We love you, P5!

Talvez você só conheça isso:

E tudo bem, eu também só conhecia isso no começo. Foi aí que conheci o Pizzicato Five, a banda que diziam que era uma versão japonesa do Deee-Lite (que eu adorava).
Mas não era bem assim.

Keitarō Takanami, Maki Nomiya e Yasuharu Konishi, que se convencionou como a formação clássica do Pizzicato Five

Keitarō Takanami, Maki Nomiya e Yasuharu Konishi, que se convencionou como a formação clássica do Pizzicato Five

Assim como todo mundo, o Pizzicato Five tem um passado. Ele foi formado em 1979 pelos membros fundadores Yasuharu e Keitarô ainda na universidade, e contava com mais 3 integrantes (daí vem o Five do nome). Mas na primeira gravação já tinham sobrado só quatro: os dois fundadores mais Ryō Kamomiya e Mamiko Sasaki. E adivinha quem produziu e lançou o primeiro EP deles? Nada menos que a lenda Haruomi Hosono, membro das bandas Happy End (que já contei aqui que é uma das minhas preferidas do mundo) e Yellow Magic Orchestra. O EP já trazia bastante do que o Pizzicato Five seria, mas não tudo: era o Audrey Hepburn Complex, e foi lançado em 1985.

Ou seja: já tinha referências vintage dos anos 1960, esse ar fofinho misturado com camp que só o P5 sabe fazer (?!?), uma vocalista que deveria ser cheia de pose (Sasaki não segura muito a onda, mas tinha potencial), um cuidado especial com o material de divulgação (clipe, álbuns, cartazes).
Um tempo depois, em 1987, o P5 lança o álbum Couples, que eu na minha opinião suspeita de grande fã acho uma maravilha, mas flopou.

É meio Carpenters, meio chanson, meio lounge music. Sou o feliz proprietário de uma unidade de um relançamento em vinil desse álbum. #fissuradinho
Depois dele, Kamomiya e a vocalista Sasaki saem. Quem entra é, surpresa, Takao Tajima, nada menos que o vocalista do Original Love!
Não entendeu nada, né? Bom, eu te garanto, Original Love é TUDO.

Sempre me lembrou o Jota Quest do começo, o que é uma coisa boa, que fique claro. Esse namoro com o soul, meio… artista da Trama, sabe? E essa nem é a minha música preferida do Original Love. É essa aqui:

Voltando: Tajima se dividiu entre o P5 e o Original Love uma época. Essa música, por exemplo, é dessa fase:

É estranho ouvir Pizzicato Five com uma voz masculina, né? Mas acho legal, também!
Acontece que, pelo que dá para perceber nas vendas, o povo não achou tão legal assim…

Em 1990, começa a mágica: Tajima decide se dedicar ao Original Love e entra Maki Nomiya. A formação mais clássica do Pizzicato Five, um trio, estava em ação. E mais clássica porque:
1. Em 1991 eles lançam o álbum This Year's Girl, que conta com o hit internacional Twiggy Twiggy que a gente viu no começo desse post;
2. É a partir desse momento que começam os comentários e maravilhamentos sobre o chamado Shibuya-kei!

Mas o que é Shibuya-kei?

Um movimento? Uma cena? Um gênero musical? Uma estética?
Shibuya é um bairro de Tóquio bastante comercial, cheio de moda, movimento e vida noturna, com unidades das lojas Tower Records e da HMV (para quem não sabe, no Japão a indústria de CD segue firme e forte!). Não sou tão fã de Shibuya - prefiro Shinjuku, que é central mas menos posudo, ou Asakusa, que lembra um Japão mais tradicional, ou Harajuku, com sua mistura kawaii-fashion-armadilha-de-turista.
(Na verdade prefiro mesmo é Osaka, a outra cidade… kkkkkkk)

O Shibuya-kei nasceu em Shibuya e agrupa bandas e artistas que gostam de uma estética meio kitsch, meio montação, meio era Showa em versão atualizada, meio música pop ocidental. Pense em Serge Gainsbourg com Jane Birkin, as melodias doces de Burt Bacharach, a orquestração de Phil Spector e do Beach Boys de Brian Wilson. Só que nipônico! No fundo, o P5 já era tudo isso. Acrescentou-se a cultura do sampler, do mixer, do cut-copy. Bem pós-modernasss! Outros que tinham essas referências em comum se juntaram a eles. Caso do Flipper's Guitar, que existiu por pouco tempo mas tem fãs fervorosos.

