Cachorros jogando pôquer: mas isso é arte?

O que é arte?
Ou melhor: existe um conceito que separe o que é arte e o que não é?
Por que você considera Romero Britto uma arte "menor" que Adriana Varejão, como se a arte tivesse graus?
Ou você considera que Romero Britto não é arte, e Adriana Varejão é?
Será que arte é o que certo grupo diz para você que é arte?
Quem é esse grupo? Você se considera parte dele?
Se você se considera parte dele, será que você não está de certa forma fazendo a mesma coisa que o pessoal classe média baixa que acha que é rico e por isso defende políticas públicas que favorecem os ricos?

Ui, acordei questionador.
Mas tudo isso para introduzir o assunto "quadros de cachorros jogando póquer".
Sim, porque se você não sabe… this is a thing.

His Station and Four Aces (1903) de Cassius Marcellus Coolidge

His Station and Four Aces (1903) de Cassius Marcellus Coolidge

Cassius Marcellus Coolidge, apelidado Cash ou Kash, nasceu em 1844 no estado de NY e fez de um tudo. Entre esses "tudo", ele criou pinturas para publicidade. A agência Brown & Bigelow contratava uma galera para fazer pinturas que iam em anúncios, embalagens, calendários publicitários; gente como Norman Rockwell, hoje um artista reconhecido pelos seus retratos da cultura norte-americana. Bom, você já imaginou onde eu quero chegar: Kash foi contratado prla Brown & Bigelow em 1903. Entre as obras que criou para eles estão os cachorros jogando pôquer. E não foi apenas uma só.

A Bold Bluff (1909) de Cassius Marcellus Coolidge

A Bold Bluff (1909) de Cassius Marcellus Coolidge

Antes mesmo de 1903, como no caso da pintura abaixo, Kash já havia cachorros jogando pôquer. Dizem que o primeiro salto para a fama foi em embalagens de charutos - as marcas queriam se distinguir uma das outras, e aparentemente uma delas virou a "dos cachorros jogando pôquer na embalagem".

Poker Game (1894), de Cassius Marcellus Coolidge

Poker Game (1894), de Cassius Marcellus Coolidge

The Simpsons e Parks and Recreation foram duas das séries que se referiram a obras de Coolidge (mais especificamente, a quadros com cachorros jogando pôquer) em episódios. O beatle espiritualizado George Harrison tinha uma imagem, provavelmente uma reprodução, pendurada em sua casa - era uma ironia, mas talvez também um lembrete para que Harrison não perdesse o humor na sua jornada espiritual. E na antiga sitcom Cheers o personagem Sam Malone (Ted Danson) fala do seu apreço por um desses quadros, dizendo que cada vez que o olha, descobre um novo detalhe. Diane Chambers (Shelley Long), a garçonete, odeia. É para ser uma piada: Diane seria mais inteligente e sofisticada que Sam - e é por isso que ela odeia a obra de Coolidge. Sam é o "homem simplão". Por isso que ele acha a obra de Coolidge legal.

A Friend in Need (1903), de Cassius Marcellus Coolidge

A Friend in Need (1903), de Cassius Marcellus Coolidge

Coolidge não fez apenas quadros de jogatina mas uma de suas marcas era o animismo - ou seja, o retrato de figuras não-humanas (no caso, cachorros) fazendo ações humanas.

Mas por que me questiono a respeito de Coolidge em específico? É que realmente acho que ele possui pelo menos duas características que gosto muito quando alguma obra de arte tem.
Humor
&
Narrativa
(ou o tal do storytelling que anda tão na moda hoje)
Sinceramente acho as obras de Coolidge muito bacanas, e muito mais legais que as do Norman Rockwell. Mais profundas, até. Ou seria meu lado hipster achando muito cool a ironia de rever as obras de Coolidge sob o verniz de uma análise mais séria?
Pode ser.

Tem algum artista que você não gosta?
Eu tenho. O tal Romero Britto.
Mas fico me questionando sobre o porquê de eu não gostar dele. O que é o meu gosto pessoal? É uma construção social? Meu gosto pessoal na verdade veio de outros gostos pessoais de pessoas que me influenciaram? Cheguei à conclusão sobre Romero Britto sozinho ou fui sugestionado? Até que ponto consigo argumentar sobre não gostar das coisas dele?
Essa reflexão é até fácil quando a gente pensa sobre Romero Britto.

Agora substitua por outras coisas que você não gosta…
E, às vezes, se surpreenda.