Entrevista com Dudu Bertholini: "Nenhuma das iniciativas sustentáveis gera menos impacto do que usar o vintage"
Dudu Bertholini é um stylist com muita personalidade, daqueles que você identifica em trabalhos mais autorais - ou você identifica certa inspiração, se não for styling dele… Lembro que me senti muito burro por não ter ido no primeiro desfile da Neon, a marca que Dudu teve com Rita Comparato (hoje à frente da ótima Irrita), que foi no teatro Oficina. Tanto que fui em praticamente todos os outros, porque eram sempre os desfiles mais comentados do SPFW, empolgantes, dramáticos, divertidos.
Nessa estreia na Casa de Criadores da Ahlma de André Carvalhal, Dudu foi convidado pela marca para, adivinha só, criar um desfile vintage. São peças únicas garimpadas que receberam interferências de dois criadores muito marcantes da turma dele, Vanessa Monteiro e Fabio Kawallys. Tudo a ver com o que eu falei no fim desse post super recente! Mas o Dudu pode explicar melhor do que eu, claro.
Dudu: A Ahlma, muito mais do que ser uma marca, é uma plataforma de boas práticas, de sustentabilidade, de uma moda com propósito, de uma nova consciência. E aí me chamaram para fazer um desfile 100% vintage, feito a partir de upcycling de peças que já existiam. A gente entende que o maior valor disso, muito mais que despertar o desejo por essas peças, é fomentar essa consciência, fazer com as pessoas queiram fazer essa customização em casa, olhar para aquilo que já foi produzido em excesso para que todos nós pudéssemos nos vestir por muitos anos ao longo da história! E nenhuma das iniciativas sustentáveis gera menos impacto do que usar o vintage.
Wakabara: Onde vocês encontraram as roupas?
D: A gente trabalhou primordialmente com peças da ASA, que é a Associação Santo Agostinho e faz um trabalho social muito legal de muitos anos ajudando idosos, crianças e adolescentes. Compramos as peças deles, ressignificamos e assim também trazemos visibilidade para eles. E aí chamei Fabio Kawallys, rainha da customização tropical punk antes de todas, e Mística Selvagem Vanessa Monteiro - temos uma história de colaboração de 20 anos de roupas de brechó…
W: Sim, eu lembro!
D: Você lembra bem, ela de maiô jeans, precursora! Nós que já somos vintage (risos), há 20 anos já usando vintage, nos juntamos nessa aventura, o que também é muito especial, colaborar criativamente depois de tanto tempo.
W: E a edição do desfile?
D: É uma edição solta, que prioriza a individualidade, mas acho que a gente tem um tom de casualidade; são camisas, camisetas, moletons, com paletós mas usados de forma relaxada; uma pegada cotidiana. Temos signature piece também - uma saia do Dener [Pamplona de Abreu], por exemplo, que virou um look punk. Existem highlights mas no geral são peças casuais, que você poderia encontrar em qualquer lugar e que ganham vida a partir do upcycling. É essa a grande mensagem.
W: E essa saia do Denner você encontrou na ASA?!
D: Não, essa é do acervo de Mística Selvagem; mas na Associação tem Burberry, tem doações muito babado. As peças não são tão baratinhas, tem uma triagem, higienização... Mas sob a nossa ótica, a gente incentiva que a pessoa abra o olhar para todos e quaisquer valores, talvez aquela peça que está ali na bacia de R$ 1 é a que mais precisa de uma ressignificação.
W: Claro, e sem etiqueta nenhuma…
D: Exatamente.
Fotos: Paulo Cândido
W: Esse novo uso do vintage, com passarelas apresentando roupas novas que parecem vintage - na minha leitura o segredo está no exercício do styling. Ou seja: a passarela agora mostra styling?
D: A moda é um reflexo do mundo e a passarela é um reflexo da moda. A gente está falando de uma moda que quebra padrões, com esse papel no presente e no futuro de desmontar essas regras e padrões para que todos nos sintamos incluídos. E essa quebra tem que estar na passarela. Quando começamos a colocar um exercício que diz assim: "Ter estilo é a melhor ferramenta de sustentabilidade”, não vai ter revista alguma que vai dizer "use este blazer". Ela vai defender que você tenha essa visão de que aquela peça pode virar algo nas suas mãos. Existe um exercício de independência, de autoria em cima do look, que é muito corajoso a moda se dispor a fazer. E não é só a Ahlma, todo mundo está falando isso. Então a gente está aqui propondo: você vai consumir o que você tiver desejo mas não estamos aqui para impor regras do que você tem que usar; estamos aqui para criar um cenário que fomente sua individualidade. Desde Gucci até Versace, você tem um mercado inteiro passando essa mensagem. Como é que você vai andar na rua e ter um look que se diferencia dos outros? Existe uma camada individual em cima disso que ninguém pode ter dar, só você pode desenvolver, e esse desfile é um exercício a favor disso.
W: E você acha que o trabalho de styling mudou por causa disso?
D: Acho que não dá mais para dizer o que é styling e o que é direção criativa. E não dá mais para dizer o que é uma tendência e o que é um rumo para onde o mundo está indo. É um novo lugar para o stylist sim, é um novo momento de pensar o styling.
Esse post e a minha cobertura da Casa de Criadores traz fotos do super Paulo Cândido: sigam o Paulo no Insta!
Para complementar esses pensamentos, sugiro o vídeo novo da Ale Farah (que inclusive cita esse desfile e é superamiga do Dudu):
E esse vídeo que fiz com a Lilian Pacce faz mais de um ano já falando do mercado de revenda: