"Não me deixe assim!" Quantas versões fazem um hit?

Você lembra qual versão de Don’t Leave me This Way foi a primeira que ouviu?
Certamente não foi a primeira a ser lançada. Isso porque essa primeira versão, de 1975, é a menos famosa de todas!

O mais interessante é que eu acho essa versão a mais delicada, climática. Ela está prontinha para uma trilha sonora. Como é que ninguém ainda se animou a hypar?
O vocal de Teddy Pendergrass é uma delícia e o instrumental do Blue Notes tem uma pegada que é disco music mas está mais para soul, quase um baladão com batidas. Pendergrass estava no grupo desde 1970. Parece que rolou uma treta em torno de dinheiro e ele saiu pouco tempo depois do lançamento de Don’t Leave Me This Way, que foi impulsionada por uma de suas versões mais famosas e chegou a figurar no top 10 dos EUA e do Reino Unido. Como eu comentei, mesmo assim ela é a versão mais desconhecida da música. Ficou apagada no tempo, injustamente.

A dupla de compositores Kenneth Gamble e Leon A. Huff, mais conhecida como Gamble & Huff e considerada grande responsável pelo Philly sound (o soul típico de Filadélfia), já tinha feito pelo menos um hit para Harold Melvin & The Blue Notes: If You Don’t Know Me By Now, que você provavelmente conhece. Dizem que essa foi composta originalmente para o Labelle - IMAGINA? Patti LaBelle acabou apresentando a música em shows na década de 1980 e, você sabe, Simply Red gravou a versão deles com muito sucesso em 1989.

Affff PATTIIIIIII!

Don’t Leave Me This Way também tem um letrista: Cary Gilbert. Com Gamble & Huff, ele também fez a letra de Me and Mrs Jones.

E, bem, a letra de Gilbert para Don’t Leave Me This Way pode significar várias coisas. Um amor desesperado. Um tesão descontrolado. Um abandono melancólico. Depende de quem interpreta.
Quem a interpretou depois de Pendergrass foi uma das cantoras mais injustiçadas pelo preconceito com a disco music: pode entrar, Thelma Houston!

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Quando Thelma e Don’t Leave Me This Way se encontraram, ela já tinha ralado muito. O primeiro álbum dela, Sunshower, saiu em 1969 e contava com diversas músicas do hit maker Jimmy Webb, além de nada mais nada menos que Jumpin’ Jack Flash de Mick Jagger e Keith Richards. Tsá?

Porém, apesar do óbvio talento, o disco não fez barulho. Mesmo assim, Thelma foi contratada pela Motown. Fez discos por lá que também não deram em nada. Aí tinha rolado uma história de que ela faria um filme baseado na vida de ninguém menos que Dinah Washington. Não rolou, ao que tudo indica porque a família de Washington não entrou num acordo.
Chegou ao ponto de ela gravar uma música, Do You Know Where You’re Going To, e ela de repente ser engavetada porque Diana Ross, a grande estrela da Motown na época, ia lançar uma versão dela como parte da trilha sonora de Mahogany, um outro filme da Motown! Mas aí aconteceu uma reviravolta…

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Queriam uma sequência para o sucesso de Diana Love Hangover, de 1976. Aí apareceu Don’t Leave Me This Way para ser retrabalhada numa pegada mais disco, caminho que Love Hangover já indicava do meio para o fim para Diana com suas batidas dançantes. Não foi o que aconteceu: por algum golpe do destino, sorte ou azar, a música acabou sendo uma aposta para Thelma. E assim surgiu um dos maiores clássicos da disco music:

O ultrahit rendeu Grammy para Thelma Houston. Mas isso foi bom ou ruim? Thelma acabou conhecida como uma one hit wonder, coisa que não faz jus ao seu talento. E Diana, se tivesse gravado a música, talvez ficasse muito atrelada à era disco e sofreria as consequências do boicote ao estilo que veio depois, e que provavelmente atingiram Thelma. Todo artista disco foi considerado cafona, comercial demais, em questão de uma virada de década. E já discuti bastante aqui, espalhado pelos outros posts: a rejeição tinha muito a ver com racismo e homofobia.

Os gays, no entanto, nunca esqueceram o quanto essa versão da música com Thelma Houston bateu forte neles na pista de dança. Mais sobre isso a seguir - antes, um prodígio chamado Jimmy Somerville pegaria o hit estadunidense e o chamaria de seu, sendo que ele… é um inglês branquelo e calvo. Mas que voz, senhoras e senhores. A dupla Communards, formada por Jimmy e Richard Coles, injetou synth pop na parada e chamou a cantora Sarah Jane Morris, até então mais teatral (tipo Bertold Bretch e Kurt Weill, saca?), para fazer uma versão de Don’t Leave Me This Way em 1986 que soou ressignificada:

A revolução vai rolar na pista de dança! Ou mais ou menos isso? O nome Communards vem dos revolucionários da comuna de Paris de 1871 (!!!) e a música Don’t Leave Me This Way é dedicada, no encarte, a ninguém menos que o Great London Council, que na época estava sendo dissolvido e substituído pelo London County Council. O conselho cuidava de serviços para o cidadão da área da Grande Londres como bombeiros, prevenção de enchentes, e também dividiam responsabilidade com conselhos de bairro sobre áreas de lazer, planejamento urbano e por aí vai.

Mas o mais importante: Jimmy e Richard eram assumidamente gays. E nos anos 1980 em Londres, assim como em outras cidades ao redor do mundo, a comunidade gay enfrentava um pesadelo: a AIDS. Don’t Leave Me This Way ganhava uma nova camada de sentido. Era um apelo para o não-abandono de soropositivos e de todo um grupo que estava ameaçado.

Com isso, a versão de Thelma também acabou resgatada. Ganhou remix em 1995 bem poperô, inclusive:

Entre fim de 1990 e começo de 2000, a disco music começou a ser revista e revalorizada. Thelma começou a reaparecer em turnês que resgatavam artistas da época, mas sinceramente, na minha opinião, ela segue menos respeitada do que deveria e com menos sucessos do que poderia.
Um dos últimos registros de Thelma em gravação é… Bobby, Don’t You Think They Know?, do disco I Am Not a Dog on a Chain do controverso Morrissey!

A música não foi bem recebida - muito porque Morrissey hoje em dia não é o tipo de pessoa que os críticos elogiam facilmente. Primeiro porque é difícil se equiparar com clássicos que ele fez antes, segundo porque suas opiniões políticas são, para dizer o mínimo, toscas.
Quanto à letra, ela é meio aberta a qualquer coisa - não dá para pescar. E pelo fato dela ser até nonsense, você consegue encaixar qualquer coisa ali, inclusive um Bobby enrustido.

Mas voltemos para Don’t Leave Me This Way. Essas versões sobre as quais falei aqui não são as únicas que existem, longe disso. Entre as outras, acho que é digna de nota… essa aqui:

Casada com Johnny Halliday nessa época e portanto formando o casal celebridade mais-mais da França, Sylvie Vartan havia se reinventado depois do yé-yé dos anos 1960 para se transformar em uma disco diva. Eu adoro! Essa versão é de 1977, ao vivo, portanto na esteira do sucesso de Thelma.

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As capas de disco de Andy Warhol

Falei de capas de disco faz um tempinho - mais especificamente nas ilustrações clássicas de Elifas Andreato para a MPB.
É interessante refletir sobre essa questão das capas - hoje, numa época em que CD está sendo superado, o suporte para a arte gráfica é um thumb no celular. Esse é o assunto desse episódio do Popcast, o podcast sobre universo pop do New York Times:

São bem interessantes as reflexões que o apresentador Jon Caramanica e o convidado Teddy Blanks fazem. Incluem a transição de capas antes pensadas para a mídia vinil, grandes, para o formato de CD, pequeno; e ainda para Spotify, Apple Music e congêneres depois, menor ainda. Essa arte, uma porta de entrada, ainda é necessária? Ela não poderia ter outro formato? Quais capas funcionam em todos esses tamanhos? E no que o designer precisa pensar em cada um dos casos (ou em todos)?
Eles usam muito como exemplo a capa do álbum novo de Young Thug, o So Much Fun.

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Essa aqui!

São diversos Young Thugs formando a imagem maior do Young Thug

Lembrando que a venda de vinil pode ultrapassar a venda de CDs em 2019 - coisa que não acontece desde 1986! A notícia é da Rolling Stone. Mudanças no trabalho de designer à vista novamente?

Refletindo sobre isso e também pensando nas minhas capas de vinil preferidas, cheguei à conclusão que algumas das minhas preferidas são assinadas por ninguém menos que Andy Warhol. A peça-chave da pop art fazia comentários sobre a reprodução de imagens e a estética do capitalismo, porém eles não eram necessariamente críticas negativas. Aliás, pelo contrário: parecia haver um encantamento em Warhol pela fama, pela reprodutividade do seu próprio trabalho, pelo comércio e indústria. Vou mostrar aqui algumas das capas que ele criou e que gosto. Vamos a elas:

#1: Sticky Fingers (1971) - The Rolling Stones

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O zíper era funcional, mas uma vez usado, já era - coisa que fez com que as edições nas quais o zíper ainda não está para baixo sejam caríssimas no mercado de revenda. Dizem que a ideia foi apresentada por Warhol para Mick Jagger numa festa em 1969 e na verdade Craig Braun é quem teve que colocar a mão na massa para fazer a coisa ficar funcional. Por baixo, tem uma cueca (é, não se anime); e o modelo não foi Jagger como muita gente pensa (é, não se anime parte 2). Ninguém tem certeza de quem é esse modelo, na verdade - pode ser Joe Dallesandro, um dos musos de Warhol… ou não. Risos.
Uma outra curiosidade é que foi nesse álbum que também estreou o famoso logo da língua dos Rolling Stones - criado por John Pasche e guardado no layout de dentro da capa.
Braun também seria o hands on de outra capa com conceito de Warhol. Essa aqui…

#2: The Velvet Underground & Nico (1967) - The Velvet Underground

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A gente nem sempre pensa nisso, mas esse álbum é algo completamente exótico se você refletir. Ele veio em 1967, antes de maio de 1968 (!), de Abbey Road dos Beatles (!!), e um pouco depois do começo do futurismo na alta-costura com André Courrèges, Paco Rabanne e Pierre Cardin. Warhol era muito moderno - costumamos juntar tudo no mesmo balaio dos anos 1960 esquecendo que uma década tem 10 anos e várias das obras mais importantes dele, que refletiam a sociedade consumista com uma estética muito característica e depois influente, são do começo dessa década! E o Velvet Underground, banda intimamente ligada a Warhol, também era muito moderno: na música, no look, na atitude. Modernos até hoje. Uma loucura.
Isso tudo para dizer que esse álbum da banana é a culminação tanto da estética de Warhol que já existia quanto do clima vanguardista do Velvet Underground. E o toque de uma fonte cursiva funcionando como uma assinatura de uma obra de um artista é tudo. Como se fosse mais importante o nome dele que o da banda, inexistente aqui. Que tal?

#3: Menlove Ave (1986) - John Lennon

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O segundo álbum póstumo de Lennon, produzido sob a supervisão da viúva Yoko Ono. Dizem que Warhol na verdade fez essa ilustração em 1980, meses antes da morte de Lennon. Yoko deu esse nome ao álbum em referência ao endereço da infância do artista, a Menlove Avenue em Liverpool, porque as músicas, para ela, remetem ao som dos primórdios do rock 'n’ roll que ele ouvia nessa época.

#4: Querelle - Ein Pakt Mit Dem Teufel (1982) - Peer Raben

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Acho linda: o destaque da língua vermelha na capa da trilha sonora do clássico homoerótico do cineasta Rainer Werner Fassbinder inspirado na obra de Jean Genet é supermoderno. Mas o casal da capa, na minha humilde opinião, é claramente mais jovem que os retratados no longa. Não consegui achar informações a respeito dela na internet, mas desde que a vi, sempre achei belíssima.

#5: The Academy in Peril (1972) - John Cale

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Ao que tudo indica isso foi uma troca de gentilezas: Cale deixou Warhol usar a música Days of Steam no seu filme Heat (1972), e Warhol em troca criou essa capa. Gosto muito da ideia, que tinha profundidade também: todas essas janelinhas dos "slides”são vazadas, e as imagens fotográficas foram impressas na capa de trás.

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Cale era integrante do Velvet Underground. Andy Warhol nunca fez uma capa de álbum para Lou Reed.

#6: Reading From the Glass Menagerie, The Yellow Book and Five Poems (1960) - Tennessee Williams

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O que adoro nessa capa é que, junto com as ilustrações do Andy Warhol, acompanha a caligrafia de ninguém menos que a mãe dele, Julia Warhola. Acho o resultado, junto com essa cartela do degradê, muito delicado. Apesar dessa ilustração só ter saído em edição de 1960, a gravação do dramaturgo Williams foi feita em 1953. Especula-se que os desenhos são de 1957. Warhol também desenhou um unicórnio muito parecido para uma campanha de 1957 da estilista Schiaparelli.

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Warhol e Williams eram meio que do mesmo rolê. O dramaturgo também era amigo próximo de Truman Capote.

#7: The Smiths (1984) - The Smiths

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O álbum homônimo da banda de Morrissey e Johnny Marr na verdade é um caso a parte porque não se trata de um design assinado por Andy Warhol. É uma imagem retirada de um recorte de um still do filme Flesh (1968), produção do artista dirigida por Paul Morrissey (sem parentesco com o cantor), que trazia o muso Joe Dallesandro (olha ele aí de novo) como um recém-casado que vira michê para pagar o aborto da namorada da sua mulher. Pode reler a frase, mas é isso mesmo que você entendeu. O torso nu da foto é do próprio Dallesandro.
As capas do The Smiths que viriam posteriormente também trabalhariam nesse esquema de reapropriação. Artistas clássicos, recortes de fotos pré-existentes (às vezes com um olhar homoerótico). Candy Darling, outra musa de Warhol, apareceria na capa do single de Sheila Take a Bow (1987) retirada de um still de outro filme, Women in Revolt (1971).

Hey, Candy!

Hey, Candy!

#8: This is John Wallowitch (1964) - John Wallowitch

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São 56 fotos daquelas cabines fotográficas de 3x4 que formam a capa desse álbum que é considerado um dos mais raros entre os que possuem design de Andy Warhol. Esse tema da repetição é bem típica do trabalho de Warhol. Acho chique a gravatinha fina, o recorte bem na altura da boca escondendo o rosto transformando o músico em anônimo… Mas, confesso, nunca ouvi John Wallowitch.

#9: Made in Spain (1983) - Miguel Bosé

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Acima você vê a capa do CD aberta mas a do vinil também segue o mesmo esquema - retratos de Bosé postos lado a lado naquele traço característico de Andy Warhol misturando foto e traços à mão. Mas então porque gosto mais desse que o da Diana Ross ou o da Aretha Franklin, que também já lançaram capas com desenhos de Warhol? Porque gosto da combinação de cores com fundo branco, esse fluo bem oitentista, e da ideia da repetição em si, de vários intérpretes em um no caso de um músico.
Bosé pensou em convidar Warhol porque esse álbum tomaria uma direção mais pop em sua carreira. Aí chamou o papa da pop art, mas sem muita expectativa. Para sua surpresa, ele aceitou o job de primeira.

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Warhol tirando fotos de Bosé no processo de criação da capa

Ele também dirigiu o clipe de Fuego, single do álbum. Confira abaixo!

#10: French Kissin (1986) - Debbie Harry

Frente e verso. Em 1986, Debbie já conhecia Andy Warhol. O Blondie já tinha estourado, ela já tinha sido fotografada nas famosas polaróides do artista. Era NY na virada dos anos 1970 para 1980, então todo mundo dessa turma se conhecia. E aí Debbie estava lançando seu segundo álbum solo, Rockbird. A capa é bem parecida com essa aí de cima e foi criada por Stephen Sprouse, outro artista da cena novaiorquina da época (aquele que depois fez parceria com a Louis Vuitton nas bolsas com essa mesma letra de cara grafitada, lembra?). O fundo é uma pintura de Warhol (um camuflado) e a foto é da dupla que assina Guzman (Connie Hansen e Russell Peacock). No verso do álbum, essa mesma ideia da capa invertida com o escrito ao contrário, espelhado. Escolhi o single French Kissin porque acho mais warholiano esse P&B, mas… essa também não é exatamente uma capa de Andy Warhol. Tem muito dele, é inegável. Agora, a melhor versão seria uma que foi descartada…

Aí sim, hein? Clique da mesma sessão de fotos da dupla Guzman

Aí sim, hein? Clique da mesma sessão de fotos da dupla Guzman

BÔNUS: Debbie canta numa cama com lençol camuflado by Warhol (finaaaa) no clipe de French Kissin. Amei. Mas odeio camuflado. Afffff.