A primeira letra da sigla LGBTQ+ pelas mãos de João Pimenta

Na lógica do capitalismo, onde há oportunidade de mercado, é certo que uma hora ou outra alguém vai ocupar esse espaço.
Na lógica da arte e da criação, não é exatamente oportunidade que chama. Mas se você se propõe a um desafio, ele pode ser muito estimulante, revigorante, e funcionar como um norte. Você sabe mais ou menos onde quer chegar, pode ser que chegue em uma coisa bem diferente do que imaginava no começo mas, além do caminho proposto facilitar sua vida, ele pode te eletrizar.

Como continuidade da coleção anterior, aquela do manifesto contra a linha ideológica vigente no governo, João Pimenta decidiu dar visibilidade fashion nesse desfile do SPFWN48 para uma das letras LGBTQ+ que anda meio esquecida dos holofotes da passarela já faz um bom tempo. Mais exatamente o L de lésbica. Tipo um resgate do lesbian chic versão 2019!
(Mas só da passarela, o que é ainda mais estranho: entre mulheres importantes da moda, pelo contrário, pintaram vários casais lésbicos. Alguns já se desfizeram. Não sou revista de fofoca para ficar dando nome, mas é estranho que não tenha existido um movimento criador em busca de novas imagens correspondentes a esse despertar. Até existem opções, só que veladas, nenhuma declarada e com tanto destaque e atenção como João faz agora.)

Então primeiro João identificou uma fatia de mercado, e também uma brecha de criação, porque quando ele discutia gênero em passarela sempre puxava para a feminilidade no masculino, e não o contrário. Só que ele fez um processo que na verdade é bem parecido com o processo de figurino, uma área na qual ele está se esbaldando. Juntou um grupo de mulheres lésbicas e ouviu suas necessidades, suas vontades. Criou para elas. O resultado é uma das coleções mais sofisticadas que o estilista já cometeu, e que obviamente pode ser usada por quem quer que goste das roupas independente do sexo.

A primeira coisa que João descobriu é que do mesmo jeito que gay hoje em dia se autoproclama e chama seus iguais de bicha e viado, se apropriando do termo que antes era pejorativo, as lésbicas se autoproclamam sapatonas. Então ele já explica logo de cara “Foquei a coleção na sapatona."
Ajudou o trabalho da GA31, spoken word com humor, tem um ar de NoPorn e, especificamente na faixa Felizmente Sigo Sapatona, pega uma base parecida com o remix do hino It's Not Right But It's OK da Whitney Houston. Estava na trilha! Ouça:

Quais eram as necessidades e vontades das sapatonas? Algumas coisas são práticas: a alfaiataria vem com o ombro mais curto e uma modelagem que acomoda bem o peito mas também cai bem em quem não tem seio (inclusive meninos). Outras são bem fashionistas: a pochete, que João nunca tinha desenvolvido mesmo com a febre há algum tempo rolando. E os anos 1980, inclusive em mangas presunto! Foi uma ideia delas? "Sim, elas que pediram! Disseram: se tivesse uma manga presunto eu superusaria!", o estilista explica no backstage.
Existe essa ideia simbólica que a masculinidade está nos ombros largos e a feminilidade está nas ancas largas. Será que tem a ver? Não sei, foi algo que passou pela minha cabeça.

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Procurando um look para casar, amiga?

Se joga!!! Todas as fotos são de Zé Takahashi, da Agência Fotosite

Além dos papos com esse grupo, João trouxe a simbologia de Lilith, a primeira mulher, feita do barro assim como Adão, expulsa do Paraíso, a cobra, a lua. É uma combinação feliz: traz os elementos figurativos característicos da moda dele e conversa com a desafiadora que transgride num mundo que espera uma mulher que veio da costela do homem, submissa, menor.

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Prateado lunar

com cobras sinuosas, perigosas, maravilhosas

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Fendas, vãos

Um jogo de abre e fecha

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Calça oversize de festa

Dark finíssima

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Pochete com renda

Por que não? Pochete é a nova clutch!

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E essa camisa com essa harness?

Bem virginal… hihihihihi ;)

E ouça mais de GA31 que é bem legal!

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