A mestra da camiseta slogan: Katharine Hamnett

Você não conhece Katharine Hamnett? Ou conhece e não está lembrado?

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Musa

das camisetas slogan

Se você fala em camiseta slogan, não tem como desviar de Hamnett. Ela não é necessariamente a primeira a fazê-las - a marca própria da estilista, que é inglesa e formada pela Central Saint Martins, só foi inaugurada em 1979. E só lançou o modelo que virou sua marca registrada em 1983. Ou seja, camisetas hippies pacifistas e punks niilistas (inclusive da minha amada Vivienne Westwood) já existiam.

Mas Hamnett quem popularizou um jeito específico de fazer camiseta slogan: oversize, sempre com uma fonte Helvetica em caixa alta, uma frase simples e direta. Às vezes política, às vezes simplesmente algo para se pensar, como foi o caso na camiseta que George Michael usou no clipe de Wake Me Up Before You Go-Go da dupla que fazia parte, Wham!:

(Gosta de músicas pop perfeitas? Então veja esse post!)

Essa camiseta Choose Life virou um símbolo. Lembra que, anos depois, a primeira fala de um filme que marcou uma geração, Trainspotting (1996), começa com essa mesma frase? Pois é: em 2017 Katharine fez uma parceria-licenciamento com o filme Trainspotting e lançou versões especiais da camiseta. Foram vendidas em lugares específicos, tipo Japão (e aconteceu de eu estar no Japão um pouco depois, portanto sou um feliz proprietário de uma dessas belezinhas).

(A minha é outro modelo, mais próximo do original só que com a frase em laranja, a cor do filme)

(A minha é outro modelo, mais próximo do original só que com a frase em laranja, a cor do filme)

Outro momentinho com música e Hamnett virou notícia, e tem a ver com, quem diria, o Rock in Rio.
Foi na apresentação histórica da banda Queen no festival.

Não dá para ver direito mas eu juro que o Roger Taylor está usando uma camiseta igual a que Hamnett veste na primeira foto desse post

Não dá para ver direito mas eu juro que o Roger Taylor está usando uma camiseta igual a que Hamnett veste na primeira foto desse post

(Falou em banir energia nuclear, aliás, tô dentro. Ouça a música portuguesa que protesta contra energia nuclear aqui nesse link.)

Hamnet é foda demais. Ela encontrou com Margareth Thatcher em 1984 vestindo essa singela camisetinha:

Lê-se "58% não quer Pershing", em referência a uma pesquisa sobre base com mísseis Pershing no Reino Unido. Hamnett sempre teve um posicionamento político pacifista, e sempre foi muito vocal sobre o assunto

Lê-se "58% não quer Pershing", em referência a uma pesquisa sobre base com mísseis Pershing no Reino Unido. Hamnett sempre teve um posicionamento político pacifista, e sempre foi muito vocal sobre o assunto

(Isso me lembra uma coisa muito deliciosa: você sabia que, depois que Thatcher morreu, ofereceram o guarda-roupa dela para o museu Victoria & Albert? E eles, educadamente, recusaram a oferta… Risos! Leia mais sobre o assunto no The Independent! Ai, isso só me faz gostar mais do V&A… <3)

Campanha da marca homônima de Hamnett, que hoje é bem menor do que já foi mas tem ensaiado uma volta maior

Campanha da marca homônima de Hamnett, que hoje é bem menor do que já foi mas tem ensaiado uma volta maior

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Encontro de rainhas

Hamnett & Westwood salvando as abelhas

É importante dizer que Hamnett ficou muito famosa com as camisetas, mas não faz só isso: tem peças variadas. E ela se preocupa com produção mais sustentável.
A seleção de camisetas da marca de Hamnett hoje inclui uma necessária Cancel Brexit:

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O mais legal, pelo menos na minha opinião, é que Hamnett nunca se importou com as versões de seu trabalho que aparecem por aí. Parece-me que ela entende que ela inventou uma estética efetiva para passar mensagens via camiseta, mas o que cada um fizer disso tem a ver com democracia e livre expressão. É o caso de Henry Holland, da House of Holland: ele transformou esse tipo de camiseta em piadas fashionistas.

As características específicas da House of Holland: sempre tem um nome famoso de modelo, marca ou estilista; e sempre é uma rima

As características específicas da House of Holland: sempre tem um nome famoso de modelo, marca ou estilista; e sempre é uma rima

Bom, eu mesmo estou pensando em dar uma passadinha na Liberty ou em outra loja que venda Katharine Hamnett no fim do ano para ver se compro mais um mimo. Olha essa, que tudo:

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Para arrasar nas ruas de Roma

Que tal?

How would you like to be remembered?
I don’t care.
— Katharine Hamnett na entrevista para o The Guardian

Não é só aqui: Os conservadores querem ser hipsters?!

Er…

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A fonte Comic Sans foi criada por Vincent Connare e lançada no mercado pela Microsoft em 1994. De lá para cá, se transformou de uma fonte simpática para motivo de riso: como ela era bastante popular (afinal, estava no pacote Office de qualquer Windows de qualquer PC que cruzasse o seu caminho), virava a fonte escolhida para a capa do trabalho da escola, para o cartazinho maroto que o RH pendurava no escritório, para aqueles avisos para a comunidade no hospital, igreja, refeitório, you name it.
O uso se tornou tão banal que virou meme. Designers e pessoas ligadas no assunto começaram a ficar realmente bravas com a falta de noção em se usar uma fonte tão infantil para coisas que não eram voltadas, bem, para crianças, certo?

Daí entendeu-se que o uso da Comic Sans poderia chegar a um aspecto… cômico. As pessoas começaram a usá-la em contexto irônico. Aquele jeitinho hipster deu um jeitinho de ver as coisas de forma mais leve, tirando um sarro. E as pessoas passaram a achar tão ruim que virou cool - é como a piada que é tão ruim que fica mais engraçada ou a camiseta de campanha política que é tão péssima que fica fashion. Alô, Gvasalia, é com você mesmo que eu tô falando!
Tipo isso aqui:

Péssimo, portanto… maravilhoso.

E aí vem os tories, os conservadores da política britânica, mijar na nossa Comic Sans!
Eles fizeram de propósito, para virar assunto?
Eles se apropriaram para adquirir essa aura cool?
Eles são sem noção, mesmo?

Demorou para aparecer isso:

A verdade é que os tories tem dinheiro para contratar um bom designer.
Então, receio que… é de propósito sim.

Malditos!

Hebe era tudo, e você nem concordava com tudo o que ela dizia

Fui assistir Hebe: A Estrela do Brasil e me surpreendeu. Trata-se de um trecho da vida da apresentadora e não sua vida inteira, e é um trecho que de alguma maneira mostra que o Brasil não conhece sua própria história, porque se conhecesse enlouquecia: ela está se repetindo sempre.
Como ela própria disse ao vivo e a atriz Andrea Beltrão repete em cena (em interpretação, diga-se de passagem, muito muito boa): a Hebe não é de direita, a Hebe não é de esquerda, a Hebe é direta. Mas é mentira: ela era de direita sim. É só olhar a coleção de joias para concluir que comunista a apresentadora não era; votava no Paulo Maluf (era sua amiga pessoal). Mas ao mesmo tempo era de uma espécie de "direita esclarecida”, se me perdoam a expressão idiota: defendia os direitos LGBTQ+ (e gostava de provocar os conservadores nesse sentido) e tinha uma certa compaixão religiosa com os menos favorecidos. Não dividia o dela, mas não nasceu rica, portanto sabia o que era ser pobre e se compadecia.

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Esse híbrido de Eva Perón e Oprah sempre me instigou. Mamãe conta que teve uma época, quando guaraná tinha tampa de rolha, que Hebe ainda era uma aspirante a artista e morava, adivinha onde? Em Pinheiros! Mas Pinheiros não era o bairro hipster-chic que é hoje. E a Hebe ficava em uma daquelas casinhas onde hoje é a Eric Discos, sabe? Mamãe morava perto, num sobrado com vovô, e a casa dela já tinha telefone; a da Hebe não. Adivinha onde a Hebe fazia ligação?
(E sim, ela ainda era morena)

Aí, muito tempo depois, numa noite muito doida de desfile do Ricardo Almeida no MASP na qual certo ator global passou a mão no meu rosto e me paquerou (?!?), estávamos eu e the one & only Antonia Petta fazendo a cobertura do evento para o site da Lilian Pacce. Detalhe: Antonia entrevistava e EU fazia as fotos. Risos. E de repente, momento de tensão: a Hebe vem. Precisamos falar com a Hebe.
Sim, eu já fotografei a Hebe.

