Para começar, até hoje fico meio pasmo porque eu ESTAVA nesse desfile. Podia muito bem não estar (nessa época eu ainda não ia em todos o do SPFW).
Saí achando o máximo - afinal, gosto de uma confusão. E depois as fichas foram caindo.
O impacto de ver algo tão bem feito em papel (misturava kiriê, origami, era uma loucura) de repente rasgado na nossa frente era de uma violência poética que nunca mais foi vista nem antes nem depois no SPFW. Claro que apareceram outros desfiles emocionantes no nosso caminho, mas para mim nenhum teve tantas camadas e subtextos quanto esse do Jum Nakao.
E outra coisa impactante: Jum nunca mais desfilou sua marca. É como se, com aquela apresentação, ele já tivesse dito tudo que podia. Acabou-se. Chega. A história fica muito mais forte porque tem um ponto final.
O desfile tinha roupas - de papel. Elas nunca foram vendidas, e teve gente da plateia que correu para pegar algum pedaço daquilo, jogado no chão. Um lixo. O lixo que virou algo valioso porque, dentro do contexto, a pessoa sabe de onde ele veio. Não é para vestir, não é para usar de alguma maneira. É simplesmente para guardar.
(Não, eu não peguei - e devia ter pegado, me arrependo hoje! Risos!)
Desfiles como símbolo do glamour já não existem mais; e se aparecem só funcionam quando misturam esse revival de glamour com ironia. Algum dia isso irá mudar? Pode ser - tenho evitado fazer previsões nesse momento porque cada mergulho é um flash. Talvez o Átila saiba melhor que eu?
Não me entendam mal, juro que adoro desfile. O que não gosto é de ver algo que não acrescenta. É o direcionamento de energia em algo que talvez não valha a pena. É a proliferação vazia, muito desfile para pouco assunto.
E uma coisa eu sei, assistindo à Saint Laurent anunciar que não faz mais desfile esse ano e dizendo que vai "conduzir seu próprio ritmo" mostrando que está cansada do esquema sazonal das temporadas (quem não está?).
Se você não tem algo para dizer, não diga. Se você não tem algo para mostrar, não mostre. E daí que a "regra do mercado de moda” diz que a marca deve apresentar coleções sazonalmente?
Que mercado?
Que estação? Em que mundo você vive? O aquecimento global não chegou aí?
Se uma solução milagrosa a respeito do modus operandi da moda não vai pintar tão cedo, ao menos vamos pensar em formas diferentes de mostrar sonhos? Sem aglomeração e tão aspiracionais quanto?
Vamos lá, vocês são criativos. Eu sei que vocês conseguem.
O que é o desejo hoje? A importância do papel da imaginação, ao contrário do que possa parecer, é enorme em tempos de pandemia.
E do que a gente precisa?
Enquanto isso, aproveite que você está em casa, talvez saudoso, talvez nostálgico, e ouça o segundo episódio do meu podcast, que é justamente sobre música clichê de passarela! RISOS!