Dois filmes no Instituto Moreira Salles completamente diferentes: mas então por que vejo ligação?
Bara no Sôretsu (1969), que chama O Funeral das Rosas no Brasil, é um filme que ganhou um monte de fãs por ser bem peculiar: tem uma estrutura à nouvelle vague (tanto que alguns o chamam de nouvelle vague japonesa) com direito a momentos cartunescos (balões de fala, fast forward), outros documentais, outros com belíssima fotografia. Essa cena é TUDO:
Entre outras coisas, o longa de Toshio Matsumoto ficou conhecido por ser uma enorme fonte de inspiração para Laranja Mecânica (1971), como fica explícito nesse vídeo:
O próprio Stanley Kubrick confessava a inspiração, apesar dos longas terem tão curto tempo entre o lançamento de um e outro.
Mas o que mais chama a atenção (pelo menos para mim) nesse O Funeral das Rosas é o retrato das mulheres trans e da cena noturna LGBTQ do Japão naquela época. Se o preconceito racial no país, como falei nesse post, já é forte, imagina a LGBTQfobia? É uma doideira.
No Japão (e na verdade, pelo que sei, em grande parte da Ásia), um homossexual afeminado é um pouco mais “aceito” do que um homossexual mais masculino. É um raciocínio meio tortuoso e que para nossa lógica ocidental fica ainda mais difícil de entender: “melhor que não nos engane”. Enganar quem, né, cara pálida? Eu hein. Também acho que a heteronormatividade vê a feminilidade como algo menos ameaçador. Nessa toada, faz sentido a retratação da transexualidade, ainda mais se elevada ao status de arte. Se fossem só homens gays na trama, talvez o filme seria impossível de ter acontecido!
A boa notícia é que na programação desse mês do Instituto Moreira Salles de SP está O Funeral das Rosas! Boa oportunidade de ver o longa na telona, hein?
Outro filme que também está em cartaz no cinema de lá e que assisti é o cearense Inferninho, de 2018.
Um se passa em Tóquio, outro em Fortaleza. Ambos mostram um mundo underground e noturno, personagens extravagantes (o coelho do Inferninho é uma pérola, a cantora Luizianne é outra), protagonista transexual e asiática. Yuri Yamamoto é poderosa como Deusimar, a dona do Inferninho em questão, e ao mesmo tempo tem a prosódia cearense, uma combinação de humor zombeteiro e máscara trágica que culmina em complexidade, uma personagem palpável e humana. E o longa Inferninho em si também tem características experimentais, guardadas as devidas proporções, especialmente no fim. O roteiro, mesmo não se prendendo a nenhum gênero, consegue envolver. Não é muito realista, mas acredite: no geral a ficção é uma mentira que dá certo.
Não é um filme para todos os paladares. Mas foi para o meu.
Confira a programação de cinema do Instituto Moreira Salles nesse link! E prestigie não só o cinema comercial, vá também assistir a filmes do circuito alternativo - é legal, é diferente, abre a cabeça e o coração. Essa foi a dica do He-man de hoje - tchau!
(e obrigado Camila Barros pela dica de filme! adorei!)