O lado dark do kawaii
Esse post faz parte de uma sequência! Deixo a lista abaixo - recomendo que você leia esses textos antes desse:
. Memória afetiva
. O que é kawaii?
. A rainha & a embaixadora do kawaii
Já leu? Então vem!
Sim, estamos aqui para falar dos lados mais obscuros do kawaii. Esse de cima, por exemplo, faz parte do guro kawaii, que mistura referências fofas com o grotesco. O Gloomy Bear é obra do designer Mori Chack e ele faz isso mesmo que você está vendo: machuca, e muito, o seu dono Pity.
Mas esse lado mais sinistro de algo a princípio tão infantil não é um movimento tão contemporâneo. É só tomar como exemplo o ero kawaii, também chamado de erokawa…
Bom, outro artista que mexe com imagens kawaii e clima grotesco-bizarro é o Shintaro Kago, que eu por sinal gosto muito! Dá uma olhada…
É o tipo de coisa que eu penduraria na parede em casa? Hum, não exatamente…
Existem várias referências desse kawaii menos ingênuo, com toques de bizarrice. Vou levantar algumas das mais famosas aqui. Vem comigo:
Essa de cima é a Kyary Pamyu Pamyu, que surfou na onda do kimo kawaii (que em tradução porca quer dizer fofinho assustador). O disco é de 2013 - ou seja, com uma estética bem influenciada por Lady Gaga, que lançou The Fame Monster em 2009 e Born this Way em 2011. Musicalmente é j-pop contemporâneo normal.
E sabe aquele bonequinho bebê que é até tema de tatuagem old school?
Kewpie e o Japão tem uma longa história de amor. Quando um pessoal decidiu produzir maionese no país, lá pela década de 1920, eles queriam agradar - afinal, o japonês nunca tinha visto maionese na vida, não era algo familiar. Então eles colocaram a figura de um bonequinho que estava muito popular na época estampado na embalagem. Em 1957, a fusão estava completa: a maionese passou a se chamar Kewpie oficialmente. E os comerciais? Hum, são MARAVILHOSOS. Esse de baixo é de um tempero da mesma marca, que foi batizado de Tarako. Ao dar o play, você se responsabiliza por conta própria: é um jingle bizarro que vai ficar na sua cabeça por pelo menos dois dias.
Obs. jogada no meio do texto: não incluí 6% Dokidoki aqui nesse post porque não considero guro kawaii. Está mais para um kawaii com cores fortes. Sorry, Monster Cafe…
Breve parênteses: quando fui para o Japão pela primeira vez o AKB48 , uma banda formada por 48 garotas, já era um sucesso. Em Akihabara (o nome da banda vem desse bairro de Tóquio), já estava aberto o café do AKB48. Não sei se ele ainda existe.
Sentei lá com o Pedro por curiosidade. É tudo temático - o cardápio, o porta-copo, os cartazes. Em um telão bem grande, ficam passando clipes com as meninas. Acho que às vezes rola apresentação ao vivo delas.
E o público? Homens de meia idade. Os chamados salary men. É… Esquisito? Você não viu nada: assista Tokyo Idols, tem na Netflix.
Fecha parênteses!
Na mesma pegada de subversão do kawaii na arte da Mizuno mas não exatamente com esse viés mais feminista, existe o movimento New Pop ou Superflat. O nome não pegou, mas um de seus artistas e seu manifesto superflat, que prega o fim da divisão entre alta e baixa cultura japonesas (ou seja, a cultura sofisticada à Quioto da cerimônia do chá e dos salões fechados e o contraponto dos mangas, animes, games e fancy goods da indústria de entretenimento), ganhou fama internacional. Na verdade, mais internacional do que nacional: Takashi Murakami é considerado genial por muita gente fora de casa, mas o Japão em si não liga muito para ele. Será que é porque ele subverte signos do kawaii de maneira provocadora, a ponto deles ficarem assustados?
Murakami é bem conhecido por sua parceria com a Louis Vuitton e pelas suas obras com flores. O caráter bem comercial de algumas de suas obras incomoda bastante gente - meio que na mesma pegada de Romero Britto. Mas eu acho sinceramente que ele consegue ser bem mais profundo em suas propostas, e mesmo o fato de transformar seu trabalho em fancy goods é uma espécie de subversão do sistema.
E me diz: por que o Murakami é uó e a Yayoi Kusama, que também é bem pop e também já fez colab com a Vuitton, não é?
Gosto dessas obras porque elas mostram a sexualização do kawaii, como se esfregasse na cara do Japão que não adianta parecer infantilizado e asséptico em relação a sexo porque as subculturas do hentai (o manga e anime eróticos) e outros fetiches continuam ali, prontos para emergir.
Na mesma turma de Murakami, vários outros artistas fazem movimentos parecidos. Vamos a eles:
Bom, espero que vocês tenham gostado desse post interminável! Agora é hora de segurar para a próxima parte dessa sequência, na qual vou falar de um bairro que virou um mito. Um mito maior que Pinheiros, que o Soho nova-iorquino, que Shoreditch… e talvez equivalente a Copacabana, ocupando um espaço cultural que os outros só sonham e nunca vão conseguir.
Adivinhou? Se ainda não conseguiu… acho que você precisa ouvir mais Gwen Stefani.