Quem quiser ver e ler o post inteiro (vale a pena, eu garanto), pode chegar mais nesse link

Quem quiser ver e ler o post inteiro (vale a pena, eu garanto), pode chegar mais nesse link

Também lembro direitinho do momento em que soube que a Hebe morreu. Foi num sábado ou domingo, eu estava visitando a Bienal de SP com meu marido e vimos nas redes sociais. Não era meu plantão. Meu marido diz que não gosta mais de ir na Bienal porque tem essa lembrança ruim.

Voltando ao filme, destaques:
. Sou suspeito para falar, mas minha amiga Renata Bastos está ARRASANDO no papel de Roberta Close. Sorry not sorry!

Fina demais!!!

Fina demais!!!

. Outras duas que arrasam são Cláudia Missura, que eu amo em Domésticas (2001) no papel da Railde, como Nair Bello e Karine Teles como Lolita Rodrigues. Karine, aliás, é a rainha do cinema nacional e ninguém percebeu ainda, né? Ela é a forasteira de moto em Bacurau de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles; a Irene de Benzinho de Gustavo Pizzi; a dona da casa Bárbara em Que Horas Ela Volta? de Anna Muylaert; a Angela do polêmico Fala Comigo de Felipe Sholl… E para quem só assiste TV, ela era a Sumara que foi enganada pela personagem Atena de Giovanna Antonelli no começo de A Regra do Jogo, lembra?
As amigas Nair e Lolita só aparecem em uma cena do filme, infelizmente, mas pelo menos é uma cena boa.

. Vai ter série, viu? Se o filme é só um recorte, parece que a série, que deve passar na Globo em janeiro, traz a história da apresentadora desde a infância até a morte em 2012 por conta de um câncer. Quem ainda deve aparecer é Heitor Goldflus como Jô Soares e Camila Morgado como Rita Lee (ou seja, vai ter selinho!). E provavelmente mais cenas de Lolita e Nair com Hebe - se vai ter Jô Soares vai ter essa cena abaixo, né?

Assiste de novo, faz um bem enorme!

Hebe era cheia de problemas no que diz respeito a posicionamento político, contradições. Era humana. Em tempos de dicotomia, de fortes disputas, de "ou você escolhe o meu lado ou você é meu inimigo", Hebe ocupa áreas cinzas, mostra que não existe 8 ou 80. Foi censurada mesmo após a ditadura (o filme mostra). O povo chamava de cafona, de alienada. Já li a biografia escrita por Artur Xexéo na qual ele explica todo o backstage da sua ida para o Roda Viva, ela chocada por ser convidada para um "programa de intelectuais", de gente importante.

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Recomendo!

É bem legal

Quem será que Hebe apoiaria hoje? Será que ela declararia seu voto? Será que ela daria conta das declarações homofóbicas registradas em vídeo do nosso atual presidente?

Saudades de quando a gente era mais complexo.

Para Very Important People: Balenciaga

Parece que o fim da era Demna Gvasalia na Vetements se deu porque ele queria caprichar ainda mais na Balenciaga, seu atual (e agora único) emprego. No spring 2020 em Paris, o desfile da maison francesa mexe no vespeiro, a começar pelos primeiros looks com alfaiataria escura e um certo tom de… como dizer… assalariado? “Nasci branco e com a vida ganha"? O estilista deixa claro seu tema político quando ambienta a sala de desfile como uma assembleia.

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Esse é o primeiro look

Com direito a crachá (CLT é um luxo; a Balenciaga já tinha incluído esse crachá no seu styling antes), logo que lembra a Mastercard, a palavra VIP impressa no crachá e uma modelagem mais solta. O sapato tem bico quadradão - aliás, o look em si é quadradão, né?

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Olha o logo de pertinho

Certas coisas o dinheiro não compra. O meu dinheiro certamente não compra Balenciaga, garanto!

E na sequência derivada desse look, chama a atenção a maioria de cabelos grisalhos e de pele branca - exceto um modelo, negro e que parece mais jovem, notadamente com a versão de manga curta do paletó. O poder está nas mãos de quem? De uma maioria velha e branca, vamos falar em português bem claro. E nem estou falando só de idade: de cabeça também.

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Born this way

Algumas modelos ganham esse rosto anguloso tipo Lady Gaga. Esse é um dos vestidos com cara de alfaiataria, de "roupa de escritório” só que muito chique. Também tem um clima de uniforme, de formalidade: linhas retas e amplas, ombreiras

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Pendura a minha conta - na orelha!

O cartão de crédito não é mais uma navalha e sim um brinco

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Oversize demais

Um ternão - a calça precisa ficar cintura alta para não arrastar!

Também pintam estampas interessantes: uma traz logos inspirados em veículos jornalísticos; outras valorizam elementos da própria Balenciaga, como acessórios e frascos do perfume Le Dix.

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Tô plissada

Várias peças de alfaiataria chegam com esses amassados horizontais, quase uns plissadões. A calça jeans também é maxibaggy; e repara no mullet (!) e no brinco de navalha (!!), só porque eu fiz a brincadeira com a música Brasil e o cartão de crédito!

Conjuntinhos: de couro, de jeans, de jogging. Mas combinando em cima e embaixo. Usar couro da cabeça aos pés em 2020? Não sei se é couro fake.

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Olha quem veio para a festa

Tem outras versões de cor. Mais uma vez a ironia bomba quando, em uma coleção tão adulta e séria, Gvasalia encaixa uma Hello Kitty gigante!

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Novo Matrix

O verde claro da vez (neo mint, segundo a Pantone) e os brincos de golfinho (boto rosa??)

Blusa mamãe-eu-sou-fortinho (só de falar isso já me dá arrepio). Odiei. Mas enfim, a Balenciaga não está aqui para me agradar. Sexo, permitido só para maiores, e se não aguenta pede H2O. Com esses símbolos de "só alguns podem” (o VIP do primeiro look, o +18 desse), Gvasalia vai falando sobre jogos de privilégio e poder em forma de imagens.

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E aí o ombro cresce mais…

Look de pois e olha a meiaaaa

E aí, meu bem, olha o que acontece com o ombroooo!

Aí teve esse look que eu adorei, de oncinha. Repara que a meia na verdade não cobre o tornozelo:

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A camisa também amassou

E a gargantilha de corrente de bicicleta? Fiquei me perguntando o que é esse negocinho com espinhos de plástico - será que é um massageador? kkkk

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Sereia gótica

Brinco de concha neon e veludo molhado coladinho, bem mudérna!

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Musa!!!

Nadja Auermann, modelo incrível, figurinha fácil na passarela da Mugler na virada dos anos 1980 para os 1990. Belíssima!

E o desfile termina com uma sequência de vestidões absurdinha - se você tira a crinolina, Gvasalia garante que super dá para usar no dia-a-dia:

O novo power suit? Parece retrô. E parece atual. Acima de tudo, me parece mais relevante que a maioria das coisas apresentadas em Paris nessa temporada.

Um lugar utópico pelos garotos do pet shop e anos e anos

Saiu o primeiro single do novo álbum do Pet Shop Boys. A dupla também prepara para 2020 uma turnê de greatest hits (que tudo!) no Reino Unido (affff). Nesse single, chama a atenção o feat, com Years & Years (a banda, não a série, mas de certa forma existe ligação, daqui a pouco digo) e o tema.

No dueto de Dreamland com a voz inconfundível de Neil Tenant e o vocalista do Years & Years Olly Alexander, eles falam sobre uma utopia: um lugar onde todo mundo é bem vindo, onde se pode ir e vir. Uma clara referência a como as minorias e, principalmente, refugiados vem sendo tratados. Portanto é daí que existe ligação à série de TV Years and Years, na temática que reflete sobre a situação política atual.

They say it’s a free land / and they welcome everyone to stay
— Olly Alexander em Dreamland

Mas o legal é que não deixa de ser uma música pop dançante, que você pode curtir de forma hedonista sem pensar tanto na letra.
Fora que a junção de Pet Shop Boys e Years & Years é um bálsamo para as gay, né? Danço sem nem ouvir a música, só de pensar! Para quem não sabe, tanto Tenant quanto Alexander são abertamente gays, e fazem músicas para todos - mas como gays têm bom gosto, a gente ama mais. Risos.
(é uma brincadeira, tá? hoje em dia é bom avisar)