Pierre Cardin & Jeanne Moreau
A dupla mais conhecida de atriz e estilista que se tem notícia é Audrey Hepburn e Hubert de Givenchy – juntos, eles criaram um estilo, dentro e fora das telonas. Menos famoso mas com imagens icônicas, temos o duo Catherine Deneuve e Yves Saint Laurent: quem já assistiu A Bela da Tarde e Fome de Viver sabe. Só que Deneuve era bem menos fiel a YSL, apesar de adorá-lo, tanto que virou o rosto da campanha do perfume Chanel No. 5 e, assim, também ajudou a fragrância a virar um ícone eterno.
Mas existem outras duplas formidáveis por aí. Talvez a menos, digamos, heterodoxa e burguesa seja a formada por Pierre Cardin e Jeanne Moreau. Não digo isso na questão de imagens de moda criadas por eles (Moreau, assim como Deneuve, usava outros estilistas). Mas sim na relação entre eles: Cardin, homossexual que nunca esteve no armário, teve um relacionamento amoroso com Moreau. De fato. Ele já disse publicamente que eles transaram – um desses momentos, aliás, hilário, está no documentário O Império de Pierre Cardin, que abriu a edição desse ano da mostra de documentários fashion Feed Dog. A mostra já acabou, e de qualquer forma o filme só passou na abertura.
Já uma estrela de considerável fama, pós-Jules e Jim, Moreau encontrou Cardin enquanto experimentava uma de suas criações. Eles passaram cerca de cinco anos juntos e permaneceram amigos após o término. Dizem que Moreau, uma mulher que gostava de sexo e não escondia de ninguém (imagina isso nos anos 1960), devia ter ficado atraída pelo desafio de conquistar um homem gay. Acho que, na verdade, nenhum dos dois restringia suas possibilidades tampouco ligava para regras sociais, e assim se permitiram viver uma história juntos. Tem coisa mais chique que ser livre de amarras? Moreau, acima disso, já era (ao meu ver) uma atriz completa que não se contentava com o posto de musa que tantas outras se encaixaram na nouvelle vague. Nada contra musas, pelo contrário, amo todas. Mas Moreau tinha mais dimensões e imprimia profundidade.
Enquanto isso, Cardin não era um neófito no cinema. No começo de sua carreira, ele fez o figurino de nada menos que… A Bela e a Fera de Jean Cocteau, de 1946!
Era natural que Cardin se envolvesse com figurino de cinema, porém sua verdadeira adoração é o teatro. Ele chegou a ser dono de um. E fez inúmeros figurinos para o palco.
A duplinha Moreau-Cardin aparece nas telonas pela primeira vez em A Baía dos Anjos (1963), de Jacques Demy, então um diretor ainda desconhecido, no qual a atriz interpreta Jackie, uma jogadora compulsiva.
O figurino não é estonteante mas é bonito. O look total loira é mara!
Depois, viria Peau de Banane no mesmo ano de 1963, direção de Marcel Ophüls. Ela contracena com Jean Paul Belmondo.
A comédia traz Moreau como Cathy, que quer vingança dos sócios de seu pai que o roubaram. Ela se associa com três malandros, sendo um deles seu ex-marido, Michel, interpretado por Belmondo.
Em 1964, Moreau encarnaria um mito histórico que já havia sido interpretado por outras – inclusive por outro mito, Greta Garbo. Era Mata Hari, agora vestida em looks Pierre Cardin. A direção era de Jean-Louis Richard.
Os looks de festa e de show (afinal, Mata Hari era uma espiã dançarina) são bem mais arrojados do que ele inventou anteriormente para Moreau. Gosto particularmente da transparência, o peitinho pra jogo e tals!
Em 1965, saía Viva Maria!, a comédia de Louis Malle que juntava Moreau com Brigitte Bardot nos papéis principais.
A história é bem doida: em 1907, no México (?!), uma Maria (Moreau) é filha de um terrorista irlandês que morre. Aí ela encontra outra Maria (Bardot), uma cantora de um circo. Elas acabam formando uma dupla, inventam o strip-tease (?!?) e de repente se vêem no centro de uma revolução socialista (????) contra um ditador e a igreja.
Mais ou menos nessa época, o México realmente passou por uma revolução que o tirou de um regime ditatorial. E mais ou menos na época do lançamento do filme, países da América Latina viraram ditaduras militares (o México não). Ou seja, o filme era tanto uma paródia solta com certa referência leve à história quanto um comentário a respeito do que estava acontecendo no mundo naquele momento.
O figurino de Cardin, claro, é de época. E uma curiosidade: Moreau ganhou o BAFTA de Melhor Atriz Internacional com Viva Maria!
O próximo filme com a dupla Moreau-Cardin é Le Plus Vieux Métier du Monde (1967), que na verdade é um conjunto de curtas que trazem histórias de prostitutas (na tradução, o título é “a profissão mais antiga do mundo”). A com Moreau (que é a única a usar looks Cardin no longa) é Mademoiselle Mimi, dirigida por Philippe de Broca. Conta com outras atrizes nos outros segmentos como Elsa Martinelli e Rachel Welsh.
A colaboração derradeira para o cinema entre Cardin e Moreau é um filme brasileiro. Joanna Francesa, de 1973, é de Cacá Diegues, se passa nos anos 1930 e traz Moreau como a Joanna do título. Dona de uma casa de prostituição em SP, ela aceita ir com Coronel Aureliano (Carlos Kroeber) para o engenho dele no interior de Alagoas e lá conhece outra realidade.
Duas curiosidades:
. Cardin também participou do filme como ator. Ele é Pierre, o cônsul francês de São Paulo e ex-amante de Joana, de terninho branco.
. Moreau foi dublada para Joanna Francesa. A responsável por sua voz é ninguém menos que… Fernanda Montenegro!
Acho interessante o figurino de Joanna e do universo ao seu redor, bem setentista no começo, cheio de cores no bordel, e depois mais areia, mais terroso, tanto nela quanto nos alagoanos.
Jeanne Moreau fez muitos outros filmes depois de Joanna Francesa, mas, ao que consta, nunca mais usou um look Cardin na telona. Eles seguiram amigos até o fim da vida dela, de qualquer forma. Moreau morreu em 2017.
Chico Buarque que fez a música tema do longa, como se sabe. Aqui, um vídeo dele falando sobre a composição:
Será que a voz do Cardin mesmo, nesse trecho??
Cardin segue vivo. Ele está com 98 anos.
Por que a dupla Cardin+Moreau não é tão reconhecida quanto Hepburn+Givenchy ou mesmo Deneuve+Saint-Laurent? Eu respondo: porque não é tão impactante visualmente falando. A história é melhor que as imagens. Eis, então, a história!
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