Não gostei de Rocketman, mas talvez você devesse ir mesmo assim para tirar suas próprias conclusões
Para começo de conversa, tenho muita dificuldade com textos críticos de cinema que vejo por aí. Eles não me parecem muito práticos: basicamente não me dizem se eu deveria pagar uma grana para assistir no cinema (que está pela hora da morte!), se eu deveria esperar chegar na Netflix, se é melhor assistir na telona do cinema do que na telinha da TV, se não vale a pena perder o meu tempo. Às vezes é legal saber da cinematografia, às vezes é interessante pensar no contexto histórico e correlacionar a obra com outros filmes do mesmo diretor, mas que tal me dizer - com argumentos, faz favor! - para quem esse filme é, quem vai gostar e quem definitivamente não vai gostar? Não raro me vejo assistindo um filminho despretensioso no avião e pensando “pô, por que ninguém me disse que eu ia amar esse filme??” Sim, é com você que estou falando, caro crítico de cinema.
Por isso tudo, vou tentar explicar aqui porque não gostei de Rocketman, mas sei lá… talvez você goste. Vamos tentar!
Primeiro: não sou o maior fã de Elton John. Você é? Sim? Então talvez você ame. Muito bem.
Em segundo lugar: existem, para mim, dois tipos de musicais. O tipo Bohemian Rhapsody e Nasce uma Estrela, que tem música mas ela entra num contexto, geralmente são de artistas cantando suas músicas no palco, em estúdio de gravação ou em um momento de composição. Costumo gostar desses.
E existem aqueles tipo Disney, tipo Evita, tipo Glee: a personagem é rejeitada e começa a cantar pela rua sobre a sua dor, o feirante e a mocinha carregando um pão entram no coro, o trânsito para, os motoristas saem do carro e começam a fazer uma coreografia… Como sobrevivi a uma sessão inteira de La La Land? Socorro! Para mim o ápice disso é West Side Story no teatro, quando a Maria ouve a campainha e pede para a pessoa esperar um minutinho… cantando.
Isso acontece mesmo na peça? Acho tão surreal que às vezes penso que foi coisa da minha cabeça.
Então sou o tipo de gay que não gosta desse segundo tipo de musical. Confisquem a minha carteirinha do vale dos homossexuais, me prendam, declaro-me culpado! I hope you don’t mind.
Isso tudo posto, chegamos ao cerne. Sobre o que é Rocketman? Sobre Elton John, claro, um cantor-compositor incrível, que inclusive está vivo e é um dos produtores executivos do filme - acho importante salientar essa parte. É, portanto, uma visão bem parcial, imagino. Só daí já dá para entender o tanto que o personagem John Reid, que é uma espécie de interesse amoroso de Elton (para não dar muito spoiler), é pouquíssimo complexo, retratado de maneira caricata.
Mas, de novo, sobre o que é Rocketman? Ele é muito focado no fato de Elton ser adicto. A história já começa com ele chegando em uma clínica de reabilitação. É sabido que isso é um ponto de virada na vida dele, e se transformou em uma espécie de bandeira ao lado de outra ainda maior, a importância da pesquisa sobre o HIV e a campanha contra a Aids. Em Casa Versace, o livro, a autora Deborah Ball conta que ele foi o grande responsável por uma intervenção com Donatella Versace, que era usuária de cocaína. Na época ele já estava sóbrio.
Encarando o filme como uma trajetória de alguém que se descobre adicto, vai até o fundo do poço e depois se recupera, não acho o desenvolvimento do roteiro bom: você entende a família disfuncional e o vazio que esse Elton fictício sente, mas esse fundo do poço não me convenceu. Incomodou-me uma cena em especial - é spoiler, então se você não quiser saber, pare de ler agora e, se quiser, volte depois desse próximo parágrafo.
A cena da orgia, para mim, é muito muito muito MUITO moralista. Incomoda-me aqueles olhares todos encarando-o. Se ele não estava se sentindo bem com aquilo, há outras maneiras de resolver isso cinematograficamente. Olhos julgadores de participantes da própria orgia colocam o julgamento no olhar do outro, e não no do próprio personagem. Ele se incomodava com o que os outros iam pensar ou como ele mesmo estava se sentindo? Pendeu para a primeira opção. Achei bem nada a ver, e se é isso mesmo que o Elton da vida real sente quando relembra seu passado, sugiro mais terapia.
Então, por que não gostei do filme? Foi só por causa de uma cena? Não.
É que outra história, ao meu ver mais latente e que é o que diferencia a história de Elton John da de vários outros artistas, é: como ele, um cara que veio da classe trabalhadora inglesa e que tinha muito talento mas não tinha uma beleza clássica padrão nem uma sexualidade padrão, venceu num mundo onde ser padrão era algo visto como essencial para ser bem sucedido? Como aquele queer que se vestia de maneira tão extravagante que chegava a ser agressiva para os normativos (aliás, o figurino é 10/10, parabéns para Julian Day que também assina os looks de Bohemian Rhapsody) conseguiu ainda assim vencer pelo talento e pela força de suas músicas?
Era essa a história que fui ver, e essa história ficou mal contada.
E aí, você vai assistir? Você gosta de musical? Você gosta de Elton John? Se sim: assista!