Moda, essa ditadora - mas será mesmo?
Esse post está ligado a outros dois: O que é moda? e A febre de 36º do country. É uma continuação dessas reflexões que faço sobre a moda - quase sempre chego mais em perguntas do que em respostas, então não espere muitas conclusões! Vamos?
A moda é uma ditadora horrorosa e gritalhona que manda em todo mundo, uma cúmplice do malvado sistema capitalista, uma vilã. É mesmo? Sempre que penso na moda assim, imagino a Úrsula de A Pequena Sereia.
Se você reparar bem, as pessoas oscilam entre achar que a moda não tem mais esse poder ditador e reclamar justamente da ditadura da moda. Elas são profundamente indecisas - e doidas, e descompensadas. “Hoje a coisa é diferente, cada hora podemos usar uma coisa, isso é liberdade fashion”, e no momento seguinte “mas agora a moda está obrigando a gente a usar essa coisa horrenda chamada papete!!!”
Quem está obrigando o quê?
Para começar, binarismo is so last season.
Mas enfim, falamos da moda como se ela fosse uma entidade única e coerente. Não é bem assim: existe a indústria, e mesmo ela é um conjunto de entidades que não pensam as mesmas coisas e não têm os mesmos objetivos.
A tendência é uma palavra que muitos não gostam mais porque dizem que ela não faz mais sentido. Na minha opinião a tendência certamente continua em vigor mas não é tão simples de ser identificada. Antes, a saia ficava mais curta e valia para todas. Hoje, existem vontades. Por exemplo: a moda estava caminhando para uma coisa cada vez mais casual até a temporada internacional passada, agora as passarelas querem que tudo fique mais sério e formal, com alfaiataria, cores sóbrias (especialmente na cartela de terrosos), camisaria. Quase não se vê mais tênis, sendo que o tênis foi a coisa mais bombada há duas temporadas.
Isso é um indício. Vai pegar mesmo? Precisamos acompanhar para saber. Isso porque, voilá: nem sempre a passarela consegue nos convencer das coisas. Às vezes, basta um desfile influente. Às vezes, desfile com figurino de filme mais figurino de clipe e 3 influencers usando em street style simplesmente não bastam.
Vamos para outro exemplo: a hot pant. Já tentaram fazer essa peça pegar em pelo menos dois momentos da história da moda recente. Não rolou na vida prática: reveladora demais, provocante demais para um contexto urbano. Agora, parece que a possibilidade é concreta: virou uma pequena mania entre influenciadoras e seguidoras de influenciadoras usar hot pant preta com saia semitransparente longa por cima.
Pegou mesmo? Olha, não cheguei a ver em corredor de shopping ou em vitrine da C&A, mas vi em primeira fila de desfile e em balada moderna. Então não é uma coisa que alastrou, sabe? A moda não é assim tão poderosa - ela adoraria, mas não é mais ditadora, superinfluente. A novidade que as pessoas querem nem sempre é a novidade que a indústria quer empurrar para elas.
E às vezes (ou quase sempre?) elas não querem novidade alguma em matéria de roupa: estão mais preocupadas em gastar dinheiro com gadgets e experiências. Pelo menos é isso que os estudos de consumo apontam. Uber e Netflix são o novo fast fashion? Fora o fato de que comprar uma roupa nova virou algo datado. Chique é brechó, customização, upcycling, feira de troca.
Mas me permitam: adoro imaginar um mundo alternativo e louco em que a moda é sim, a Úrsula, e ela de repente faz coisas assim…
E aí a Zoë Saldaña vira o ícone fashion mais influente do mundo e as pessoas vêem isso:
E mais isso aqui:
E de repente o povo decide que isso aqui é legal:
E tem isso aqui agora, né?
Isso porque nem falei da Mística do X-Men.
Então todas as paleterias que depois viraram barbearias e esmalterias finalmente virariam salões de pintura corporal; e um empresário inventaria uma máquina tipo bronzeamento artificial mas na qual você poderia escolher todo um pantone e a pele azul seria a mais bombada, os diferentões prefeririam verde ou vermelhão e…
Viu? Que bom que a moda não é a Úrsula.