O filme Ramen Shop e o preconceito racial na Ásia
Ande no Japão e fique espantado: não existe quase nenhum negro ou mestiço de negro com asiático por lá. É raríssimo: das duas vezes que fui para o país, me lembro de ter visto um mestiço ao vivo, e só.
A incrível tenista Naomi Osaka é um dos únicos exemplos famosos conhecidos. Não entendo nada do esporte mas, até onde sei, ela é foda - nada menos que a número 1 do mundo atualmente, segundo o Google.
Minha experiência pessoal sempre dá um nó na minha cabeça quando penso a respeito. Considero-me branco, na minha carteira de nascimento vem escrito branco. Só que no Brasil sou o homem branco ou sou o japonês de acordo com a conveniência do interlocutor. Para mim é bem esquisito. Óbvio que sei que no fenótipo meu olho é diferente e além disso sou peludo, barbudo, e isso confunde as coisas. Não tive uma educação oriental, pelo contrário; meus vários contatos com a cultura japonesa partiram da minha própria curiosidade e iniciativa.
No Japão, da primeira vez, nem pestanejavam: me olhavam e começavam a falar inglês (ou fugiam, porque japoneses geralmente odeiam ter que falar em inglês). Da segunda, surpresa: algumas batchans chegavam em mim falando em japonês. O que mudou? Minha postura? Na segunda viagem tentei me misturar mais? Não faço ideia. Ajuda o fato que da segunda vez fomos para mais lugares onde turistas estrangeiros não costumam chegar. Mas sou todo tatuado - coisa que normalmente japoneses não são.
E um fato esquisito: na Ucrânia achavam que eu era árabe. Inclusive me abordavam no mercado falando em árabe! Como acho árabes bonitos, por mim, estou lisongeado!
Mas a verdade é que existe bastante preconceito racial na Ásia. Muito japonês não gosta de qualquer um que não seja japonês (e chama de gaijin, palavra para estrangeiro). Muito chinês não gosta de japonês (existe um histórico feio de guerra). Coreano às vezes não gosta de japonês, japonês às vezes não gosta de coreano. Etc etc.
Longe de mim acreditar em racismo reverso, mas no Japão fazem o maior bullying com o homem branco. E uma campanha de companhia aérea deu o maior xabu porque fez… whiteface.
Isso mesmo que você leu. Whiteface. Assista nesse link.
(desculpa, mas eu ri kkkkkkkkkk)
Bom, eu decidi fazer esse post depois de assistir a um filme bacana chamado Lámen Shop de 2018.
O nome original, Ramen Teh, entrega mais: mistura lámen com bak kut teh, um prato típico de Cingapura. No filme, o mestiço Masato volta para Cingapura depois do pai japonês, que era dono de uma casa de lámen com o irmão, morrer. A mãe dele, cingapuriana, morreu bem antes e era brigada com a avó dele. Maior drama, deixou um diário tudo e tal falando como ficava chateada por não falar mais com a mãe dela... Adivinha o motivo?
Como o longa parte do ponto de vista de alguém que volta para o país, o filme traz um olhar de visita, meio turístico mesmo. Inclusive sobre a comida - vontade de comer tudo! A comida de Cingapura é sempre uma atração na ficção, já percebeu? Também é assim em Podres de Ricos.
Enfim, recomendo assistir. Fez pensar bastante sobre essa relação de racismo - que costumo ligar a japoneses quando estou falando da Ásia, mas aqui acontece partindo de uma cingapuriana. E também fala da relação entre comida e memória afetiva. Não é um puta filmão, mas é legal! Confira o trailer: