Não lavou e tá novo

Você já ouviu falar do desafio da Lilian Pacce #1lookporumasemana?
É assim: você usa pelo menos duas ou mais peças de roupas por cinco dias seguidos, sem lavar. Dá para usar a criatividade para variar - coisas do tipo usar a saia como um top, colocar um vestido curto por dentro da calça como se fosse blusa.

A gente chama de desafio porque obviamente é desafiador mas eu sei como é pouco prático fazer no dia-a-dia para quem pega ônibus, sua debaixo do sol etc etc.
Só que ao mesmo tempo é muito doido fazer. Primeiro porque você percebe que talvez esteja lavando demais sua roupa, e às vezes não precisa lavar só por ter usado uma vez. Além de gastar água, energia e sabão, isso também gasta a própria roupa.

(Muita gente defende que essa coisa de lavar roupa após apenas um dia de uso é uma coisa que colocaram na sua cabeça. Para ser mais específico: a Unilever e outras fabricantes de sabão de lavar roupa bombardearam essa informação em suas campanhas publicitárias. Elas ligam isso à higiene, hábitos saudáveis etc. e tal. Para o brasileiro, que já tem essa cultura de se lavar bastante, cai como uma luva, e no verão reconheço que a coisa aqui fede - literalmente rsrsrs! Mas e nas temperaturas mais amenas? Será que a gente precisa lavar tanto a roupa assim?)

Voltando ao desafio: você também acaba fuçando mais o seu armário a procura de mais alguma coisa que combine com aquelas peças. Precisa exercer sua criatividade. É interessante as coisas que você descobre.
Mas principalmente, lá pelo quarto ou quinto dia, começa um questionamento em um grau um pouco mais filosófico. Afinal, qual é o seu estilo? Qual é o limite dele? Você usaria esse look caso não estivesse no desafio, repetindo essas peças? Por que não? O que te impediu de ser tão criativo antes? Por que você não exerce mais sua criatividade no dia a dia, não só no look mas em tudo? E por aí vai.

Já existiu uma campanha relacionada à lavagem exagerada da roupa que veio da AEG: o Care Label Project. A ideia é lavar menos, com água fria, com o foco da roupa durar mais e um subtexto de consciência ecológica. Eles defendem que muitas marcas nem têm estrutura para fazer testes de lavanderia com as roupas que produzem (e outras provavelmente não fazem porque isso custa dinheiro), então elas acabam já colocando "somente lavagem a seco” na etiqueta - isso traz um exagero no uso da lavagem a seco. Que tal se todo mundo soubesse mais sobre a duração do tecido, especialmente quem faz roupa, para assim o consumidor ser informado sobre o que está comprando direitinho? Para quem está preocupado com um consumo mais sustentável, os cuidados após a compra, em suma, são tão importantes quanto os cuidados relacionados a comprar menos e com qualidade.

No cotidiano, fora do desafio #1lookporumasemana, a gente pode alternar o uso de dois looks - enquanto um é usado, o outro está arejando. Faz supersentido, principalmente para calças.

Só que na verdade falei tudo isso por causa de roupas e tecnologias que são criadas especialmente com esse propósito: lavar menos.
A start up Unbound Merino é uma delas.

camiseta-unbound-merino.jpg

Camiseta da Unbound Merino

A promessa é não lavá-la por dias, e dias, e mais dias

O foco da Unbound é em roupas para viajar: são leves, feitas de lã de merino (daí que vem o segundo nome) e você não lava por SEMANAS. Isso mesmo, SEMANAS.

pangaia.jpg

Camiseta da Pangaia

Feita de algas marinhas (?!), a peça dessa marca que tem todo um viés sustentável leva um tratamento com óleo natural de hortelã para ficar mais "fresca” sem precisar de lavagens

A Pangaia promete uma economia de até 3.000 litros de água por toda a vida útil da camiseta pela quantidade menor de vezes que você lava. Uau, né? A pegada da Pangaia é menos pela praticidade e mais pela sustentabilidade. E o desafio: convencer o consumidor que ele não vai cheirar mal usando a mesma camiseta seguidamente.

wooland.jpg

Vestido de merino da Wool&

#1lookpor100dias: a marca diz que você pode usá-lo por 100 dias. 100 dias seguidos!!! Sem lavar!!! Será que um dia de verão com busão conta?

A Wool& é a marca feminina da Wool & Prince, que também faz roupas para os rapazes que não precisam ser lavadas com frequência.

E por que a preferência por lã de merino dessas marcas? É um tecido praticamente tecnológico só que natural: esquenta quando está frio, mantém a temperatura quando está quente porque respira, é leve e não amassa, é resistente ao odor e ainda é uma delícia ao toque. Ou seja: perfeito!
Mas como é que é resistente ao odor? Simples: o suor evapora no lugar de ficar ali preso no tecido. Isso ajuda a não criar colônias de bactérias - é isso que cheira mal, e não necessariamente o suor.

hidry.jpg

Camisa com a tecnologia HiDry

A brasileira HiDry tem parcerias com fabricantes de roupas. Os tecidos passam por um tratamento com nanotecnologia que repele líquidos - isso deixa as roupas mais limpas, inclusive de suor, por mais tempo segundo a empresa!

