido do Arnaldo & Patrulha do Espaço.

Esse disco foi gravado em 1977 mas só foi lançado em 1988. Esses cruzamentos fazem sentido: a cena roqueira da década de 1970 em SP não era exatamente gigantesca. Nem a da música popular brasileira em geral. De certa forma o trio Mutantes e o trio S&M seguiam uma sequência de abertura da cabeça da MPB.

Ney gravaria Balada do Louco, de Arnaldo e Rita, em 1986 no disco Bugre. Virou um hit do seu repertório.

Elis Regina

Elis e Secos & Molhados? Que ponte é essa?! Calma que eu vou chegar lá!


Depois de gravar o Disco Rosa, João Ricardo foi procurar novas sonoridades. O resultado em 1976 é Da Boca pra Fora, que também é um disco bom. Acho que é difícil pra gente reconhecer que João é um artista bem interessante, apesar de ter virado o vilão da história no Secos & Molhados. Mas a gente sabe que não existe só 8 ou 80 - são vários os números entre eles. As verdades são relativas… Acho o João arrogante por algumas declarações, ele já disse umas coisas bem horrorosas tanto sobre Ney quanto sobre Gerson. Mas as músicas são boas, fazer o quê?

Nesse meio tempo, a turma do William Verdaguer e do Emilio Carrera ficou assim, por aí. Roberto de Carvalho já estava encontrando com Rita Lee e formando uma parceria amorosa e profissional. Então John Flavin, antes da Patrulha do Espaço, voltou a tocar com os amigos da cozinha do S&M formando a banda Humahuaca. Eles misturavam o rock, o jazz e a música popular latino-americana - William é argentino. É o Humahuaca que acompanha Elis Regina em um programa na Bandeirantes, um registro que só os megafãs conhecem mais e que tiraram do ar do YouTube.

A música cantada por Elis nesse programa também se chamava Humahuaca. Existia um projeto de gravação de disco com Cesar Camargo Mariano, então marido da cantora, mas a coisa flopou. Imagina um disco deles com alguns vocais de Elis? Era essa a ideia. Tipo a mesma cozinha do Secos & Molhados, só que com a voz da Elis Regina!


Agora deixa eu falar de um cara que passou pela vida da Elis Regina. E que, dizem, fez Cheia de Charme para Rita Lee. Tô falando, essa história toda tem tantos cruzamentos que nem sei!

Guilherme Arantes

A ponte entre Guilherme Arantes e Secos & Molhados é muito mais curta do que você está imaginando. Ela vem na forma de Moracy do Val, que produziu o Secos & Molhados e arrumou o primeiro contrato deles com uma gravadora, a Continental. A história é nebulosa e cabulosa: Moracy teria entrado em atrito com ninguém menos que o pai de João Ricardo, o poeta João Apolinário. João pai assumiu os negócios e a produção , e esse teria sido um dos estopins para a saída de Ney e Gerson da banda.
Acontece que Moracy, nesse meio tempo, começa a produzir outra banda: a Moto Perpétuo. Parece que ele nem chegou a concluir a produção do álbum exatamente porque a coisa para o lado do S&M começou a complicar cada vez mais – tudo aconteceu meio que ao mesmo tempo. O disco homônimo de 1974 ficou conhecido como o primeiro registro em estúdio de Guilherme Arantes, o vocalista e tecladista, além de ser compositor de quase todas as músicas.

Alguns anos depois, Elis Regina teria um sucesso radiofônico com Aprendendo a Jogar. O compositor? Guilherme Arantes.

Antes disso - e um ano antes do Secos & Molhados entrar em estúdio - Elis lançava Casa no Campo. A autoria: Tavito e…

Zé Rodrix

Foram dois álbums clássicos: Passado, Presente e Futuro (1972) e Terra (1973). As pessoas até costumam apontar o primeiro como mais bem amarrado, mas o meu preferido é Terra: não posso ignorar o poder que a música Mestre Jonas tem sobre a minha pessoa. Simplesmente amo. O trio Sá Rodrix & Guarabyra, coincidentemente, tinha como primeira inspiração o mesmo trio que fazia a cabeça de João Ricardo: Crosby Stills & Nash.

Segundo a biografia O Fabuloso Zé Rodrix de Toninho Vaz, depois do grupo se dissolver e enquanto Zé preparava seu primeiro álbum solo, I Acto, que também saiu em 1973, ele ainda foi lá e participou da cozinha do álbum do Secos & Molhados. Workaholic! É dele o acordeon no superhit O Vira, sugerido por Verdaguer, e o arranjo de Fala, onde tocou o sintetizador Moog. Bela participação!

Mas voltando um pouco: sabe com quem foi a primeira parceria de Sá, ou melhor, Luis Carlos Sá, outra terça parte do trio?

Luhli

Em 1965, antes mesmo de conhecer Guarabyra, Sá encontrou Luhli, que ele diz ser a sua primeira parceira em uma música! Eles faziam parte do Grupo Mensagem com outras pessoas como Sidney Miller e Soninha Ferreira (do Quarteto em Cy). Participaram de um musical no teatro Opinião. Luhli, por sua vez, é peça-chave do Secos & Molhados.
Anos depois, Luhli se apresentava no Kurtisso Negro, um lugar no Bixiga onde a primeira formação de Secos & Molhados, com os hoje esquecidos na história Fred e Pitoco mais João Ricardo, apareceu em público. Acabou a primeira formação, mas ficou uma amizade entre João e Luhli. Eles compuseram algumas músicas, e duas delas entraram no primeiro álbum do S&M, coincidentemente as que Zé Rodrix colocou o dedo: Fala e O Vira.

E mais: foi Luhli quem sugeriu o nome de Ney Matogrosso para João como novo vocalista! Diz a lenda que ele teria comentado que queria um "vocalista de voz aguda” e ela teria respondido “conheço alguém assim, o nome dele é Ney e ele está no Rio".

Nessa época Luhli já era mulher de Luiz Fernando da Fonseca, fotógrafo, e morava num casarão em Santa Teresa. A partir daqui a história fica um pouco misteriosa: Lucina foi namorada de Ney em algum momento, mas como ele não gosta de comentar a vida pessoal, ela sempre respeitou isso. Em certo momento Luli & Lucinha (era assim que elas assinavam na época) viraram dupla musical. E em 3 anos seriam um trio na vida pessoal: Luhli, Lucina e Luiz, trisal bem antes do poliamor ser mais discutido como agora, e que durou até Luiz morrer em 1990. Chique!!!

Essa foto da cabeça das duas juntas, que é da capa do primeiro álbum da dupla, foi feita por Luiz. Juntos, eles tiveram duas meninas (Luhli) e dois meninos gêmeos (Lucina). Elas dizem que o pessoal ficou meio cabreiro quando o trisal se assumiu, mas Ney não se afastou - continuou fiel a essa amizade e gravou várias músicas delas também na carreira solo, como Bandoleiro. A foto da capa do primeiro álbum solo de Ney (aqui embaixo você vai vê-la) é de Luiz também. O livro Ney Matogrosso: Ousar Ser é recheado de fotos de autoria dele. E Luiz fez outras coisas incríveis como a foto da capa do álbum de Tetê Espíndola Pássaros na Garganta de 1982.

Astor Piazzolla

Um dos primeiros passos solo de Ney Matogrosso depois do fim do S&M foi falar com Astor Piazzolla num show que o músico argentino estava fazendo no Rio. Disse que adoraria gravar com ele, e não é que o já mito da música também quis? Ney foi para Roma, onde Piazzolla morava. As duas músicas que gravaram entraram no primeiro disco solo de Ney, Água do Céu - Pássaro, de 1975. São as duas últimas, um bônus que quando lançado em vinil vinha num compacto anexado e com as edições em CD viraram parte do álbum.

Outra curiosidade que faz a gente voltar um pouquinho em item anterior: a primeira música desse mesmo disco Água do Céu - Pássaro é Homem de Neanderthal. A autoria? Sá e Guarabyra! Mas acho a produção meio experimental demais, não curto muito:

Zezé Motta

Essa muita gente sabe, mas parece que pouca gente realmente descobriu esse álbum, o primeiro "solo” de Gerson Conrad pós-S&M. Entre aspas porque na verdade é um álbum de dupla, dele com a atriz e cantora Zezé Motta.
E sabe do que mais? Acho bem legal. Também me faz ficar pensando que músicas teriam entrado no terceiro álbum do Secos & Molhados, cantadas por Ney.

As letras são do mesmo Paulinho Mendonça de Sangue Latino e Delírio; todas as melodias são de Conrad.
Uma curiosidade que muita gente esqueceu é que em 1981 Conrad lançou outro disco homônimo. Hihihihi… Interessante, a música Rosto Marcado já tem um gosto forte de coisas do BRock oitentista:

Em 2018 saiu o álbum Lago Azul de Gerson Conrad. As parcerias com Paulinho Mendonça também voltaram em Gatos de Muro e Antes que Amanheça.

Os outros discos do Secos & Molhados

Além dos álbuns solo de João Ricardo, ele também seguiu lançando discos sob o nome de Secos & Molhados. Geralmente ele arrumava um cantor de voz aguda (afff, que fetiche) e mais alguns integrantes. Pelo menos dois desses são dignos de nota:

O terceiro álbum trazia vocal de Lili Rodrigues e guitarra de Wander Taffo, que depois faria parte da banda Rádio Táxi com integrantes da Tutti Frutti de Rita Lee - uau, por esse plot twist você não esperava! Foi a Rádio Táxi que gravou a primeira versão de Eva em 1982, que virou hit de novo em 1997 com a Banda Eva e Ivete Sangalo.
A primeira música desse álbum do S&M, Que Fim Levaram Todas as Flores, até fez um sucessinho, mas nada perto do blockbuster dos discos anteriores. Também gosto de Lindeza, delicadinha, e De Mim Para Você que é meio disco music (!!!).

O disco de 1980 é com os irmãos Lempé - gosto de várias (pois é!!!), incluindo Roído de Amor e Sem as Plumas Numas, uma das únicas com os Lempé como co-autores.

Bom, eu ainda poderia falar de um monte de ligações. Como por exemplo a com o Fagner, que fez um compacto com Ney em 1975, hoje pouco conhecido:

Em julho de 1975, também sairia Ave Noturna de Fagner. E nesse mesmo mês, Ney e Fagner foram de carro para se apresentar no Festival de Belo Horizonte. Foi a primeira vez que Ney cantou no palco sem maquiagem e um figurino elaborado - segundo o próprio!
Ney também conta uma história inusitada: na volta de BH Fagner passou uns dias na casa dele no Leblon, Rio, antes de ir embora para SP. E esqueceu uma cueca no quarto de hóspedes! Ela foi lavada, passada e ficou pendurada no quarto de hóspedes como um troféu.

Na minha fantasia:
transaram sim.

ATUALIZAÇÃO com EXTRA em 8/09/19:
Confira o episódio de O Som do Vinil, programa do Canal Brasil, sobre o primeiro álbum do Secos & Molhados!

ATUALIZAÇÃO 25/06/20: Descobri que tem duas pessoas que gostaram bastante desse post. Fico tão feliz quando isso acontece, vocês não tem ideia! O Julio me avisou que a amiga dele, a Monique Dieb, fez uma playlist inspirada nesse texto aqui que você acabou de ler! AH! Tá aqui: