Scarlett Johansson falou sobre a sua tendência de pegar papéis de minorias - e devia ter ficado quieta...

A gente gosta da ScarJo. De verdade. A gente adora desde O Encantador de Cavalos até Match Point, passando por Ghost World - Aprendendo a Viver (mas, OK, confessemos, a gente prefere Thora Birch em Ghost World). E tem Encontros e Desencontros. E a voz dela em Her. E a Lucy, e a própria Viúva Negra.

Mas aí teve A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell e ela era uma branca fazendo uma personagem em teoria asiática e todo mundo viu e todo mundo ficou meio sem graça, para dizer o mínimo.
Há controvérsias. Ainda mais agora que tem gente reclamando porque a nova Pequena Sereia vai ser Halle Bailey, uma negra. Uma das respostas mais usadas para o povo parar de ser otário é o fato de que as sereias são seres mitológicos portanto não são automaticamente ruivas - sorry, ruivas. Em suma: sereia não existe, é um ser imaginário, então não tem cor de pele certa, taokei? Esse texto da coluna da minha amiga Flavia Gasi fala bastante sobre isso, exemplificando lendas de sereias de diversas partes do mundo, do Japão a Mesopotâmia passando por, adivinha só, o continente africano.

Mas se a gente disser isso, a personagem Mira Killian de Ghost in the Shell, uma ciborgue, era japonesa no desenho original. Mas pode não ser no live action. Ciborgues existem de todas as raças no imaginário, certo?
Ao mesmo tempo, a importância da uma maior representação de minorias no cinema esbarra nisso. Se for para substituir por um branco, não conte comigo para nada; se for para substituir por um não-branco, conte comigo para tudo.

Aqui vemos Scarlett querendo o papel de Pequena Sereia - brincadeira, é ela em Ghost in the Shell

Aqui vemos Scarlett querendo o papel de Pequena Sereia - brincadeira, é ela em Ghost in the Shell

No mesmo caso da Pequena Sereia, parece que a vilã Úrsula vai ser interpretada por Melissa McCarthy. Em Descendentes 2, parte da franquia da Disney que mostra os filhos de vilãos (e de mocinhos também), aparece a filha de Úrsula, Uma, interpretada por uma negra, China Anne McClain - aliás, charmosérrima, uma das melhores atrizes do filme.
Úrsula é negra? Úrsula foi inspirada em uma drag queen famosa, Divine. Úrsula é uma drag queen?
A cantora Lizzo já disse publicamente que queria ser a Úrsula.
#teamLizzo (Melissa, adoro você, acontece)

China Anne McClain como Uma em Descendentes 2

China Anne McClain como Uma em Descendentes 2

Esse post da Variety de 2017 fala sobre a reação da organização Media Action Network for Asian Americans (MANAA) a respeito da ScarJo dizendo que ela "nunca iria se esforçar a interpretar uma pessoa de uma raça diferente, obviamente” no programa Good Morning America na época do lançamento do filme. A resposta da MANAA? “Ela está mentindo". No mesmo post também são citados outros whitewashings como o de Tilda Swinton em Doutor Estranho (o ancião é tibetano nos quadrinhos) e o de Speed Racer (com Emile Hirsch no papel principal).

Essa fama de ScarJo ficou tão, digamos, fétida que virou um meme.
Aí, no ano passado, a atriz foi cancelada (é assim que se diz agora, né?) quando surgiu a notícia que ela iria interpretar o homem trans Tex Gill, que virou uma espécie de mafioso do ramo das massagens nos anos 1970 em Pittsburg e cuja história real ia virar o filme Rub & Tug. Foi tanto backlash que ela saiu do projeto.

E aí veio a entrevista para a revista As If.

“As if I would keep quiet!"

“As if I would keep quiet!"

Sobre tudo isso, Scarlett diz o seguinte na entrevista para a publicação:

You know, as an actor I should be allowed to play any person, or any tree, or any animal because that is my job and the requirements of my job. I feel like it’s a trend in my business and it needs to happen for various social reasons, yet there are times it does get uncomfortable when it affects the art because I feel art should be free of restrictions. I think society would be more connected if we just allowed others to have their own feelings and not expect everyone to feel the way we do.
— Scarlett Johansson para As If

Ó lá a branca fazendo branquice, né?

Vamos começar da infeliz comparação com árvore e bicho - a gente sabe que ela já fez o papel de uma voz criada por inteligência artificial em Her mas, amore, acho que quando você é perguntada sobre representação asiática e trans, é melhor você escolher outras palavras.
Mas, acima de tudo, só faltou ela dizer que cansou de mimimi e que o politicamente correto está matando a arte, né?
Aiai, que morte horrível.

Bom, um representante foi correndo na Entertainment Weekly para tentar corrigir o negócio. Aquele papo: editou por cliques, tirou do contexto patatipatatá. Olha aí o comunicado publicado:

The question I was answering in my conversation with the contemporary artist, David Salle, was about the confrontation between political correctness and art. I personally feel that, in an ideal world, any actor should be able to play anybody and Art, in all forms, should be immune to political correctness. That is the point I was making, albeit didn’t come across that way. I recognize that in reality, there is a wide spread discrepancy amongst my industry that favors Caucasian, cis gendered actors and that not every actor has been given the same opportunities that I have been privileged to. I continue to support, and always have, diversity in every industry and will continue to fight for projects where everyone is included.
— Scarlett Johansson para o Entertainment Weekly

O artigo completo está aqui.

Particularmente não gosto da cultura do cancelamento. Mas também acho que você precisa tomar cuidado com as suas escolhas. Não acho que ela pode falar que tem noção do seu privilégio dibowas, sendo que chegou a aceitar ambos papéis e um deles saiu concretamente (e o outro provavelmente teria saído não fosse o backlash).

E antes que algum nerd bobo venha com graça, uma coisa é uma mulher cis branca fazer um papel de uma asiática ou de um homem trans. Outra é ela fazer o papel de uma russa branca. É bem diferente!

(E isso me lembra a crise da falta de diversidade nas modelos da Victoria's Secret; com a contratação da ruiva Alexina Graham como uma das novas angels de 2019. Ela é a primeira angel ruiva e foi anunciada assim - não estou brincando. Para a Glamour UK, ela disse: “I think for me being a red head VS Angel means I get to put red heads out there more. Being an angel is part of having that media outreach so that I can say to young red head kids, ‘you can do anything you want! Nothing is impossible!" Juro que não estou tirando do contexto, você pode ler o artigo inteiro no link…)

Bom, para finalizar, um pouco dele, o nosso tão maltratado HUMOR:

Moda, essa ditadora - mas será mesmo?

Esse post está ligado a outros dois: O que é moda? e A febre de 36º do country. É uma continuação dessas reflexões que faço sobre a moda - quase sempre chego mais em perguntas do que em respostas, então não espere muitas conclusões! Vamos?

A moda é uma ditadora horrorosa e gritalhona que manda em todo mundo, uma cúmplice do malvado sistema capitalista, uma vilã. É mesmo? Sempre que penso na moda assim, imagino a Úrsula de A Pequena Sereia.

“Mandei usar ombreiras, querida. Onde você pensa que vai com os ombros caídos?”

“Mandei usar ombreiras, querida. Onde você pensa que vai com os ombros caídos?”

Se você reparar bem, as pessoas oscilam entre achar que a moda não tem mais esse poder ditador e reclamar justamente da ditadura da moda. Elas são profundamente indecisas - e doidas, e descompensadas. “Hoje a coisa é diferente, cada hora podemos usar uma coisa, isso é liberdade fashion”, e no momento seguinte “mas agora a moda está obrigando a gente a usar essa coisa horrenda chamada papete!!!”

Quem está obrigando o quê?
Para começar, binarismo is so last season.
Mas enfim, falamos da moda como se ela fosse uma entidade única e coerente. Não é bem assim: existe a indústria, e mesmo ela é um conjunto de entidades que não pensam as mesmas coisas e não têm os mesmos objetivos.

A tendência é uma palavra que muitos não gostam mais porque dizem que ela não faz mais sentido. Na minha opinião a tendência certamente continua em vigor mas não é tão simples de ser identificada. Antes, a saia ficava mais curta e valia para todas. Hoje, existem vontades. Por exemplo: a moda estava caminhando para uma coisa cada vez mais casual até a temporada internacional passada, agora as passarelas querem que tudo fique mais sério e formal, com alfaiataria, cores sóbrias (especialmente na cartela de terrosos), camisaria. Quase não se vê mais tênis, sendo que o tênis foi a coisa mais bombada há duas temporadas.
Isso é um indício. Vai pegar mesmo? Precisamos acompanhar para saber. Isso porque, voilá: nem sempre a passarela consegue nos convencer das coisas. Às vezes, basta um desfile influente. Às vezes, desfile com figurino de filme mais figurino de clipe e 3 influencers usando em street style simplesmente não bastam.

Vamos para outro exemplo: a hot pant. Já tentaram fazer essa peça pegar em pelo menos dois momentos da história da moda recente. Não rolou na vida prática: reveladora demais, provocante demais para um contexto urbano. Agora, parece que a possibilidade é concreta: virou uma pequena mania entre influenciadoras e seguidoras de influenciadoras usar hot pant preta com saia semitransparente longa por cima.

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Assim, ó

Essa é da ASOS, mas quem anda fazendo bastante em desfile é a Dior

Pegou mesmo? Olha, não cheguei a ver em corredor de shopping ou em vitrine da C&A, mas vi em primeira fila de desfile e em balada moderna. Então não é uma coisa que alastrou, sabe? A moda não é assim tão poderosa - ela adoraria, mas não é mais ditadora, superinfluente. A novidade que as pessoas querem nem sempre é a novidade que a indústria quer empurrar para elas.

E às vezes (ou quase sempre?) elas não querem novidade alguma em matéria de roupa: estão mais preocupadas em gastar dinheiro com gadgets e experiências. Pelo menos é isso que os estudos de consumo apontam. Uber e Netflix são o novo fast fashion? Fora o fato de que comprar uma roupa nova virou algo datado. Chique é brechó, customização, upcycling, feira de troca.

Mas me permitam: adoro imaginar um mundo alternativo e louco em que a moda é sim, a Úrsula, e ela de repente faz coisas assim…

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Moschino outono-inverno 2018/19

Essa é a Kaia Gerber vermelha na campanha da marca

E aí a Zoë Saldaña vira o ícone fashion mais influente do mundo e as pessoas vêem isso:

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Avatar (2009)

Com você tudo fica blue

E mais isso aqui:

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Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017)

Gamora, a filha de Thanos

E de repente o povo decide que isso aqui é legal:

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Blue Man Group

Já foi legal? Nunca achei, mas até tenho amigos que gostavam… (não, isso não é um publi da Tim)

E tem isso aqui agora, né?

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Aladdin (2019)

Will Smith bombado e azul

Isso porque nem falei da Mística do X-Men.
Então todas as paleterias que depois viraram barbearias e esmalterias finalmente virariam salões de pintura corporal; e um empresário inventaria uma máquina tipo bronzeamento artificial mas na qual você poderia escolher todo um pantone e a pele azul seria a mais bombada, os diferentões prefeririam verde ou vermelhão e…

Viu? Que bom que a moda não é a Úrsula.

Fica aqui aquele beijo da Rebecca Romjin - quem quiser assistir a esse programa, tem na Netflix!

Fica aqui aquele beijo da Rebecca Romjin - quem quiser assistir a esse programa, tem na Netflix!