Cachorros jogando pôquer: mas isso é arte?
O que é arte?
Ou melhor: existe um conceito que separe o que é arte e o que não é?
Por que você considera Romero Britto uma arte "menor" que Adriana Varejão, como se a arte tivesse graus?
Ou você considera que Romero Britto não é arte, e Adriana Varejão é?
Será que arte é o que certo grupo diz para você que é arte?
Quem é esse grupo? Você se considera parte dele?
Se você se considera parte dele, será que você não está de certa forma fazendo a mesma coisa que o pessoal classe média baixa que acha que é rico e por isso defende políticas públicas que favorecem os ricos?
Ui, acordei questionador.
Mas tudo isso para introduzir o assunto "quadros de cachorros jogando póquer".
Sim, porque se você não sabe… this is a thing.
Cassius Marcellus Coolidge, apelidado Cash ou Kash, nasceu em 1844 no estado de NY e fez de um tudo. Entre esses "tudo", ele criou pinturas para publicidade. A agência Brown & Bigelow contratava uma galera para fazer pinturas que iam em anúncios, embalagens, calendários publicitários; gente como Norman Rockwell, hoje um artista reconhecido pelos seus retratos da cultura norte-americana. Bom, você já imaginou onde eu quero chegar: Kash foi contratado prla Brown & Bigelow em 1903. Entre as obras que criou para eles estão os cachorros jogando pôquer. E não foi apenas uma só.
Antes mesmo de 1903, como no caso da pintura abaixo, Kash já havia cachorros jogando pôquer. Dizem que o primeiro salto para a fama foi em embalagens de charutos - as marcas queriam se distinguir uma das outras, e aparentemente uma delas virou a "dos cachorros jogando pôquer na embalagem".
The Simpsons e Parks and Recreation foram duas das séries que se referiram a obras de Coolidge (mais especificamente, a quadros com cachorros jogando pôquer) em episódios. O beatle espiritualizado George Harrison tinha uma imagem, provavelmente uma reprodução, pendurada em sua casa - era uma ironia, mas talvez também um lembrete para que Harrison não perdesse o humor na sua jornada espiritual. E na antiga sitcom Cheers o personagem Sam Malone (Ted Danson) fala do seu apreço por um desses quadros, dizendo que cada vez que o olha, descobre um novo detalhe. Diane Chambers (Shelley Long), a garçonete, odeia. É para ser uma piada: Diane seria mais inteligente e sofisticada que Sam - e é por isso que ela odeia a obra de Coolidge. Sam é o "homem simplão". Por isso que ele acha a obra de Coolidge legal.
Coolidge não fez apenas quadros de jogatina mas uma de suas marcas era o animismo - ou seja, o retrato de figuras não-humanas (no caso, cachorros) fazendo ações humanas.
Mas por que me questiono a respeito de Coolidge em específico? É que realmente acho que ele possui pelo menos duas características que gosto muito quando alguma obra de arte tem.
Humor
&
Narrativa
(ou o tal do storytelling que anda tão na moda hoje)
Sinceramente acho as obras de Coolidge muito bacanas, e muito mais legais que as do Norman Rockwell. Mais profundas, até. Ou seria meu lado hipster achando muito cool a ironia de rever as obras de Coolidge sob o verniz de uma análise mais séria?
Pode ser.
Tem algum artista que você não gosta?
Eu tenho. O tal Romero Britto.
Mas fico me questionando sobre o porquê de eu não gostar dele. O que é o meu gosto pessoal? É uma construção social? Meu gosto pessoal na verdade veio de outros gostos pessoais de pessoas que me influenciaram? Cheguei à conclusão sobre Romero Britto sozinho ou fui sugestionado? Até que ponto consigo argumentar sobre não gostar das coisas dele?
Essa reflexão é até fácil quando a gente pensa sobre Romero Britto.
Agora substitua por outras coisas que você não gosta…
E, às vezes, se surpreenda.