Vai passar um dos filmes mais maravilhosos do mundo (na minha e tão somente minha opinião) em película na Cinemateca Brasileira

É uma história antiga, antiquíssima, recontada muitas e muitas vezes - e qual não é assim?
Um ano antes, em 1998, Josué conquistava o coração de Dora em Central do Brasil (e pouco depois Gwyneth Paltrow ganhava o Oscar que devia ser de Fernanda Montenegro; como é que a gente continua assistindo ao Oscar depois disso, me diz?!).
A tal da jornada de amadurecimento dupla: o personagem criança desperta reflexões no personagem adulto e ambos acabam crescendo e amadurecendo juntos ao longo da história.
Só que esse filme, Verão Feliz, para mim é tipo “o melhor da jornada de amadurecimento dupla”.

Verão Feliz fecha a programação 20x1999 da Cinemateca Brasileira em SP, só com filmes do ano de 1999 no suporte original 35mm. Vai passar no domingo, 14/07, às 20h. Um dos motivos para ele ser especial para mim porque conta com direção e protagonismo de um dos homens mais especiais do mundo das artes no meu altar dos preferidos: o sr. Takeshi Kitano, também conhecido como Beat Takeshi.

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Muita gente conhece Kitano pelos seus filmes sobre mafiosos japoneses - sendo Brother - A Máfia Japonesa Yakuza em Los Angeles um dos mais bombados porque teve uma distribuição bem boa (e nem é o melhor dele sobre mafiosos). Já os fashionistas lembram de Dolls, o poético longa com figurino de Yohji Yamamoto (Brother, na verdade, também conta com a alfaiataria japonista de Yamamoto no figurino, assim como alguns outros de Kitano).

Gosto desses, gosto de loucurinhas tipo Aquiles e a Tartaruga, gosto da versão dele de Zatoichi (personagem samurai supericônico do cinema japonês), gosto do correspondente ao filme de adolescente no verão Kids Return - De Volta às Aulas… e adoro demais Verão Feliz, que no original se chama Kikujiro.

Provavelmente não devia dizer isso, mas o personagem Kikujiro interpretado por Takeshi Kitano me lembra meu pai. E não devia dizer isso porque Kikujiro é um pilantra bobão! Mas não é isso que me remete ao meu pai - acho que é o lado brincalhão que pouca gente conhecia dele, o tique de Kitano piscando o olho parecido com o do meu pai… Ele não sabe bem como ser uma figura paterna, e fica tentando fazê-lo da maneira que acha mais possível.
Talvez não tenha mesmo muito a ver e eu que queira construir lembranças a partir de coisas que já gosto. Quem sabe?

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Queria muito ir nessa sessão mas não sei se dou conta. Se você tiver oportunidade, caro leitor, vá por mim. <3 Fora todas essas referências pessoais, é um filme bom!

Outras culturas, outras famílias

Fiquei um tempo com crise de sinusite e isso me deixou de cama. Assim, consegui também ver algumas coisas que já estava para assistir faz um tempo e até agora não tinha rolado. O interessante é que essas 3 coisas de certa forma mostram famílias diferentes do padrão papai-mamãe-filhinho, e também mostram culturas diferentes do típico ocidental com base norte-americana que nos acostumamos a ver retratado em ficção. Achei as 3 bacanas, então decidi dividir com vocês.

Minhas Famílias

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O cineasta chinês Hao Wu foi estudar nos EUA. Ele é gay, encontrou um marido no país e agora que vai ter dois filhos (!) ele decide encarar a família chinesa que evitou tanto depois de sair do armário. Choque cultural total, claro; não tem como não se emocionar com as tentativas dos pais deles em serem empáticos mesmo sem entender a sexualidade do filho. A mãe de Wu, uma pessoa de uma realidade que a gente nem consegue imaginar direito, parece mais resistente com o fato do filho querer ter filhos do que com a própria homossexualidade dele. Outra coisa que chama a atenção é a questão da aparência de normalidade, que me parece algo bem asiático no geral. Daqueles filmes que te deixam pensando - não existem soluções fáceis.