Depois do Flipper's Guitar acabar, um dos integrantes, Keigo Oyamada, seguiu solo assinando como Cornelius. E virou uma das maiores referências do Shibuya-kei.

O conceito elástico do Shibuya-kei inclui o próprio Original Love, as lindas do Cibo Matto (que na verdade foi formado em NY!), o DJ Fantastic Plastic Machine e o Buffallo Daughter. Tem quem inclua até o Dimitri from Paris (e sinceramente, para mim, faz sentido).

Voltando ao This Year's Girl. Já estava quase tudo lá. A voz (e a pose) de Nomiya, a figura dela como musa num comentário engraçado e estilizado sobre a cultura da celebridade, as referências sessentistas, a aura cool, o foco no individualismo sendo que a cultura japonesa tende a valorizar o coletivo (a faixa 2 é I, em que a vocalista fica explicando como ela é na letra, a faixa 3 é Ohayo, bom dia em japonês, tipo uma versão blasé de Cotidiano?! kkkk).

Existe essa tendência japonesa a achar tudo que é ocidental mais cool. Mal sabem eles… This Year’s Girl é um discão: Baby Love Child, Thank You, Party (regravação de música do repertório solo de Hosono lançada por ele em 1973) - tudo é fácil, pop. A maioria das músicas originais são de autoria de Konishi.

Uma curiosidade: Twiggy Twiggy é composição de Nanako Sato. E existe… uma primeira versão. De um disco solo de Maki Nomiya. De 1981!!!

twiggy-twiggy-maki-nomiya.jpg

É desse disco aqui

Existia um registro no YouTube mas sumiu :(

A versão do Pizzicato Five é bem mais animadona, e ganhou um "epílogo” instrumental de autoria de Konishi que dá todo um charme a mais e se chama Twiggy vs James Bond. A versão que a gente conhece são as duas músicas juntas!
Nanako, que é uma artista bem interessante, um dia desses regravou Twiggy Twiggy. Legalzinho. Mas acho mais legal o álbum Funny Walkin’ dela, de 1977! Pop disco jazz divertido, roquinhos inocentes, músicas com forte gosto retrô na boca (tipo o que a Rita Lee fez depois com Flagra, Só de Você e outros pops abolerados dela, e de certa forma também é o que o Pizzicato Five também faria algumas vezes).

Em 1992, chega o novo álbum Sweet Pizzicato Five e, com ele, o último elemento que faltava para a essência do grupo: o namoro com a música eletrônica. É por isso que existiam comparações com Deee-Lite, sacou? A primeira música do álbum é Tout Va Bien:

sweet-pizzicato-five.jpg

Capa e outra capa!

Nomiya abusava das perucas e montações, a identificação com a cena clubber foi imediata!

Também são dessa época duas músicas bem conhecidas que saíram em single: Sweet Soul Revue e Tōkyō wa Yoru no Shichiji (que fora do Japão virou The Night is Still Young e quer dizer Tóquio às 7h da noite). Ambas são uma delicinha, mesmo:

E aí começaram a sair as compilações da americana Matador Records. Se eu estou bem lembrado (provavelmente não, mas enfim), tinha lido em algum lugar essa comparação com Deee-Lite e, na Rua 24 Horas de Curitiba (?!??) tinha uma loja de CDs. Em uma viagem, vi a coletânea Made in USA na vitrine e comprei - ou fiz minha tia comprar? Sei lá. Foi amor - e vício - à primeira vista. Já gastei muito dinheiro com o P5. Foram CDs importados, singles, praticamente qualquer coisa que tivesse uma imagem da Nomiya!

made-in-usa-pizzicato-five.jpg

Cheguei a fazer um amigo por correspondência que morava nos EUA e que me mandava mix tapes com músicas do P5 (nunca o encontrei ao vivo). E quando Maki Nomiya veio para BH participar de um show da Fernanda Takai eu não pensei duas vezes - fui (obrigado mais uma vez Flavia Durante pela credencial alcançada). Tem uma história muito engraçada sobre isso: fui para Congonhas pegar o avião e lá vi uma mulher toda posuda de cabelo preto, com uns óculos escuros grandões, um lenço estiloso na cabeça e uma entourage. Pensei "MEU DEUS DO CÉU, SÓ PODE SER A MAKI NOMIYA". Fui chegando perto e fazendo uma cara de paisagem, como quem não quer nada. Mais perto. Mais perto. Mais perto. E aí ouvi a mulher falando.

A voz não deixava dúvidas.
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Era a Marisa Monte.

Sim, confundi a minha cantora japonesa preferida com a Marisa Monte.
Ah, a miopia… kkkk

Em 1994, Takanami saiu e o trio virou dupla. Em seguida, apareceu um dos meus álbuns preferidos do P5, Overdose, que é inspirado em NY. Entre as músicas, essa:

Soul delicioso! Também tem várias outras tipo On the Sunny Side of the Street e o rock Superstar:

1995 viria com o álbum Romantique 96, que sinceramente não acho tão forte apesar de ter coisas como Tokyo Mon Amour, The Sound of Music, Triste e Nata di Marzo. Em algumas músicas, ele me parece antecipar a vontade de voltar ao pop dos anos 1960 mas agora com referências menos kitsch, que são levadas mais a sério, tipo… bom, vamos falar logo: tipo Beatles. Se você pensar bem, olhando agora com distância, o P5 estava fazendo o seu próprio britpop, que era mais pop. Meio Abbey Road, meio álbum branco e mais McCartney e Harrison que Lennon.

Ah, e a oitava faixa é Contact, uma versão da música de Brigitte Bardot composta por Gainsbourg! Acho um charme, e era a cara dos anos 1990 o indie ouvir Gainsbourg, lembra? A versão original segue abaixo:

A partir daí, P5 lançou alguns singles e EPs ótimos mas, na minha opinião, o encanto começou a se quebrar. :( Mas calma - teve o single Baby Portable Rock em 1996:

E teve a Sister Freedom Tapes no mesmo ano, que é total Beatles e eu AMO:

Acho todo o resto que veio depois redundante e pior - desculpa para quem adora Happy End of the World e Playboy Playgirl, para mim é meio bobagem. Bobagem gostosa, mas bobagem. kkkkkk
PORÉM o último álbum, Çà et là du Japon, saiu em 2001 e é bem interessante por ser diferentão. Uma homenagem ao Japão no inverno (?? kkkkk), ele já traz poucas músicas com Nomiya e vários convidados, como Bertrand Burgalat. Fico encantado também com a versão de AIUEO, originalmente do seminal álbum Kazemachi Roman da banda Happy End, em uma pegada bem bossa nova. E Gotta Call’em All!? Sim, é uma versão da música de Pokémon. QUENDA!

Parece que tá rolando uns relançamentos de Pizzicato Five recentemente.

Tem pouquíssima coisa deles no Spotify, mas Nomiya em si continua firme em sua carreira solo. Um de seus álbuns, de 2014, resgata sucessos do… Shibuya-kei! Tem coisas do Pizzicato Five, tem a música que gosto do Original Love... Adoro.

E chega, que já tá bão demais, né?

Tchau!

Tchau!

Obs.: Se você chegou até aqui, talvez também se interesse por esses posts abaixo!

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ATUALIZAÇÃO 13/12/2019: TEM PIZZICATO FIVE NO SPOTIFY!
Chegou a compilação! ESTOU TÃO FELIZ!!!

Pink ou punk? A Chai quer democratizar o kawaii

“You are so cute / nice face / yeah, come on!”
É assim que começa a música N.E.O. do álbum de 2017 da Chai, a banda formada por quatro meninas japonesas que lembram CSS e mais um monte de coisa. Tem uma parte que diz neokawaii, neokawaii, neokawaii para não deixar dúvidas a respeito do que elas querem: uma revisão do que é considerado kawaii.

BREQUE - antes de dar o play no vídeo abaixo, você ainda não sabe o que é kawaii? OK, segue a lista de posts que você precisa ler antes de soltar o freio de mão:

Memória afetiva
O que é kawaii?
A rainha & a embaixadora do kawaii
O lado dark do kawaii
Harajuku: a meca do kawaii

Pronto? Ah, agora sim! Play:

O primeiro álbum da Chai, de onde sai essa música, chama-se Pink. E adivinha como chama o segundo, de 2019? Sim: Punk!

Elas têm essa coisa meio… empoderadora? Enfim, acho interessante a ideia do Japão como uma sociedade kawaiinormativa (hihihihihi) e a necessidade de quebrar essa lógica de alguma maneira, subvertendo o kawaii esticando o conceito.
E sim, elas conseguem me convencer que todo mundo pode ser fofinho.

chai.jpg
In Japan, being cute is probably the biggest compliment you can give a woman. And culturally, people don’t really compliment one another. People don’t really go up to someone and say, ‘I like your shirt’ or ‘I like your shoes.’ So when you’re not considered a part of that cute standard, people don’t say anything to you. In America, people just say: ‘You’re beautiful,’ ‘You have nice clothes.’ I love that about America. Since they don’t do that in Japan, it hits women harder when they’re not called cute. That’s the reason we made the songs now, to say it doesn’t matter. We are what we are. We’re happy with that.
— Yuuki, do Chai, para o Pitchfork

O Chai me lembra algumas outras coisas que adoro, em especial três bandas de japonesas.
São elas:

Shonen Knife!

O Ramones de vestido anos 1960 de Osaka. Tanto que elas também já se apresentaram como banda cover dos Ramones sob o nome de… The Osaka Ramones. Perfeito. Quem viveu os anos 1990 na MTV vai lembrar que o Beavis & Butthead assistiam a um clipe delas. E claro, emitiam opiniões muito inteligentes a respeito.

Cibo Matto!

Qual é o cheiro que mais te lembra os anos 1990?
Seja ele qual for: você vai senti-lo ao assistir esse clipe.
Eu amo o fato do primeiro disco Viva! La Woman é dedicado a… comida. Birthday Cake, Artichoke, Sugar Water… Meu tipo de conceito.
Depois o meu doppelgänger Sean Lennon (I wish) e mais um povo se juntou a elas e a coisa cresceu. Gosto bastante do Stereo Type A, o álbum seguinte.

Puffy AmiYumi!

No Japão elas são conhecidas como Puffy apenas, mas para o exterior decidiram assumir o nome Puffy AmiYumi (que são os nomes das duas integrantes) para não ter problemas com o Sean Combs HAHAHA
E sim, é a banda daquele desenho do Cartoon Network. Acontece que elas são mais do que aquele desenho - não se formaram por causa do desenho nem acabaram depois disso! No Spotify tem esse single fofo de 2018:

E são elas que cantam a música tema do desenho Jovens Titãs!

E aí? Já está se sentindo superkawaii agora? Eu sei, quando você é uma japonesa bonitinha é mais fácil. Mas sigamos tentando: kawaii power to the people!

E um extra, caso você seja novo demais para conhecer:

Luscious Jackson!

Não, elas não são japonesas. Mas acho a vibe parecida, e adoro, e acho que todo mundo devia ouvir.
É isso.