Vamos reconhecer: é cafona comprar

Vocês brincavam de mês?
Era uma brincadeira maravilhosa e ridícula. Ficava um povo ali sentado, uma dupla saía e combinava um mês do ano sem ninguém mais ouvir. Aí voltava a dupla e começava a perguntar: mês? Cada uma das pessoas ia respondendo um mês até que alguém acertava o mês combinado pela dupla. E então vinha a pergunta, a mais bizarra pergunta:

O que você quer do mundo?

Nossa. A paz mundial? O fim do fascismo? O imposto sobre grandes fortunas?
Não: geralmente quem acertava respondia coisas mais simples. Um carro. Um videogame. Uma joia.
Aí a dupla voltava a confabular longe do ouvido dos outros. Cada um escolhia uma coisa: Camaro ou Land Rover. Supernintendo ou Mega Drive. Anel da Tiffany ou pulseira da Cartier.
A dupla voltava com as opções e a pessoa escolhia. Quem tivesse inventado a opção que ela respondeu continuava perguntando o mês com ela, e a outra pessoa da dupla saía, se juntando ao grupo.
E assim ad infinitum. Besta, né?

Mas se a brincadeira de mês continua existindo, será que as opções do que você vai querer do mundo continuam as mesmas?
Meu ponto é: quem quer a droga de um carro para pagar imposto, gasolina e manutenção?
Os bens materiais, meu bem, saíram de moda. Estão out. Very last season. É brega ter. “Ostentar é coisa de quem não tinha". "Ostentar é coisa de gente vazia que não valoriza as coisas realmente importantes".

Sinceramente sempre achei a Becky Bloom CAFONÉRRIMA

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Não me entenda mal: isso não quer dizer que as pessoas pararam de comprar. Elas seguem comprando pencas - basta ver os lucros das marcas. Só que aquela pessoa que você acha cool provavelmente não vai te dizer: "nossa, gastei os tubos na Zara". Há uns 15 anos, ela poderia dizer isso. Hoje, existem mil fatores que pintaram no cenário que fazem com que o consumo esteja em baixa no imaginário geral.
Vou enumerar alguns mas não pretendo fazer um compêndio que explica tudo - vocês me digam depois o que acrescentariam.

  • Sustentabilidade: finalmente o povo começa a se tocar, né? Melhor do que consumir, é incrível reaproveitar. E não, consumir produtos sustentáveis em quantidade não adianta, reduza o consumo e, se precisar consumir, consuma o que foi produzido de maneira mais sustentável.

  • Compartilhamento: Uber, guarda-roupa compartilhado, patinetes, Airbnb e por aí vai. E nem comecei a falar de carro autônomo - olha essa lista de 73 coisas que podem acontecer quando o carro autônomo virar uma realidade.

  • Minimalismo: de um estilo de moda para um estilo de vida. Existe um filme na Netflix chamado Minimalismo: um documentário sobre coisas importantes que prega essa mudança do consumismo para algo mais significativo. Aliás, isso nos leva ao próximo item…

  • Millennials: sempre eles. A geração dos creators, dos makers. Bateu uma ressaca de capitalismo no millennial. Ele se sente insatisfeito. É o millennial (depois da década de 1960, que também foi pródiga nisso antes do hippie virar yuppie) que levou a questão "Qual é o meu propósito nesse mundo?” mais a sério. Vai daí o "vendi tudo e fui passar um ano viajando” que soa como piada de privilegiados (e é) mas ao mesmo tempo se transformou num novo aspiracional. Todo mundo queria ser milionário, pode não ser uma prioridade mas a gente acharia ótimo não precisar se preocupar com dinheiro. Acontece que não somos. E aí? O sonho é ser milionário ou ser outra coisa?

  • Consciência social: quero acreditar que ela aumentou, apesar dos pesares (da política do jeito que está, do fogo cruzado entre opiniões contrárias). É feio ostentar com tanta gente com tão pouco. Simples assim. Só que para essa consciência social acontecer, é necessário estar em contato com o outro - ou seja, tem que furar a bolha. A gente costuma dizer que vive numa bolha, e acho que vive mesmo, mas saber da existência da bolha não motiva pessoas a cada vez mais saírem dessa zona de conforto, mesmo que só de vez em quando?

  • Já deu: não deu? A experiência de compra se esgotou. É boba e vazia. O povo tem que se virar nos 30 para levar a pessoa na loja: ambiente instagramável, eventinhos etc. O ambiente online, por sua vez, pode ser bem entediante - veja o próximo tópico…

  • Algoritmos! Teve uma coisa que a jornalista Alexandra Farah falou numa entrevista que fiz com ela sobre algoritmo que não saiu mais da minha cabeça. "Hoje a gente vive muito a base de dados, inteligência artificial; quando você pesquisa 'tênis branco' no Google, de repente só começa a ver tênis branco em tudo, qualquer coisa que você abre vem com um anúncio. Isso é legal porque às vezes você precisa mesmo do tênis branco, mas banaliza muito a moda. Com esse monte de WGSN, Google Analytics, essas ferramentas de big data, a moda está ficando muito igual e banal. (…) Os criadores têm que dar pra gente o que não sabemos que queremos, esse é o papel de um estilista: me fazer querer o que ainda não sei que quero." Algorithm killed the fashion star.

A verdade, pelo menos na minha opinião, é que a gente até continua gastando do mesmo jeito - mas escondido. Não conta para ninguém. Não publica na internet. Deixa para mostrar só para os amigos mais próximos. E a tendência é que, por causa de tudo isso, a gente cada vez compre menos mesmo.

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Mas então vai ter uma hora que a gente vai parar de comprar & gastar?

Ih…

Não é bem assim. Senão estava todo mundo cheio da grana, o dinheiro não ia valer nada e tudo aquilo que a gente aprendeu nas aulas de economia - se é que você lembra, eu não lembro direito não.
A verdade é que estamos gastando cada vez mais com experiências e serviços do que com produtos. Então é essa a conta: viagens, restaurantes, passeios, cinema, shows.
E se você pensou "conta do Instagram", sim, é isso mesmo - a gente precisa alimentá-la com algo… A era dos influenciadores, dizem, já passou de sua fase áurea; ou pelo menos a do look do dia passou. Fotos com a pessoa que é dona da conta continuam arrecadando mais likes mas… Cadê o número de likes? Bobou, bebê!

Por fim, duas sugestões para quem vai guardar muito dinheiro agora que vai entrar numa onda mais minimalista.
Que tal guardar dinheiro para:

Ir para o espaço?

Ou: seguir essa lista de melhores experiências gastronômicas do mundo?

Bem mais legal que comprar aquela bolsa da Prada, diz aí. O céu é o limite. Nesse caso, de maneira bem literal, o céu não tem limites…

A primeira cosmonauta: Laika

A primeira cosmonauta: Laika

E daqui a pouco eu volto falando mais de uma nova roupa - é uma loucura.