A outra Legião
Duas bandas que nasceram praticamente juntas, em 1982. Cantam na mesma língua. Só que foram divididas por um oceano! Muita gente tem preconceito com a Legião Urbana mas comigo é um amor antigo e adolescente: eu era simplesmente hipnotizado pelas músicas. Teve uma viagem longa que fizemos de carro (eu, meu pai, minha mãe e minha tia) e, segundo relatos do arquivo Wakabara de cartas revisto recentemente, ela aconteceu em 1996 (ou seja, eu tinha 15 anos). Comprei uma fitinha cassete de As Quatro Estações (1989) em uma parada na estrada e ela não saiu do rádio, convenci todo mundo que essa seria a trilha sonora enquanto estávamos na estrada.
Dizem que a ideia inicial de Renato Russo e Marcelo Bonfá, os primeiros integrantes da Legião, era revezar guitarristas e tecladistas para completar o grupo formado por Russo, que naquele momento tocava baixo e já era o vocalista, e Bonfá, baterista. A ideia, portanto, de uma "legião de músicos". E também tem a frase do imperador romano Júlio César que diz Romana Legio Omnia Vincit (legião romana a tudo vence), que foi adaptada pelo grupo e aparece em vários materiais deles: Urbana Legio Omnia Vincit.
Mas você sabia que existe uma banda portuguesa chamada Sétima Legião?
A Legio Septima Gemina romana foi enviada para a Lusitânia no século 1 D.C. Gemina vem de gêmeos e se refere a Remo e Rômulo, os fundadores de Roma segundo a lenda. Lusitânia, para quem não sabe, era uma região que ficava onde hoje está Portugal além de Estremadura e parte da província de Salamanca.
Isso tudo inspirou o nome do grupo formado por Pedro Oliveira (vocais e guitarra), Rodrigo Leão (baixo e teclado) e Nuno Cruz (bateria). Se você ouve a música deles, dá para perceber que ambas Legiões beberam da mesma fonte: eles queriam ser ingleses, mais especificamente de Manchester. E até as capas de disco da Sétima Legião são bem próximas das da Legião Urbana:
Essa é a trilogia clássica da banda. A gente não acharia estranho se os títulos estivessem na discografia da banda do Renato Russo, né? A temática de espiritualidade e do amor são bem presentes. Um dos maiores hits, Por Quem Não Esqueci, traz a seguinte letra:
”Ainda procuro,
Por quem não esqueci.
Em nome de um sonho,
Em nome de ti.
Procuro à noite,
Um sinal de ti.
Espero à noite,
Por quem não esqueci."
Parece aquelas cantigas que a gente aprende quando estuda trovadorismo na escola, né? De 1989, musicalmente ela é bem Legião Urbana - Ricardo Camacho já fazia parte do grupo e traz um teclado bem próximo dos cometidos depois por Carlos Trilha para a Legião brasileira. Ouça:
Mas o caso que eu acho mais instigante é de outro hit da Sétima Legião, a Sete Mares. Assista à versão ao vivo gravada em 2012 num show de reunião da banda:
Sim, é uma música que fala do passado de conquista dos mares do reino de Portugal!
”Se os mares são só sete
Há mais terra do que mar...
Voltarei amor com a força da maré
Ai, cidade à beira-mar
Ao sul”
Ela é do disco de 1987, Mar D’Outubro. Parece que quando toca o povo morre de saudades e nostalgia (bom, eles fazem isso o tempo todo, são portugueses, né?), se abraçam, é tipo hino da juventude, tipo… Há Tempos? Tempo Perdido? Pais e Filhos?
E finalmente recomendo Glória, o hit do primeiro álbum de 1984, que começa com a misteriosa frase “A morte não te há-de matar":
Depois desses 3 álbuns, a Sétima Legião se perde um tanto. O álbum O Fogo (1992) já não faz o mesmo sucesso. E Rodrigo Leão se afasta - é que junto com a Sétima Legião, ele também estava em uma outra banda que era um projeto paralelo e acabou ganhando mais sucesso internacional. Nada menos que Madredeus! Ele esteve lá de 1985, como um dos fundadores, e ficou até 1994. Leão saiu das duas bandas para se dedicar a uma carreira solo. Para quem nunca ouviu Madredeus, recomendo o álbum O Espírito da Paz de 1994, o último com Leão ainda na banda. É música meio folk portuguesa, meio prima do fado, meio gostosinha para ficar de fundo. Quem tinha esse CD do Madredeus provavelmente tinha o Shepherd Moons (1991) da Enya, para você ter ideia do clima. Era a época que Enya ainda não era um clichê. A trilha sonora do filme de Wim Wenders Lisbon Story (1995) trouxe a fama internacional para o grupo de Portugal, mas Madredeus já era conhecidinho no Brasil nessa época.
Em 1999 todo mundo pensava que a Sétima Legião tinha terminado, porque afinal já tinham passado 7 anos desde o último álbum de inéditas. E era melhor ter terminado mesmo, porque eles apareceram com Sexto Sentido, uma bobagem cheia de coisas eletrônicas e samplers. Na época a crítica especializada do país até elogiou, mas hoje, olhando com distância, é datadíssimo.
Prefira a Sétima Legião dos anos 1980, com seus toques celtas estranhamente atraentes: