Sugar Babe: o começo do city pop
Já falei muitas vezes aqui sobre meu amor incondicional pela banda japonesa Happy End e como eles foram o começo de tudo. TUDO é muita coisa, eu sei - mas do começo da música pop japonesa, foram mesmo. Tem a ver com a Yumi Arai, por exemplo, que virou Yumi Matsutoya depois de casar; tem a ver com o Haruomi Hosono, membro da banda que depois fez parte do Yellow Magic Orchestra e é, pra mim, um dos maiores artistas e produtores pop que o Japão tem; tem a ver com Eiichi Ohtaki, que também viria a ser um produtor e cantor solo.
E tem a ver com o "último" show do Happy End (entre aspas porque depois rolaram uns shows de comeback), que deu no álbum ao vivo Live Happy End. Quem participa desse show? O Sugar Babe, uma banda que meio que herdou esse público (que era escasso, vamos falar a verdade: Happy End era uma banda underground durante a sua existência que depois adquiriu um status cult, Sugar Babe idem).
Se o Happy End teve vida curta, com apenas três discos de estúdio lançados, imagine que o Sugar Babe teve apenas um! Songs, de 1975, conseguiu ainda assim ser uma pedra de Roseta. Lançado pela gravadora Niagara, tinha produção de… Ohtaki (aliás, é ele quem está com a banda nessa foto do topo).
Então vamos começar - e enquanto isso você vai ouvindo uma coisinha.
(Downtown é o único single de Sugar Babe. E já é BEM city pop, vamos combinar!)
Tudo começa com Taeko Onuki. Ela entrou na faculdade de artes, ficava desenhando, bem esforçada, mas isso piorou um problema que ela tinha nos ombros. O médico a proibiu de continuar desenhando assim. Ela já gostava de cantar, então continuou cantando, apesar de não levar aquilo a sério. Aí a chamaram para participar de uma banda folk, a Sanrincha. Ela foi, mas não combinava – as letras que ela escrevia não tinha a ver com o estilo da banda. Acabou que se separaram.
Enquanto isso, em 1972, um cara chamado Tatsuro Yamashita estava produzindo e lançando o álbum independente Add Some Music to Your Day, com covers de Beach Boys e outros roquinhos. A gravação era meio uma ação entre amigos, e contou também com Kunio Muramatsu.
Pelo que entendi, existia uma loja de discos que Onuki frequentava e que fazia showzinhos no porão toda quarta-feira, após o horário comercial. Yamashita levou esse disco, Add Some Music to Your Day, para vender lá. O dono (ou gerente? acho que na verdade gerente) Yoshiro Nagato ouviu o disco, gostou e meio que rolou um “vem aí que a gente tá tirando um som no porão e tem uma cantora, a Taeko Onuki, que tá fazendo uma fita demo".
(Não deve ter sido assim, os japoneses são mais formais, mas você entendeu a ideia)
Foi assim que Onuki e Yamashita se aproximaram.
Nisso, Yamashita já estava pensando em ter uma banda para tocar suas músicas próprias – a que foi formada para gravar o Add Some Music to Your Day já estava dissolvida. A primeira pessoa que ele chamou? Onuki. Ela, que queria gravar solo depois da experiência ruim com a Sanrincha, acabou convencida. E ainda mudou de instrumento: voltou para o teclado, que era algo que não tocava desde que era pequena, porque Yamashita achava que “em banda, mulher tocava teclado” (hum, que cheirinho de irmãos Dias Baptista, né?).
Muramatsu se uniu a eles na guitarra, assim como os membros que depois sairiam Kikuo Wanikawa (baixo) e Akihiko Noguchi (bateria – esse tocou com bastante gente conhecida depois, como Mariya Takeuchi).
E aí decidiram o nome da banda, que veio de uma música do filme Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni. Não seria por falta de referências cult que eles fariam sucesso…
A partir daí, parece que Ohtaki (lembra? Lá do Happy End!) de alguma forma ouviu o disco de Yamashita, aquele Add Some… – e deve ter gostado porque começaram uma relação de amizade, com eles (Yamashita, Onuki e Muramatsu) visitando Ohtaki com constância. Foi aí que surgiu o convite para eles fazerem o coro naquele show do Happy End que citei no começo do post. Ao mesmo tempo, Onuki e Yamashita seguiram trabalhando em músicas próprias para o Sugar Babe.
Começaram a pintar mais shows ao vivo, para a própria banda. Foi um desses que Yumi Arai viu, o que resultaria também num convite para a banda participar de um disco dela.
Sobre essa coisa de todo mundo se conhecer e se cruzar, Onuki explicou em entrevista para o projeto Red Bull Music Academy:
Em 1974, no calor das criações do que viria a ser o disco Songs, Sugar Babe fez um show em Osaka que entrou para a história da banda. Mas não por ter sido um sucesso - eles foram vaiados! Onuki diz que o público gritava que eles soavam como um monte de cigarras.
Isso de alguma maneira me soa como um elogio? Enfim, não era um elogio. O som que Sugar Babe propunha era diferente, inclusive tecnicamente. Não entendo muito de música, porém me parece que eles usavam acordes de uma maneira que não era comum para bandas nipônicas de rock.
Ah, e isso é outro fator: o Sugar Babe era, mais do que rock, pop - coisa que não existia no Japão. Ou seja, provavelmente os jovens japoneses achavam que, entre os vendidos para o “inimigo capitalista estadunidense", o Sugar Babe era o mais vendido de todos!
A gravação do Songs foi concluída em 7/03 de 1975. Em questão de meses – mais especificamente em julho – o Sugar Babes terminava seu contrato com o mítico selo Niagara, lar de vários álbuns que viraram clássicos raríssimos hoje em dia. A Niagara agora só iria ajudá-los nos shows.
Importante dizer que, na paralela, Yamashita ia fazendo outras coisas, tipo compor e arranjar Koibito to Yobarete, da cantora Mayumi Kuroki:
Também é em 1975 que uma estudante ouviu o Sugar Babe em uma apresentação ao vivo. Depois, ela virou cantora, casou com o band leader Yamashita e, produzida por ele, cometeu um hit que faria o City Pop voltar a ser conhecido nos anos 2000: Plastic Love. Sim: Mariya Takeuchi em si chegou a ver um show do Sugar Babe quando eles ainda existiam!
Se você observar a turma com quem esse pessoal tocava em shows , vai reparar em alguns outros nomes pulando por ali: Akiko Yano e Ryuichi Sakamoto (que depois casaram), o próprio Haruomi Hosono (ex Happy End e então futuro Yellow Magic Orchestra) e por aí vai.
Em janeiro de 1976, Yamashita reuniu Onuki e o resto da banda, tipo confraternização de Ano Novo, com uma má notícia: Yuata Uehara, que ficava a cargo da bateria, ia sair, e não havia substituto. O Sugar Babe acabou ali, apesar deles ainda terem participado de alguns shows. A sementinha, de qualquer forma, já estava plantada e ia dar muitos frutos…
Nesse mesmo ano, alguns outros discos começaram a aparecer. Um deles é o Niagara Triangle vol. 1, de Yamashita, Ginji Ito e Eiichi Ohtaki.
E no mesmo dia, 25 de março de 1976, saiu o álbum Flapper, de Minako Yoshida. Também é ligado ao Sugar Babe porque conta com vocais de Yamashita e Onuki em algumas músicas.
Uma coisa interessante dos integrantes do Sugar Babe é que o City Pop seguiu ligando-os. Yamashita, por exemplo, considerado o “rei do City Pop” por muita gente, lançou seu primeiro álbum solo em 1976 mesmo, o Circus Town. Hoje, toda a sequência que ele fez na década de 1970 é considerada um clássico (inclui o meu preferido Spacy de 1977, Go Ahead! de 1978, It’s a Poppin’ Time de 1978 e Moonglow de 1979). Em 1980, fez MUITO SUCESSO com Ride on Time, um álbum que teve a música homônima em trilha sonora de propaganda - acho que já falei por aqui sobre como isso é comum no Japão, músicas de comercial alcançarem o topo das paradas.
Ride on Time também traz uma música chamada My Sugar Babe, uma homenagem à banda!
E não estranhe os títulos em inglês de álbuns e músicas, isso é completamente normal no City Pop e algo que o j-pop herdou. Também é comum que as músicas tragam trechos das letras e/ou refrão em inglês.
E se Yamashita é o rei, Takeuchi é a rainha - já fiz um post bem extenso sobre ela e seu sucesso tardio do outro lado do mundo com Plastic Love, então leia lá!
Também em 1976, Taeko Onuki já saiu com um disco, o Grey Skies, que conta com guitarra de Hosono e teclados de Sakamoto. Mas é Sunshower de 1977, com seu som mais jazzy misturado ao pop, que viraria cult.
E Sunshower aparece num anime lançado recentemente. Isso mesmo, o disco em si.
Palavras que Borbulham como Refrigerante conta a história de um rapaz que odeio barulho e escreve haikais (aquelas poesias japonesas contemplativas com um número de sílabas contado) e de uma garota que é influencer e é complexada por ser dentucinha. Os dois se aproximam, mas aí surge uma história de fundo: a do Seu Fujiyama, que está numa procura incansável por um vinil que perdeu e só possui a capa.
Não vou dar spoiler, mas num certo momento da trama eles vão parar em uma loja de vinil e, entre os discos que aparecem, está o Sunshower.
A voz da música principal que toca no anime é de Taeko Onuki!
E também é importante dizer que a trilogia de destaque de Onuki é mais eletrônica do que o city pop costuma ser, com Romantique (1980), Aventure (1981) e Cliché (1982).
Acho importante dizer que Kunio Muramatsu, outro ex-integrante do Sugar Babe, também lançou discos solos na década de 1980, mas sem tanto destaque quanto Yamashita e Onuki.
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