Um de Nós

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A gente acompanha as histórias paralelas de 3 membros da comunidade de judeus hassídicos que tentam sair dela. Ultrafechada, a comunidade formada por judeus ortodoxos não aceita "desistentes". Nesse sentido, lembra um culto e é assustadora, abusiva, até perigosa. São 3 histórias bem diferentes: uma envolve uma mãe que quer se separar e vê a guarda de seus filhos ameaçada; outra traz um jovem com problemas com drogas que acaba internado em uma clínica de reabilitação; e outra ainda é sobre um homem que vive isolado numa pindaíba, num trailer, tentando a sorte como ator. Contei assim para não dar muito spoiler, tá? E fiquei bem curioso para saber mais coisa sobre o judaísmo ultraortodoxo. Se alguém souber de mais documentários bons, me conta aí!

One Day at a Time

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Old but gold - a série foi cancelada pela Netflix mas agora parece que um canal pequeno, o Pop TV, vai trazê-la de volta, quem diria? Talvez a quarta temporada não fique disponível na Netflix, pelo menos não tão cedo, mas dá um quentinho no coração saber que essa história continua. Trata-se de uma família de origem cubana e cidadania americana que fala justamente sobre esse e outros assuntos nessa nova realidade de Donald Trump. E são vários bônus: mãe divorciada; filha lésbica; amigo-agregado alcoólatra… Por aí vai. Só que como é uma comédia, daquelas comédias familiares de menos de meia hora cada episódio, esses assuntos são tratados com seriedade porém certa leveza. Eu me acabo de chorar, amo tanto que fiquei enrolando para não terminar rápido. Terminei na sinusite. Agora o jeito é aguardar pela próxima temporada ficar disponível, né?

O grito que eu dei (ou o chamado que fiz?)

Você conhece. Você sabe. É só olhar a imagem.

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Sadako é uma das coisas mais assustadoras que já existiram. O ano era 1998 e Ringu (em inglês Ring e aqui no Brasil O Chamado) era o maior exemplo do novo terror que vinha do Japão. Ainda não tinha essa de baixar filme, então você precisava ir até uma locadora para alugar, imagina só? Era meio que um movimento, vários filmes japoneses nessa onda, como O Grito (2002), Água Negra (2002), Pulse (2001), Suicide Club (2002)… A maioria deles ganhou versão hollywoodiana - The Ring de 2002, com Naomi Watts como a mocinha e Samara no lugar de Sadako, dá medo mas não passa perto do pavor que você sente com o terror psicológico japonês, o tempo suspenso, as imagens bizarras em lo-fi da TV.
Até a ideia do longa é meio antiga: uma fita de vídeo amaldiçoada que você assiste e, a partir daí, morre em exatos 7 dias. Tem um aparelho de videocassete? Pois bem, nem eu, acho que um dos grandes desafios em 2019 seria você achar um para sequer chegar a ser tocado pela maldição… uma pena! kkkkk
Só que Ringu é tão legal que rendeu continuações - tem até uma prequência, a Ringu 0 de 2000! Sadako virou um personagem pop. Dê o play - se for capaz:

Mas agora foca em O Grito, no original Ju-on. O filme, que também ganhou versão hollywoodiana (com Sarah Michelle Gellar), conta com outra cabeluda assustadora: Kayako.

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Kayako fez tanto sucesso quanto Sadako, tanto que existe um filme tipo Alien vs Predador com as duas. Simplesmente maravilhoso, não? O famoso "não vi e quero ver com certeza":

Tudo isso para contar que agora Kayako vai ganhar não só uma mas duas novas versões, ambas ocidentais. Uma é em série para Netflix (claro, mais uma vez ela), sobre a qual não se sabe tantos detalhes. Outra é para o cinema, diferente da com a Sarah Michelle lançada antes (ou seja, formando um outro "cânone"), que conta com direção de Nicolas Pesce e tem no elenco Andrea Riseborough, Démian Bichir e o nosso querido John Cho! Ninguém falou se Kayako vai mudar de nome nessas versões. Na primeira versão norte-americana, Kayako era Kayako mesmo. Espero que a tradição continue - hahahaha!

E se você está se perguntando se essa onda de j-terror era parecida com o pós-terror de agora (falei dele nesse post)… Hum, de certa forma sim, eram filmes de baixo orçamento e que privilegiavam um terror psicológico no lugar de muito sangue e gore. Gosto e recomendo!

Ela era uma estrela cult e não sabia

Melhor que estar grávida e não saber até ter o filho, né?

Mas de qualquer forma, a história é digna de um programa do TLC.
Sukla Biswas é essa mulher da foto da capa desse disco:

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Essa capa é a típica capa de um disco que eu veria numa feirinha e diria "EU PRECISO TER ESSE DISCOOOO", alguém falaria: "Mas você conhece essa Rupa?” e eu diria "NÃO IMPORTAAAAA!!!"
Acontece que isso seria um pouco complicado pois um vinil original desse custa hoje em dia, sei lá, uns R$ 2.000?

Sukla nasceu em Bengala Ocidental na Índia - seu apelido em casa era Rupa. Ela viajou com a família para o Canadá, se apresentou na casa de um parente e o povo gostou. Aí ela fez um showzinho na University of Calgary, tinha bastante gente na plateia incluindo um ganhador de Grammy, o Aashish Khan, e seu irmão Pranesh. Os irmãos Khan acabaram combinando com o irmão de Rupa, Tilak, que iam gravar um disco com ela. As letras foram feitas pela Firoza, mulher do Aashish, e nessa foto acima foi a primeira vez que ela viu um microfone sem fio e que usou roupas ocidentais.
O disco foi lançado mas, ao que tudo indica, muito mal divulgado. A própria Rupa diz que a canção de Nazia Hassan Aap Jaisa Koi eclipsou as suas. Não faz muito sentido - Aap Jaisa Koi foi lançada em 1980; Disco Jazz saiu em 1982.
Porém precisamos concordar em uma coisa: Aap Jaisa Koi é muito boa mesmo!

Dê o play e tente não dar uma balançadinha!

Alguns anos depois Rupa casou, teve um filho (Debayan) e foi viver a vida.
Em 2012, o filme Miss Lovely usou o álbum Disco Jazz como trilha. Não assisti, mas parece ser babado! No trailer a música não aparece, então vamos ter que acreditar nos relatos do povo.

O mais esquisito: Rupa não tomou conhecimento disso! O filme parece meio artsy mesmo e não deve ter bombado como os mais comerciais de Bollywood.
Aí o filho Debayan buscou o disco online e… descobriu que um monte de gente era fã. Disco Jazz se transformou num cult, e um dos seus maiores entusiastas é o Caribou!

Hoje, que bom, não precisamos ter toda essa grana para ouvir Disco Jazz - ele foi relançado por uma gravadora americana e consequentemente está no Spotify.
E Rupa? Olha ela aí:

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I don’t care about the money. I’m just happy that people like my music. Boys, girls, everyone is dancing so much. That’s what makes me happy.
— Rupa em entrevista para o The Guardian

Amei demais. E se você gostou desse som, talvez também goste de uma das minhas músicas preferidas da vida:

Som na caixa, DJ! Se alguém souber o paradeiro da Brenda, por favor conta, vamos fazer um revival dela também! <3
Long life to disco!

Minissaia: quem inventou? No fundo... ninguém

Além de ter me apaixonado em definitivo por Mary Quant por causa da exposição que está em cartaz no Victoria & Albert Museum, estou muito-muito-muito envolvido com o tema (leia-se: comprei livros e não paro de pensar na trajetória dessa estilista-empresária incrível). Já estava lendo a biografia dela, Quant by Quant, antes de ir. Aliás já estava lendo essa biografia faz tempo. Acho que cabe uma breve explicação:

Geralmente quando estudo algo muito a fundo, acontece alguma coisa com esse algo. Ele de alguma maneira vira notícia. Tipo: começo a ler muito sobre o estilista dos anos 1920 Paul Poiret e, batata, a marca volta (sabe-se lá o porquê, veja aí se não estou mentido). Aí vou procurar saber mais sobre um artista japonês e ele inaugura exposição no MoMA. Coisas assim - talvez o que chamam de instinto jornalístico, mas para mim é algo muito misterioso. Não quero me vangloriar e sim, acredito que sejam apenas coincidências. Só que a partir do momento que percebi isso, fico morrendo de medo de ler uma biografia de quem ainda está vivo, acabar a biografia e… a pessoa morrer. É por isso que não terminei de ler Quant by Quant até hoje - Mary Quant está vivíssima, com 85 anos.

Mary na década de 1960, cabelo assinado por Vidal Sassoon - tá, querida?

Mary na década de 1960, cabelo assinado por Vidal Sassoon - tá, querida?

Um dos temas que me instigam a respeito de Mary Quant é a autoria da minissaia. Tem gente que defende que foi ela. Só que tem quem ache que foi a francesa Courrèges de André Courrèges.

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Courrèges

Clique de Willy Rizzo de 1966

E aí? A autoria é britânica ou francesa? As datas são praticamente iguais. Uma diferença de meses - isso se a gente levar em consideração a barra acima do joelho. Courrèges desfilou "saias curtas" em 1964. No Ginger Group de Quant, de peças mais baratas, existem registros de vestidos bem sessentinhas, acima do joelho, da mesma época. E é difícil, historicamente, encontrar peças da primeira metade da década de 1960 que não tenham sido alteradas (ou seja, encurtadas) pelas próprias donas posteriormente, para se adequarem à moda subsequente!

Só que não sejamos ingênuos. Imagine você, vivendo nos anos 1960. Surge a minissaia na vitrine da Bazaar de Quant ou no desfile de Courrèges. Você acha mesmo que isso foi uma invenção chocante; que as saias eram compridérrimas e de repente estavam curtas? Claro que existem registros anteriores a isso. A saia foi encurtando. Foi um processo!

Vamos para Yves Saint Laurent na Dior:

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O look da extrema direita…

Oi, joelhinho! Coleção Trapeze, fim de 1958

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Mais de Saint Laurent para Dior

Inverno 1960 - curtinho, hein?

E que tal Cristóbal Balenciaga?

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O vestido-saco

De 1950!

Mas se você não se impressionou tanto com a quantidade de perninha de fora dos looks de alta-costura, bem… eu tenho outro look para te mostrar. Algo que poderia ter inspirado Courrèges, Paco Rabanne, Pierre Cardin - essa turma do futurismo dos anos 1960. E, quem diria, o look vem pelas mãos da autora de um dos vestidos de noiva mais famosos do mundo, o de Grace Kelly. A figurinista Helen Rose!

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Olha a ousadia!

A vida é curta, mas esse vestidinho…

Rose criou esse look para a personagem de Anne Francis em Planeta Proibido, filme de 1956. Acontece que ele nunca foi visto na telona - a MGM vetou, porque o achou muito revelador! A própria Helen fala a respeito:

With exercise, dieting, health and beauty consciousness, the human body, especially the female body was getting more and more beautiful... I had been nurturing a costume idea for over twenty years, ever since I did the special show for (ballroom dancers) Fanchon and Marco when I painted the performers with gold paint. I thought this would be a good idea for the film Forbidden Planet, as I could easily imagine ‘sprayed -on-clothes’ in the year 2000, but no one wanted to go along with me. We settled for a very short, stylish dress that was to become the first ‘mini-skirt.’ My most favorite outfit was never seen.
— Helen Rose

Mas, Helen, outro look bem curto (se bem que não tão justo) aparece no trailer…

Não entendi!

E, na verdade, tem um outro filme anterior a esse, mais obscuro, com look curtérrimo:

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Vôo para Marte (1951)

A personagem Alita, de Marguerite Chapman, e sua minissaia azul

Não existe registro sobre quem seria o visionário que fez esse look de Alita. Na verdade, dizem que esse longa foi filmado a toque de caixa, em questão de dias.

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Adoraria saber quem fez esse lookinho

Modernosaaaa! Se o Elon Musk me chamar para um rolê, já sei onde vou me inspirar (mentira, imagina eu de minissaia, que horror???)

Agora, atenção - menção honrosa para uma visionária:

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Josephine Baker!

É mais um adereço que uma saia, mas meu bem, eram os anos 1920! Imagina?!

Resumindo, gosto em particular da frase de Mary Quant, mais uma vez ela:

It wasn’t me or Courrèges who invented the miniskirt anyway—it was the girls in the street who did it.
— Mary Quant

Foram as próprias mulheres que encurtaram seus looks. Não foi um estilista, um figurinista, um criador que inventou isso. A moda é viva, ela não acontece só da indústria para o pessoal. Nesse link você fica sabendo mais sobre o que acho desse movimento mais "para todos os lados” da moda.

Para terminar: a que rua Mary se refere? Do que é que ela está falando?
Hummmmm… Are you ready, steady, go?
Enquanto eu preparo esse novo post, vai fazendo o esquenta com um outro que fala muito sobre a moda que nasce na rua: o de Harajuku! <3 Stay tuned!