O BBB, o cancelamento, coisa e tal
É uma loucura que o Big Brother Brasil 20 tenha conseguido fisgar tanta gente depois de um BBB 19 que foi um fiasco. Qual é o segredo? O elenco? A mistura de influenciadores digitais com anônimos?
Mas quem é anônimo hoje em dia?
Confesso que eu sou uma das pessoas que voltou a assistir BBB como se fosse 2004. Mas nem é por isso que eu acho que o BBB 20 "pegou": vários amigos têm relatado a mesma coisa. É uma loucura. E não, eu não acompanhava a Boca Rosa, nem o Pyong, nem a Manu Gavassi.
(OK, a Manu Gavassi eu acompanhava um pouquinho sim)
Ah, vai, você lembra do BBB lá dos anos 2000, não lembra?
Isso me fez pensar bastante a respeito do BBB.
Seria impossível ele não existir. Alguém acabaria inventando, cedo ou tarde. É o ápice dos 15 minutos de fama para todos de Andy Warhol. Só que, nesse caso, pode durar 15 minutos ou mais, dependendo do paredão e de quem for mais votado.
Aí que começa a invenção do cancelamento. Bem antes do termo existir, o BBB foi um dos meios pelos quais aprendemos a julgar uma pessoa, por mais desconhecida de nós que ela fosse dois dias atrás, e simplesmente eliminá-la.
Ou deletá-la do Facebook. Silenciá-la no Instagram. Mandar vários e-mails xingando e ameaçando (falo com conhecimento de causa, eu já fui cancelado).
Tudo isso em massa. Um massacre.
Debate-se o cancelamento e não se aprofunda no assunto principal, no motivo - que muitas vezes, ouso dizer na maioria, é estrutural na sociedade e não vai ser resolvido com o cancelamento de uma pessoa.
O cancelamento não melhora a sociedade, só faz com que coisas que achamos moralmente erradas e correlatas fiquem mais às escondidas. Não resolve, simplesmente varre para baixo do tapete.
Uma coisa é apontar um exemplo (ou case, para usar uma palavra mais contemporânea) e a partir desse exemplo conceituar e discutir. Já o comportamento de vigilante, de justiça pelas próprias mãos, na minha visão só dá um alívio momentâneo.
Não que eu seja santo - eu também cancelo, para que fique bem claro. A gente vai na onda. É foda.
Outra coisa que é muito estranha é o nome reality show.
Realidade, meu bem, é acordar para pagar o boleto, né? É encarar trânsito, notícia do governo todo dia, luto pela morte de alguém. Isso sim é real. O recorte que o BBB faz pode falar bastante sobre comportamento humano, pode refletir questões sociais relevantes, mas realidade é uma palavra forte demais para descrevê-lo.
A gente vê os participantes como um extrato da sociedade. Eles não são.
Pyong é um brasileiro de origens asiáticas - isso não quer dizer que ele representa todos os brasileiros de origem asiática. Que as coisas que ele faz e diz são um espelho do que todos os brasileiros de origem asiática, ou mesmo uma parte de nós, faria e diria. Inconscientemente, nesse mergulho de narrativa e na crença do termo reality show, acaba que desligamos a TV repletos dessas generalizações.
Do mesmo jeito que Hadyballa (que apelido é esse que ele se autoentitulou, meu Deeeeeus) não deveria incorporar o estereótipo da masculinidade tóxica em sua totalidade. Ele pode ser um macho tóxico, e há quem chame isso de reparação histórica, mas será que ele sempre vai agir e dizer como esperamos que um macho tóxico aja e diga? Até agora ele sente dificuldade de se desvencilhar desse papel - do mesmo jeito que não basta Cleópatra ser honesta, ela precisa parecer honesta. Se ele continuar apenas negando os defeitos e não demonstrando por meio de conversas e ações que refletiu e mudou, o público não vai entender outra coisa a não ser o estereótipo. Narrativa é isso: você precisa de ação e diálogo para montar a história se não existe um narrador encaminhando as coisas para você.
E não existe, né? Tiago Leifert é um narrador sofrível; quando interfere manda mal, quando precisa interferir não interfere. Pedro Bial era o narrador que enxergava lições de moral, trajetórias de redenção, incluía simbologias - o que muitas vezes era chatíssimo e até questionável, mas pelo menos entretinha. Leifert parece não querer repetir a fórmula de Bial mas não encontrou a sua. Podia ser engraçado, provocador, misterioso. Será que ele mesmo se sente na berlinda, com receio de ser eliminado (ou cancelado?), então prefere se apagar, se tucanar? O homem cordial.
Voltando ao cancelamento. Será que o BBB nos acostumou tanto com votação e consequente eliminação que começamos a encarar tudo como esse jogo?
Em 2016, o BBB completava 14 anos na TV brasileira.
Reality show. Construção de narrativas.
”Elimina aí que a gente não tá gostando."
Sem mais.