Não sei nem por onde começar a falar de Bacurau

Ou melhor, sei: se você tiver só um dinheiro para ir ao cinema e está em dúvida sobre ver o filme novo do Tarantino ou Bacurau, eu decido pra você. ASSISTA BACURAU.

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Já deixei bem clara a minha opinião sobre Era uma vez em… Hollywood aqui em post anterior.

Tem uma fala que amei de Aquarius, filme anterior de Kleber Mendonça Filho que, confesso, só assisti recentemente. É da cunhada de Clara (Sônia Braga), Fátima (Paula de Renor), comentando sobre a empregada da família que roubava as joias. É algo do tipo "É assim, a gente as explora, elas nos roubam". Ela diz em um tom de corte, para acabar a conversa logo, como se não gostasse do rumo da prosa. Em Bacurau, também comenta-se um modus operandi à essa moda.
Tem me incomodado essa questão da violência do país que a classe média e a classe alta me parece que vê como se fosse um problema do qual ela não participa. A violência existe, surgiu na cidade, no estado e no país em que você vive; você se coloca nessa problemática puramente como vítima - quando infelizmente acontece com você - e nunca enquanto agente participante da sociedade na qual a violência existe.
E, ademais, sai do país porque “a violência está impraticável".

Como cobrar uma sociedade pacífica?
Todos somos iguais perante a lei - só que mais ou menos. “O meu primeiro".

Depois desse meu arroubo, queria deixar claro para quem não assistiu Bacurau que, apesar de todos os subtextos que você pode enxergar, não é necessariamente um filme que você precisa assistir pensando neles, lendo nas entrelinhas. Ele tem toques de faroeste e filme de ação. Tem também toques de filme de cangaço. Aliás, você sabia que o filme O Cangaceiro (1953) de Lima Barreto gerou uma moda cangaceira internacional, tão forte foi seu impacto? As mulheres piraram no estilo e pegavam elementos dele para os seus looks. Imagina Joan Crawford com couros todos trabalhados no bordado?

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Como Bacurau é muito perto da gente, não dá para reparar no que existe de mais regional e estilizado. Para os nossos olhos brasileiros chega a ser bem realista, na verdade. Em matéria de figurino, existe o momento dos motociclistas com seus neons supermodernos, da cidade grande, deslocados no sertão, e Lunga (Silvero Pereira), com seus anéis que remetem a Lampião e a sua "pintura de guerra": um megahair! Vi gente lendo Lunga como um personagem de sexualidade ambígua porque, na origem, de acordo com o roteiro, era mesmo pra ele ser trans. Pode ser viagem minha, mas acho uma leitura simplista da interpretação do Pereira, prima da leitura que defende que os cangaceiros de Lampião tinham tendências homossexuais porque se enfeitavam, perfumavam e costuravam. No filme puro e simples, entendi Lunga como estiloso, uma figura diferente. Talvez eu que esteja errado!

No mais, algumas outras coisas que você, que assistiu ou não Bacurau, pode prestar atenção e refletir sobre:
. A honra ambígua de Michael (Udo Kier)
. O jeito mais solto de encarar a sexualidade do povoado
. O uso do psicotrópico, que nos faz pensar: o que realmente aconteceu? Será que a narrativa estava sob efeito alucinógeno?
. O jeito maroto que a narrativa lida com o preconceito do sudeste contra o nordeste
. O sadismo é uma característica intrínseca da humanidade? Talvez maior que a vida social?

Mais não falo, acho até que já dei spoiler demais.

Ah, e Aquarius, hein?
Achei bom, também. Mas acho que Bacurau se sustenta mais sem subtexto. Aquarius precisa do subtexto da crítica para a classe média alta intelectual que se vê tão bem resolvida, do subtexto da especulação imobiliária (que aqui é apresentada prejudicando mais a classe média alta, e não a classe baixa). Ou se vê o filme mais como um show de interpretação de Sônia Braga do que qualquer outra coisa - por mim, tudo bem!

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Empolguei depois desses dois e acabei assistindo 3 curtas de Kleber Mendonça Filho espalhados pela internet (em simples busca você acha). Vinil Verde, Eletrodoméstica e Recife Frio são bem bacanas, recomendo, especialmente o último, que imagina uma espécie de frente fria eterna em Recife. É uma trama meio prima da A Jangada de Pedra de José Saramago, que fala sobre a ficcional separação geográfica da Península Ibérica do continente: ela vira uma ilha e começa a "navegar” o mar. Doido, né? Assim como em Ensaio Sobre a Cegueira, Saramago desenvolve a história com apenas um acontecimento esquisito e sem explicação e seus desdobramentos, realistas na medida do possível.
Recomendo tudo isso, na verdade! kkkk Você assiste Recife Frio abaixo:

ATUALIZAÇÃO em 9/09/2019: Esse artigo do Nexo é bem incrível, fala de várias referências do Bacurau e traz outras camadas de leitura para o longa. Recomendo fortemente!

O meu livro preferido do momento é sobre um disco

Para começo de conversa, adivinha: esqueci de mais um disco naquele post dos "10 discos que me fizeram ser quem sou hoje". É esse aqui:

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(para quem não soube, esse nem é o primeiro disco que lembrei que devia estar lá - explico sobre o disco da Evinha aqui)

A Tábua de Esmeralda foi lançado em 1974 e muita gente o considera o melhor álbum de Jorge Ben. Outros preferem o África Brasil, que eu também gosto, e tem gente que fala de outros tipo Negro é Lindo. E tem gente que junta esse com Solta o Pavão, que também fala bastante da alquimia - como se fosse uma sequência. Em comum, eles possuem uma reafirmação da negritude: é a valorização da positividade e do ser humano no geral mais o resgate e revalorização de uma mitologia negra que na verdade permeia toda a obra de Jorge. Em A Tábua de Esmeralda, cujo nove se refere a artefato lendário que conteria regras herméticas e teria sido escrito pelo próprio Hermes Trimegisto, o artista usa a figura do alquimista como um herói, um exemplo de perseverança, e em várias músicas a negritude fica mais na metáfora do que no plano concreto das palavras. Em outras, é concreta sim: como no exemplo máximo Zumbi.

Existem muitos textos por aí que especulam sobre os significados por trás de A Tábua de Esmeralda. Ele, com outros como Tim Maia e Raul Seixas, buscaram inspiração na espiritualidade para fazer suas músicas nessa época.

Perguntam: quem é o namorado da viúva? Que viúva? E a Magnólia? Estudam Hermes Trimegisto e Paracelso, que é o tal homem da gravata florida, para tentar explicar as coisas.

E aí chegamos ao livro, que é daquela coleção O Livro do Disco, e que não faz exatamente isso.

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Essa coleção tem outros títulos

É inspirada em um projeto gringo e já lançou livros sobre As Quatro Estações do Legião Urbana, Clube da Esquina e outros

Paulo da Costa e Silva não se limita ao A Tábua de Esmeralda, apesar de esmiuçá-lo bem. Ele faz toda uma trajetória para entender a época em que ele foi feito, o contexto em que se insere Jorge, o porquê de Jorge ser tão diferente dos seus contemporâneos (e ao mesmo tempo tão complementar).

Posso estar exagerando, mas aconteceu comigo: na leitura desse livrinho, que é bem pequeno mesmo, você começa a pensar sobre coisas que não esperaria, questões filosofais, as mesmas que o próprio Jorge Ben deve ter pensado na época (ou talvez pense até hoje). Foi bem intenso e interessante lê-lo.

Então, fica essa dica: leia o livro e ouça o disco.

Uma editora especializada em futebol

Um dos meus melhores amigos está com a empreitada mais maravilhosa e corajosa. É uma editora de livros - sim, livros! - especializada em futebol. A No Barbante do Raul Andreucci já chega com um livro incrível, o A Selva do Futebol, do Raul e de Tulio Kruse, que fala sobre a realidade dos clubes de futebol amazonenses e a construção da Arena da Amazônia, um dos estádios usados na Copa de 2014, e o quanto de extração ilegal de madeira aconteceu para que esse estádio fosse construído.
Sou obviamente suspeito para falar sobre assunto mas o livro está com uma diagramação linda e ainda tem o desgraçamento de optar por não incluir o título na capa, bem atrevido, para valorizar a arte de André Bonani. Adoro coisas desse tipo, que vão contra o que todo mundo acredita, quebrando regras - especialmente quando essas regras são de mercado. Mas, bem, não sou amigo do Raul à toa, né?
E já que sou suspeito, conversei com alguém mais suspeito ainda para falar sobre a editora. O Raul em si! Confira a entrevista!

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Arte de André Bonani

para o livro A Selva do Futebol

Wakabara: O que é a No Barbante?
Andreucci: É uma editora dedicada ao futebol e só futebol, nenhum outro esporte e nenhum outro assunto. Mas não é um futebol relacionado ao sucesso, à fama. É um futebol lado B, alternativo, e sobre 3 pilares: jornalismo, pesquisa acadêmica e literatura. Queremos trazer histórias e discussões que ficam marginalizadas ou pela grande imprensa ou pelas grandes editoras. Vamos espalhar essas histórias para quem curte esse tipo de futebol, para além do clube e do estrelato.

Por que falar de futebol?
Primeiro porque amo futebol, muito mais do que o clube que eu torço, que é o São Paulo. Sempre gostei de discutir, de escrever, de ler a respeito. Sempre trabalhei com isso no jornalismo esportivo, fiquei no Lance por aproximadamente 6 anos, em todas as outras publicações jornalísticas que trabalhei também produzi algo relacionado a futebol, a minha pesquisa acadêmica de mestrado foi sobre futebol. Também sempre foi um futebol com um pouco mais de estudo, pesquisa, discussão; um envolvimento mais afetivo, lúdico, que não fosse só ficar brigando para saber qual time é melhor, uma paixão radical que só quer a vitória. Quero encontrar outras pessoas que gostam de futebol dessa outra maneira e compartilhar com elas. Acho que existem muitas pessoas assim, e que vão ter esse espaço para sugerir livros, para comprar livros que possam expandir essas ideias.

Sobre o que você pode discutir quando você discute futebol?
Tudo. Futebol é uma representação da vida. Você pode, por exemplo, discutir moda pela roupa que eles usam, pelas tendências que existem ali; você pode discutir comportamento, política. Apesar de existirem pessoas na grande imprensa hoje achando que não se mistura esporte com política, tudo é um ato político. Essa coisa de lançar um livro com esforço pessoal, levantando uma grana para fazer a primeira tiragem, tudo isso de maneira independente e na marra: é um ato político. Ainda mais nesse momento de governantes fascistas usando o futebol para criar uma nuvem em torno de atos sinistros e comportamentos escrotos que adotam. Estamos fazendo política do jeito que podemos, contribuindo para que o lado humano, solidário, coletivo floresça mais do que a marginalização e exclusão de pessoas, coisas que esse governo e outros governos pelo mundo querem promover.

Fala um pouco sobre o livro em si, o A Selva do Futebol.
A ideia é que a gente seja cobaia, testando formato, levando tempo para maturar esse conteúdo; e ele representa esse pé do jornalismo. Começou como uma reportagem que a gente publicou pelo BRIO [plataforma online que não existe mais dedicada a um jornalismo mais aprofundado], a quem agradecemos muito e que fez a ponte entre eu e Tulio há uns 4, 5 anos. Fala sobre a minha vivência como repórter no meio dos clubes amazonenses em uma realidade pobre, bem mambembe, e justamente dois, 3 meses antes deles receberem, entre muitas aspas, o estádio novo construído para a Copa de 2014, a Arena da Amazônia. Isso é intercalado com a história do Tulio, que é uma investigação do caminho da extração ilegal de madeira; ela acaba saindo da própria floresta amazônica, roda o Brasil inteiro, passa por carvoarias e aciarias e volta em forma de aço para a construção da Arena da Amazônia. Ah, e é legal que a gente fez uma coisa chamada costura aparente, o livro não traz os cadernos colados. Você vê a costura, é uma brincadeira com o nome da editora. E traz essa ideia do artesanal.

Por que chama No Barbante?
É uma expressão antiga, para remeter ao lúdico e ao afetivo. Significa que foi gol, a bola no barbante é a bola no gol, na rede.

Quais são os próximos livros?
O segundo livro vai ser sobre a Coligay, a primeira torcida organizada LGBTQ+ do Brasil, que é do Grêmio. Sai no segundo semestre de 2020. E todo ano vamos ter um livro coletânea de artigos e contos meio… prafrentex, meio pra esquerda? [Risos] É um jeito da gente ver que futebol não é só futebol, tem muito mais coisa envolvida.

Quer um exemplar de A Selva do Futebol? Você pode participar do crowdfunding que já está no ar - confira! E no Medium da No Barbante você confere trechos do livro, para decidir se quer mesmo - mas eu já estou lendo e recomendo, viu? Eu sei, sou suspeito… Mas vai por mim, bebê!

Teve uma novela antes de Sol Nascente que contou com uma oriental no papel principal!

Giovanna Antonelli é tipo a Scarlett Johansson brasileira: já interpretou muçulmana, nordestina e até uma nissei mestiça em Sol Nascente, a polêmica novela das seis de 2017 que trazia histórias de imigrantes japoneses no Brasil. Só que antes, bem antes de Sol Nascente, já existiu uma novela protagonizada por uma nikkei de verdade (nascida no Brasil mas de pais japoneses), e que tocava o dedo em uma ferida que até hoje existe mas que antes era mais aberta: o relacionamento interracial entre japoneses e brasileiros.

Bom, eu acho que tenho experiência no assunto, sendo eu mesmo um mestiço, né? Papai casou com uma loira (com a ajuda de blondor, verdade, mas loira), e foi o único entre seus irmãos a casar com alguém que não era da colônia. Para falar bem a verdade, ele não gostava muito dos japoneses - quase tudo que sei sobre a cultura japonesa corri atrás por mim mesmo, um interesse bem pessoal que compartilho com a minha irmã mais velha. Papai inclusive achava esquisito: "Mas por que você quer ir para o Japão? Engraçado, você acha que isso é realmente importante.” Ele me deu um dinheiro extra na primeira viagem que fiz para lá e achei que ele estava sensibilizado. Perguntei: "Você gostaria de voltar, pai?” porque ele foi a trabalho, uma vez, acho que na década de 1970. Ele disse: “Eu, hein. Tem muito japonês lá.” Hahahahaha!
Mas também lembro de gente falando para minha irmã quando ela arrumava um namorado novo ou estava de paquera: "Mas é gaijin?” Papai ficava exaurido quando ouvia a colônia chamar brasileiro de gaijin - significa estrangeiro, e tecnicamente os japoneses é que são estrangeiros no Brasil, né? Acabou virando um sinônimo de ocidental. Minha irmã sempre estava namorando um gaijin. Conviver com a colônia nunca foi nosso forte, mesmo, mas o mais bizarro é que sempre acabei fazendo amizade entre descendentes de orientais na escola e na faculdade! Genes se atraem?!

Voltando à novela: Yoshico, um Poema de Amor foi ao ar na TV Tupi em 1967 e se passava no Japão mas foi gravada em estúdio. Era a história de um jovem rico, Luis Paulo, interpretado por Luis Gustavo um pouco antes do marco da TV brasileira Beto Rockfeller, novela considerada a responsável pela linguagem moderna a que estamos acostumados hoje, com pegada mais contemporânea e realista. Luis Paulo viajava para o Japão a trabalho e conhecia Yoshico. Adivinha? Se apaixonava. A protagonista foi interpretada por alguém que já era um tanto famosa, especialmente na colônia japonesa de São Paulo, e que viria ser uma espécie de Sabrina Sato da época no sentido de ser uma "oriental referência" em um showbusiness carente de figuras de ascendência japonesa. Rosa Miyake, você lembra?

Rosa era a apresentadora de Imagens do Japão, um dos programas mais longevos da TV brasileira. Ela passou mais de 30 anos apresentando o programa, acredita?

Na novela, para reforçar a imagem mais recatada das japonesas (elas em geral são mesmo mais tímidas e reservadas), só teve beijo no capítulo final. Não existem imagens - um incêndio em 1972 sumiu com grande parte do acervo da emissora, incluindo Yoshico.

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Mas existe foto!

Aqui, Rosa com o figurino de Yoshico

Descobri tudo isso na biografia sobre Rosa Miyake da editora Contexto, escrita por Ricardo Taira e chamada Rosa da Liberdade. Tem várias outras histórias interessantes por lá, como a curta participação dela no programa Jovem Guarda (!!!). Rosa começou a carreira como cantora e tinha uma relação forte com o estilo enka. Mas visualmente, tinha apelo fashion e lembra muito as idols da era Showa!

Disco de 1968, um ano depois da novela

Disco de 1968, um ano depois da novela

Na minha cabeça o Imagens do Japão e o Japan Pop Show se misturam - mas acho que o Japan Pop Show era mais moderninho. Olha a abertura dos dois:

Rosa se aposentou da vida artística. E não casou com um gaijin: Mario Okuhara, um dos homens que deu espaço para ela em sua rádio Santo Amaro, foi o seu marido.

TV Cultura, audiobook e um certo podcast que me lembra esse audiobook além de ser ótimo

Vocês viram que a TV Cultura agora tem um outro canal de YouTube além do que ela já tinha? Chama Eu vi na Cultura e, pelo que entendi, deve subir episódios antigos de coisas que passavam na Cultura. Nostalgia pura.

Aliás, tem exposição da TV Cultura baseada nessa memória afetiva do povo, a Entra que Lá vem História comemorando os 50 anos da emissora. Tá em cartaz no shopping Eldorado em SP até setembro - estou com vontade de ir mas ainda não fui. Você consegue comprar o ingresso online aqui nesse link. E o Catraca Livre fez um vídeo sobre a expô:

Bom, fui seco no novo canal do YouTube esperando uma das minhas séries preferidas do mundo e… flop: o canal só vai ter programa infantil. Tudo bem, adoro o Mundo da Lua (Somos os Big Bad Boys hit eterno) e vou aproveitar assim mesmo, mas bateu uma vontade de rever Confissões de Adolescente.

Quem é xennial não esquece <3

Quem é xennial não esquece <3

A versão em série de TV de Confissões foi ao ar pela primeira vez em 1994 e teve algumas retransmissões, inclusive na Band. Ela era baseada no livro da Maria Mariana (a 3ª na foto, da esquerda pra direita) feito em colaboração com Ingrid Guimarães (sim, ela mesma, que já interpretou dona de sex shop no cinema e tudo e tal), Carol Machado (quem aqui viu Top Model?) e Patricia Perrone (por onde andará Patricia Perrone?!). Maria Mariana é a filha do grande-enorme-fodástico-maravilhoso Domingos de Oliveira.

A novinha que me lê nesse momento pode não saber, mas Domingos é O CARA. Adoro tudo que ele já fez, é uma loucura. Mas o clássico maior de todos os clássicos é o filme Todas as Mulheres do Mundo de 1966, com a Leila Diniz.

Ninguém nunca passará duas vezes pelo mesmo caminho. <3

Domingos morreu recentemente, em março, mas antes disso produziu pencas: escreveu, escreveu, escreveu; dirigiu, dirigiu, dirigiu. Entre as coisas que dirigiu também estão peças de teatro, e entre as peças que dirigiu está Confissões de Adolescente, baseada no livro da sua filha e que virou um baita sucesso.

Mas antes (ou meio ao mesmo tempo?) de virar uma série que se baseou na peça que se baseou no livro, Confissões também virou outra coisa: um audiobook. Sim, nos anos 1990 já existia o audiobook! E que eu me lembre também foi antes de Cid Moreira gravar a Bíblia - mas isso já não sei bem, já que também me parece que esse audiobook da Bíblia de Cid Moreira sempre existiu, provavelmente uns meses depois do concílio em que decidiram "pronto, a Bíblia é isso e o resto é apócrifo".

Uma fita cassete que na época chamava audiolivro e contava com as vozes das autoras dos textos Maria Mariana, Carol Guimarães, Patricia Perrone e Ingrid Guimarães - a primeira montagem da peça, até onde sei, também era com elas

Uma fita cassete que na época chamava audiolivro e contava com as vozes das autoras dos textos Maria Mariana, Carol Guimarães, Patricia Perrone e Ingrid Guimarães - a primeira montagem da peça, até onde sei, também era com elas

Eu tinha o livro. Mas ter a fitinha era outra coisa. A Ingrid Guimarães contando sobre a primeira vez que fumou maconha já é bom por escrito - imagina em áudio? Era uma preciosidade, era uma delícia. Ali estavam acumuladas todas as questões que depois seriam a base da série que foi ao ar na TV Cultura e de Malhação e mais qualquer coisa produzida no Brasil e dirigida a adolescentes: aborto, primeiro beijo, primeira transa, bebida alcoólica, questões mais metafísicas do tipo "como é quando alguém morre"… Quem é versado na fitinha ainda fala alguns bordões dela - com a mesma entonação, claro - até hoje: “Ah, não, menina, mentira! Ah, não, mentira, menina!”

Foi nessa época que eu e meus amigos começamos a gravar fitas com o microfone do aparelho de som da minha casa com histórias - inventadas, às vezes um pouco baseadas em nossas experiências reais. A inspiração vinha dessa fita de Confissões e um pouco também do que as minhas irmãs faziam com as nossas vizinhas na época, gravando versões absurdas e engraçadíssimas de músicas como num programa de rádio fictício. Um salve para a Mariana Missiunas, que era a maior gênia da paródia musical e hoje é uma estrela linda no céu. <3

(De repente esse post virou uma terapia, porque acabei de perceber de onde nasceu minha vontade de contar histórias, que depois isso tudo virou uma parte importante da minha profissão, e eu lacrimejei. Viva a Mariana, viva a Ingrid e viva todo mundo que gravou essas fitas comigo: Henrique, Raphaela, Flavia, um grande e emocionado beijo.)

Voltando: um dia desses estava ouvindo um podcast e me bateu aquela sensação maravilhosa que eu sentia quando ouvia essa fita. Sei que muita gente vai achar que estou viajando, mas existe algo no ótimo texto, no humor inteligente e no carisma de Laurinha Lero que me remetem "às ilhas Cagarras parecendo dois seios disformes" e ao "passo maluco".
Portanto ouçam:

(Laurinha, talvez você nunca leia esse texto mas se ler e não achar esse comentário lisonjeiro, saiba que foi de coração)

Ah, e eu sei: saiu um filme em 2016 atualizando Confissões para os dias de hoje, né? Não vi, apesar do pai ser interpretado pelo ator Cassio Gabus Mendes, o que muito me comove porque ele é o marido de uma das minhas pessoas preferidas da vida.
Solange
ou
Leonora
ou
Lídia Brondi <3 <3

Mas acho que isso é assunto para um outro post… Por enquanto você fica com a trilha sonora de Confissões, que era mara:

ATUALIZAÇÕES 1/10/2019: Fiz um post sobre Lídia Brondi! Vem ver aqui!
Outra coisa: Esse post é um dos que mais dá audiência via buscas de Google. O termo procurado não podia ser outro: Laurinha Lero. Isso posto, então, acho que nada mais justo do que incluir esse episódio do Um Podcast Chamado Wanda com a própria Laurinha Lero, no qual ela esclarece… quase nada sobre sua identidade. Acontece! Segue, espero ter ajudado: