O diretor da adaptação cinematográfica de O Gênio do Crime conta tudo!
O cinema nacional está num momento tenso. Principalmente a sua história: a gente sabe como anda a situação da Cinemateca. Quem nunca foi nos arquivos não faz ideia da riqueza daquilo (eu já fui, só na parte de papelada, e é chapante para gente que nem a gente, que é doida por histórias da cultura do século passado). Então, antes de mais nada, segue um apelo: prestigie o cinema nacional e exijamos uma resposta do ministério do Turismo, que atualmente é onde fica a secretaria federal da Cultura, e de, bem, Mario Frias – até quando ele durar.
Sobretudo, assista a filmes nacionais. Comente-os. Não pare em Bacurau, juro que tem outras coisas boas esperando pela sua descoberta por aí.
Uma delas é a adaptação do livro O Gênio do Crime, de João Carlos Marinho, sobre a qual comentei nesse post na semana passada.
Assisti a O Detetive Bolacha Contra o Gênio do Crime (e você também pode fazê-lo, o longa está disponível no Vimeo, clique aqui e use a senha sanlo46). Fiquei emocionado – vocês não têm noção de como isso mexe com a minha memória afetiva, já que o livro é um dos que me lembro com muito carinho de ter lido na infância.
E aí mandei umas perguntas para o Tito Teijido, o diretor do filme, e ele me respondeu via Whats! Tito nasceu na Argentina mas é cidadão brasileiro faz quase 40 anos. Hoje tem 81 e mesmo assim arrumou um tempo para ficar exercitando sua memória – agradeço muitíssimo!
Recomendo que você assista ao filme antes de ler a entrevista! ;)
Como você chegou no livro?
Em 1971 recebi uma proposta de fazer um longa metragem por parte da produtora Lutafilmes. Lutafilmes era dedicada à cinema publicitário e eu também era da área, normalmente dirigia as propagandas como freelancer com eles. Estávamos na ditadura Médici e eu propus, por causa da censura radical e mortal em que não se podia fazer nada, um filme infantil, pois era algo que transitaria com mais facilidade. Assim, saí pelas livrarias à procura de literatura infantil. Encontrei O Gênio do Crime, que é um romance ótimo, perfeito, e é praticamente um roteiro cinematográfico, tanto é que escrevi o roteiro quase sem modificar nada, seguindo o texto original.
O filme, pelo que entendi, teve envolvimento do João Carlos Marinho na produção, certo?
Não participou da produção, mas ficamos amigos. Mostrei-lhe o roteiro e logicamente ele gostou muito porque não tinha pitaco, modificação, e nem havia razão para ter. O que me seduziu nesse romance foi o discurso pela liberdade num momento em que estávamos dominados pela ditadura. A liberdade de viver, de procurar novos caminhos, de sair investigando aquilo que não é justo, que não é certo, como era no caso da falsificação de figurinhas.
Quanto custou a produção?
Não sei. Nós fizemos um acordo: entrei como coprodutor sem cobrar cachê por isso. Não havia financiamento para esse filme e a política cinematográfica da época não era tão coerente como foi até agora pouco com o fundo setorial do audiovisual. Havia a Embrafilme mas era muito difícil conseguir esse financiamento.
Você disse no comentário do Vimeo que o filme foi feito sem dinheiro. É um milagre, porque não parece! A equipe era grande?
A produtora arcou com o custo de produção sendo que ela tinha o equipamento próprio, uma equipe pequena contratada. Desembolsou-se pouco dinheiro, acho que só com os atores e mesmo assim muito pouco. Era um cinema de guerrilha, a gente parava a filmagem para fazer comerciais quando eles entravam e continuava o filme no dia seguinte. Uma coisa romântica. Fico muito orgulhoso pelo resultado justamente pelas condições que tivemos para trabalhar, que foram pobres.
Onde vocês acharam os atores mirins?
Isso foi por indicação das pessoas. Por exemplo: desde que li o livro, visualizei o Cazarré como o protagonista Seu Tomé. E o Cazarré, acredite se quiser, indicou o irmão caçula dele, que é o que faz o Pituca. Eles são irmãos na vida real! O Edmundo foi uma indicação do João Carlos Marinho, filho de um amigo dele. E não me lembro quem indicou o Bolacha! Lembro que o Arlindo era do bairro do Canindé e o pai tinha uma venda, era português. Aliás, nunca mais o vi.
E você sabe onde os outros estão agora?
Faz 46 anos que fizemos esse filme, agora eles são homens de 58 anos, 59! Parece mentira, né? O Cazarrezinho é professor de Direito na Unicamp ou na PUC, em Campinas. O Fernando Uzeda, que fez o Edmundo, é locutor, narrador. Era da rádio Cultura e hoje é freelancer. E a menina que fez a Berenice entrou em contato comigo faz uns 10 anos por Facebook, a gente conversou um pouco, foi muito legal.
Onde foram filmadas as cenas do acampamento? E a do barco, com a Berenice e o Bolacha?
Foi num barranco do rio Tietê perto da confluência com o rio Pinheiros. Na época não existia o Cebolão e acho que nem a Castelo Branco. Escolhemos ali porque naquele lugar, do outro lado do rio, tinha uma casa que era um barraco de madeira, na beira do Tietê. Era perfeita como a moradia do cambista. Já a cena do barco foi na represa de Guarapiranga em Interlagos. Também usamos o bosque junto da represa.
Como foi o lançamento?
Foi ruim. Tivemos um desacordo eu e a produtora, porque ela estava desesperada para recuperar algum dinheiro e lançou o filme na mesma semana em que estavam começando as aulas. Filme infantil tem que programar no verão ou nas férias de julho, isso foi um tiro no pé. Ficou duas semanas em cartaz e sumiu, condenado ao ostracismo. Depois houve um apoio especial ao cinema infantil, o Cinema Livre, com as salas obrigadas a veicular filmes livres de censura nos horários da tarde. Assisti no CineSesc, não lembro como chamava na época, depois do lançamento e dentro desse programa. Lá o cinema lotou, as famílias chegavam de carro, deixavam as crianças lá e depois pegavam quando a sessão acabava. Foi uma realização maravilhosa para mim. A molecada torcia aos gritos, berros, batendo palma durante o filme todo. Se o lançamento tivesse acontecido durante as férias, a história teria sido completamente outra.
Você já chegou a ser abordado por algum serviço de streaming para colocar o filme neles?
Não e nem faz sentido, o filme não é conhecido. Só que graças ao sucesso do livro, continua sendo visto até hoje nesse link do Vimeo. Como o livro segue indicado nas escolas, por todos esses anos tive contato com muita gente que queria saber do longa e assisti-lo, por isso o coloquei na internet. Já quis fazer do filme uma minissérie, faz uns 15 anos, mas o João Carlos pediu um dinheiro absurdo e então desisti, não me interessei mais. E também teve uma produtora que quis fazer uma outra adaptação e não conseguiu um acordo. João Carlos estava pedindo uma coisa de quase um milhão de reais, um delírio. A minha ideia era fazer a minissérie do Gênio do Crime e depois seguir com o Caneco de Prata, com os outros livros. Acho que ele pediu um valor alto para evitar que fosse feito, não sei.
Você só dirigiu esse longa. Por que não dirigiu mais?
Olha, cheguei aqui em 1968, em 1972 fiz o filme. Estava começando minha carreira no Brasil. Também tive incursões no teatro, mas tudo evoluiu para eu ser dono de uma produtora de filmes publicitários. Ela já existia e eu comprei uma parte. Fui evoluindo e crescendo dentro da publicidade. A produtora chamava 3T, de Tito Teijido e Ticão, que era meu sócio, chegamos a ter 50 funcionários. O cinema evoluiu por outros caminhos, veio a Ancine e etc. Nunca soube me agitar ou me promover, apesar de ter tido sucesso como diretor de filme publicitário, para fazer mais longa metragem. E cada longa é uma empatação de tempo muito grande. Tive intenções, cheguei a escrever três ou quatro filmes que nunca chegaram a ser feitos. Hoje vejo que nunca tive essa vocação para produtor cinematográfico. O diretor que tem sucesso nessa área tem que ser produtor e tem que se virar em todas as áreas para levar seus projetos à frente. Cheguei a lançar um documentário de 25 minutos que se chama O Mito de Iemanjá, acho que em 1977, e só! Minha carreira ficou na publicidade e depois, nos últimos anos, de teatro popular pelas estradas, com um projeto que se chamou Caravana Siga Bem.
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