O babado é certo com Kenichi Mikawa
Não tive uma infância muito ligada à colônia japonesa (aliás, na verdade ela era quase completamente desligada não fosse o meu melhor amigo na época, que também era descendente). Mas sei que toda criança nipônica tinha essa lembrança de assistir ao Kôhaku Uta Gassen, o tradicional festival de música de fim de ano da NHK sobre o qual já comentei aqui. Se era uma criança viada, ela inevitavelmente ficaria esperando ansiosa pela participação de Kenichi Mikawa, que esteve em nada menos que 26 edições.
Em 1969, Mikawa apareceu pela segunda vez no Kôhaku para cantar Onna to Bara e leva nas mãos uma flor. Isso pra gente que está acostumado com Roberto Carlos distribuindo flores é completamente normal, mas no Japão daquela época foi um escândalo: para muita gente, deixou claro a feminilidade do artista. Para dar uma dimensão maior: o Kôhaku é coisa tão séria até hoje que o povo vai como se fosse ao Oscar, sabe, black tie na estica. Só que o smoking que Mikawa vestia começou a se transformar: incluía um bordado, um brilho, um paetê, um detalhe dourado… Olha o vídeo abaixo, de apresentações entre 1968 e 1975:
Em 1991, a história já era bem outra. Quando foi apresentar seu novo hit Sasozira no On'na no Kôhaku, Mikawa estava num look branco (cor do time dos homens no festival) com um detalhe vermelho bem aparente (cor do time das mulheres). Marcou o começo de uma montação fabulosa que proporcionaria momentos sem par na TV japonesa. Falando em Robertão: era como ver um show de drag (porque, baby, this is drag) no meio do especial de fim de ano do Roberto Carlos, sabe?
Em 1992, o babado continua com Hi no Tori, a música nova, e Mikawa com uma espécie de touca de cristais, um look todo brilhante puxado para o rosa e um boá de penas. Tá, meu bem?
Em 1993, é a vez de um contraponto aparecer. Era Sachiko Kobayashi, uma cantora que também é dada a um close certo, que chegou nesse look absurdo com direito a reveal digno de RuPaul's Drag Race. A partir desse momento, Mikawa e Kobayashi competiriam pela posição de look mais absurdo-enlouquecedor.
Mikawa também participou do Kôhaku de 1993, surgindo do chão para cantar Utakata no Yume. Também fez um reveal (o quimono dourado deu lugar a um conjunto com brilho e roxo), mas perto do look da Kobayashi daquele ano… Parece até discreta! kkkkkkk
1995 é o ano de uma das minhas apresentações preferidas de Mikawa. O look do começo, com uma silhueta princesa, pra mim é o ponto principal: é personificação de mulher de fato, é camp… É drag. O reveal é sensacional (amo os ombrões quadrados brancos) e eu fico desmaiado com o look das bailarinas-coristas <3
A música, para quem ainda está se importando, é Shiawase ni Naritai.
Em 1996, Mikawa vem com uns chifres, um look meio de vilã de tokusatsu. Não tem reveal, mas tem surpresa: uma cauda dupla que se revela do meio para o fim, enorme, com figuras geométricas brilhantes.
Com Bojô em 1997, Mikawa começa a incluir efeitos especiais (no duro). Não vou contar muito para não estragar:
1998: surgir das chamas? OK. A música é Wakare no Tabiji e o look tem uma inspiração católica que não faria feio naquele baile do Met todo trabalhado no catolicismo, lembra? kkkkkkkk Bom, da Capela Sistina à maxiborboleta… Dê play para entender:
Em Eien ni Bara no Toki o, de 1999, Mikawa fez a egípcia. Tem esfinge, Cleópatra, faraó sem camisa, além de uma hélice muito doida que o corta no meio… Toda uma narrativa surreal! kkkkkk
2000: Mikawa retoma essa temática de “eles querem me destruir” com ainda maior efeito. Em Tokyo Hotel ela começa com uma roupa, tem uma troca rápida, colocam-na num vaso grande (acho que nesse momento não é ela porque não daria tempo da troca de look e a câmera está longe, mas posso estar errado), esmagam o vaso (!!!) e, não mais que de repente, ela ressurge montada num dragão voador. Juro que essa descrição é exata:
2001, ano de Koion'na e de… um pégaso.
2002 com Yuzawa no On'na: Mikawa vem até discretinha, só com fumaça, sem corpo de baile, num quimono quase simples para os padrões dela, e depois, claro, tem a troca babadeira. Nesse vídeo dá para ver bem a competição entre ela e Kobayashi, que aparece em seguida – e sinceramente a segunda leva a melhor, nos seus efeitos especiais rainha do gelo Frozen fechativa.
Mikawa deve ter sentido a competição: em 2003, ela volta meio Frozen com vestido que acende (!!!) e o seu hit Sasorizan On'na.
Não sei se as participações de Mikawa no Kôhaku foram rareando pois não achei mais nada. Essa volta ao maior hit foi uma despedida? O nível, de qualquer forma, era cada vez mais inalcançável, mesmo. Olha a Kobayashi em 2005, que coisa doida:
Em 2007, Mikawa volta ao Kôhaku com um remix dance da mesma Sasorizan On'na. Agora com drag music? Formô: cadê o bate-cabelo? O reveal é bem importante e por isso vou ser obrigado a dar um spoiler: é um look inteiro vermelho. Cor do time das mulheres no Kôhaku.
Bom, a figura de Mikawa acabou ficando superandrógina, um coisa meio Walter Mercado. Quem quiser pode assistir a esse show dela, que comemora 45 anos de carreira (de 2010, portanto):
Mikawa é tudo e continua na ativa. A grande Hibari Misora, uma das maiores cantoras que o Japão já teve, a adorava. Ah: e a rivalidade com Kobayashi era só brincadeira: Mikawa e ela eram amicíssimas. Tinha até boato que elas tinham casado. Er… Alguém avisa?
Aliás, usei o pronome feminino ao me referir a Mikawa mas na verdade não tenho certeza sobre como ela gosta de ser tratada. Enfim, espero que ninguém fique magoado, me avisem se eu tiver errado e eu corrijo, OK?
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