Essa camisa da foto é da marca Principessa com a HiDry, mas ela tem outras parcerias, como com a Mormaii.

horvarth.jpg

Camisa da Horvath que também repele líquidos

Conheci a start up no festival WeAr da Alexandra Farah mas não entendi se eles continuam existindo - acho que não! Que pena!

Agora imagina um tecido que fica mais “cheiroso" em contato com o suor?

Foto meramente ilustrativa de janeb13

Foto meramente ilustrativa de janeb13

Pois é: por enquanto é protótipo mas engenheiros da Universidade do Minho, em Portugal, encontraram um jeito do tecido liberar um aroma de citronela em contato com o suor. No processo é usada uma proteína encontrada no narizinho de porcos, então os veganos não vão poder usar. Existe um outro caminho que envolve lipossomas, não entendi de onde esses lipossomas viriam mas no meu parco conhecimento de biologia, a origem também precisa ser animal. A citronela é interessante porque, além de deixar a roupa cheirosa, ela é um repelente natural de insetos! Agora, será que o pessoal vai usar a roupa de academia mais de uma vez? Sinceramente acho esquisito, para dizer o mínimo…

Outra questão que fica é: se você é fashionista, como a gente resolve isso? Haja criatividade no styling, né?
E como é que eu vou posar todo dia com a mesma roupa para a foto do Instagram? Que tédio…
Hum…
Junte os pontos: já estamos na era da realidade virtual. E você consegue vestir um avatar de videogame como quiser, certo?
Sim.
Mas alguém já juntou esses pontos também. A empresa escandinava se chama Carlings.

Já está chocado?
Carlings existe fisicamente também: é uma loja que vende roupas de verdade. Mas quando ela abriu o seu e-commerce no ano passado, quis fazer uma coisinha diferente. O processo ainda não é exatamente automatizado tipo filtro: você sobe uma foto e um designer da Carlings te "veste”. E sim: custa dinheiro, claro. Tipo € 30.

E a roupa virtual já chegou no mercado de luxo, ou pelo menos no preço de luxo. Olha o precinho desse vestido:

E aí, você usaria uma camiseta por tipo um mês?
Você compraria uma roupa virtual por US$ 9.500?
Isso tudo vai pegar?

Sinceramente: acho que sim.

Vamos reconhecer: é cafona comprar

Vocês brincavam de mês?
Era uma brincadeira maravilhosa e ridícula. Ficava um povo ali sentado, uma dupla saía e combinava um mês do ano sem ninguém mais ouvir. Aí voltava a dupla e começava a perguntar: mês? Cada uma das pessoas ia respondendo um mês até que alguém acertava o mês combinado pela dupla. E então vinha a pergunta, a mais bizarra pergunta:

O que você quer do mundo?

Nossa. A paz mundial? O fim do fascismo? O imposto sobre grandes fortunas?
Não: geralmente quem acertava respondia coisas mais simples. Um carro. Um videogame. Uma joia.
Aí a dupla voltava a confabular longe do ouvido dos outros. Cada um escolhia uma coisa: Camaro ou Land Rover. Supernintendo ou Mega Drive. Anel da Tiffany ou pulseira da Cartier.
A dupla voltava com as opções e a pessoa escolhia. Quem tivesse inventado a opção que ela respondeu continuava perguntando o mês com ela, e a outra pessoa da dupla saía, se juntando ao grupo.
E assim ad infinitum. Besta, né?

Mas se a brincadeira de mês continua existindo, será que as opções do que você vai querer do mundo continuam as mesmas?
Meu ponto é: quem quer a droga de um carro para pagar imposto, gasolina e manutenção?
Os bens materiais, meu bem, saíram de moda. Estão out. Very last season. É brega ter. “Ostentar é coisa de quem não tinha". "Ostentar é coisa de gente vazia que não valoriza as coisas realmente importantes".

Sinceramente sempre achei a Becky Bloom CAFONÉRRIMA

Sinceramente sempre achei a Becky Bloom CAFONÉRRIMA

Não me entenda mal: isso não quer dizer que as pessoas pararam de comprar. Elas seguem comprando pencas - basta ver os lucros das marcas. Só que aquela pessoa que você acha cool provavelmente não vai te dizer: "nossa, gastei os tubos na Zara". Há uns 15 anos, ela poderia dizer isso. Hoje, existem mil fatores que pintaram no cenário que fazem com que o consumo esteja em baixa no imaginário geral.
Vou enumerar alguns mas não pretendo fazer um compêndio que explica tudo - vocês me digam depois o que acrescentariam.

  • Sustentabilidade: finalmente o povo começa a se tocar, né? Melhor do que consumir, é incrível reaproveitar. E não, consumir produtos sustentáveis em quantidade não adianta, reduza o consumo e, se precisar consumir, consuma o que foi produzido de maneira mais sustentável.

  • Compartilhamento: Uber, guarda-roupa compartilhado, patinetes, Airbnb e por aí vai. E nem comecei a falar de carro autônomo - olha essa lista de 73 coisas que podem acontecer quando o carro autônomo virar uma realidade.

  • Minimalismo: de um estilo de moda para um estilo de vida. Existe um filme na Netflix chamado Minimalismo: um documentário sobre coisas importantes que prega essa mudança do consumismo para algo mais significativo. Aliás, isso nos leva ao próximo item…

  • Millennials: sempre eles. A geração dos creators, dos makers. Bateu uma ressaca de capitalismo no millennial. Ele se sente insatisfeito. É o millennial (depois da década de 1960, que também foi pródiga nisso antes do hippie virar yuppie) que levou a questão "Qual é o meu propósito nesse mundo?” mais a sério. Vai daí o "vendi tudo e fui passar um ano viajando” que soa como piada de privilegiados (e é) mas ao mesmo tempo se transformou num novo aspiracional. Todo mundo queria ser milionário, pode não ser uma prioridade mas a gente acharia ótimo não precisar se preocupar com dinheiro. Acontece que não somos. E aí? O sonho é ser milionário ou ser outra coisa?

  • Consciência social: quero acreditar que ela aumentou, apesar dos pesares (da política do jeito que está, do fogo cruzado entre opiniões contrárias). É feio ostentar com tanta gente com tão pouco. Simples assim. Só que para essa consciência social acontecer, é necessário estar em contato com o outro - ou seja, tem que furar a bolha. A gente costuma dizer que vive numa bolha, e acho que vive mesmo, mas saber da existência da bolha não motiva pessoas a cada vez mais saírem dessa zona de conforto, mesmo que só de vez em quando?

  • Já deu: não deu? A experiência de compra se esgotou. É boba e vazia. O povo tem que se virar nos 30 para levar a pessoa na loja: ambiente instagramável, eventinhos etc. O ambiente online, por sua vez, pode ser bem entediante - veja o próximo tópico…

  • Algoritmos! Teve uma coisa que a jornalista Alexandra Farah falou numa entrevista que fiz com ela sobre algoritmo que não saiu mais da minha cabeça. "Hoje a gente vive muito a base de dados, inteligência artificial; quando você pesquisa 'tênis branco' no Google, de repente só começa a ver tênis branco em tudo, qualquer coisa que você abre vem com um anúncio. Isso é legal porque às vezes você precisa mesmo do tênis branco, mas banaliza muito a moda. Com esse monte de WGSN, Google Analytics, essas ferramentas de big data, a moda está ficando muito igual e banal. (…) Os criadores têm que dar pra gente o que não sabemos que queremos, esse é o papel de um estilista: me fazer querer o que ainda não sei que quero." Algorithm killed the fashion star.

A verdade, pelo menos na minha opinião, é que a gente até continua gastando do mesmo jeito - mas escondido. Não conta para ninguém. Não publica na internet. Deixa para mostrar só para os amigos mais próximos. E a tendência é que, por causa de tudo isso, a gente cada vez compre menos mesmo.

paris-hilton-comprando.jpg

Mas então vai ter uma hora que a gente vai parar de comprar & gastar?

Ih…

Não é bem assim. Senão estava todo mundo cheio da grana, o dinheiro não ia valer nada e tudo aquilo que a gente aprendeu nas aulas de economia - se é que você lembra, eu não lembro direito não.
A verdade é que estamos gastando cada vez mais com experiências e serviços do que com produtos. Então é essa a conta: viagens, restaurantes, passeios, cinema, shows.
E se você pensou "conta do Instagram", sim, é isso mesmo - a gente precisa alimentá-la com algo… A era dos influenciadores, dizem, já passou de sua fase áurea; ou pelo menos a do look do dia passou. Fotos com a pessoa que é dona da conta continuam arrecadando mais likes mas… Cadê o número de likes? Bobou, bebê!

Por fim, duas sugestões para quem vai guardar muito dinheiro agora que vai entrar numa onda mais minimalista.
Que tal guardar dinheiro para:

Ir para o espaço?

Ou: seguir essa lista de melhores experiências gastronômicas do mundo?

Bem mais legal que comprar aquela bolsa da Prada, diz aí. O céu é o limite. Nesse caso, de maneira bem literal, o céu não tem limites…

A primeira cosmonauta: Laika

A primeira cosmonauta: Laika

E daqui a pouco eu volto falando mais de uma nova roupa - é uma loucura.