A roqueira do Brasil... Bianca!
Todo mundo sabe: mulher pioneira do rock brasileiro é Rita Lee. OK, teve a Jovem Guarda antes, com Wanderléa e outras. OK, foi Nora Ney a primeira brasileira a gravar um rock (era um cover de Rock Around the Clock em 1955). Mas é Rita quem leva a faixa de “a roqueira do Brasil".
Só que em 1979, quando a própria Rita ia deixando seu som cada vez mais pop com aquele disco que tem Mania de Você, Doce Vampiro e Chega Mais, aparecia uma menina mineira de 15 anos, Cleide Domingues Franco, empunhando uma guitarra. O rock rejuvenesceu. E ela já assumia um nome artístico sem sobrenome, coisa pra poucos. Era a Bianca.
Quem descobriu Bianca foi Cléo Galante, que por sua vez já tinha discos lançados nos anos 1970 e tinha uma carreira até então bem calcada em samba rock.
A lenda é que Cléo viu Bianca se apresentando como crooner de uma banda ainda na cidade natal dela, Ituiutaba, e a levou para São Paulo para apresentá-la para sua gravadora, a RGE. Dizem que o nome, invenção do produtor Reinaldo Barriga, era uma referência à Bianca Jagger, mulher do vocalista dos Rolling Stones.
Os Tempos Mudaram é composição de Cléo. O lado B do primeiro compacto, Vou pra Casa Rever Meus Pais, é uma versão para o português de A Little More Love do repertório de Olivia Newton-John – assinada também por Cléo.
As duas músicas são ÓTIMAS e o segundo compacto saiu em 1980.
É interessante que os temas das letras dessa primeira parte da carreira de Bianca sempre são ligados ao sentimento adolescente de inadequação, problemas de relacionamento e angústia. Tudo moldado para o público-alvo, sem disfarçar! A cantora fala bastante dos pais – em Sou Livre (Agora Chega), ela diz que o pai é muito ocupado, a mãe sempre observa o lado dele e ninguém vê que ela cresceu; em Vou pra Casa Rever os Meus Pais, eles estão no título, logo de cara. E em Minha Maneira (Não Suporto Mais), Bianca entoa no refrão: “Assim não dá pra ser / Eu quero namorar sem ter que aceitar e nem obedecer”, e diz que o cara é tão possessivo e mandão que está parecendo mais… o pai dela.
(Aliás, Minha Maneira é uma versão de She's in Love With You, o rockão de Suzi Quatro, uma melodia deliciosamente abbaística que também cai bem em Bianca)
Ainda em 1980, o primeiro álbum chega com a supercozinha de Os Carbonos e produção artística de Hélio Costa Manso. Minha Amiga, uma das músicas de trabalho, chega no programa Geração 80 da Globo.
Minha Amiga é uma versão da original de Jennifer Warnes I Know a Heartache When I See One.
O disco em si é recheado de surpresas:
A segunda faixa, por exemplo, Comentário a Respeito de John, é de Belchior com José Luis Penna! E começa com citação a Happiness is a Warm Gun! A música foi gravada primeiro por Belchior um pouco antes, em 1979. Bianca já havia citado, em entrevista, a admiração por Elis Regina (que gravou Como Nossos Pais de Belchior em interpretação antológica e, por que não dizer, roqueira em 1976). Pelo disco inteiro, dá para notar uns toques de Como Nossos Pais espalhados – deve ter sido algo muito marcante para Bianca, ou um modelo muito desejado pelo pessoal da gravadora. Ou os dois!
Igual a Vocês é versão de Going My Way do Tax Loss, e é a única do álbum que conta com letra da própria Bianca. Mais versão? Lembrando os Rapazes de Liverpool é I Only Want to Be With You – primeiro de Dusty Springfield em 1963 (!!!) e depois na versão que provavelmente inspirou a inclusão para o disco de Bianca, a de Bay City Rollers em 1976. Só que quem inspira a letra obviamente são os Beatles. Sintomático: tem John Lennon na letra de Belchior, tem Beatles em uma música que originalmente é dos anos 1960… Bianca tinha traços de futuro, mas era muito apegada ao passado.
Porém… mas porém…
E Oh Susie? Sim: new wave em pleno 1980, em um disco brasileiríssimo. É versão em português da música de mesmo nome do Secret Service! Tá passada? Eu tô! A versão ficou bem pop, na verdade, meio disco music. Mas pop do bom.
Mais surpreendente ainda: um blues do Gilliard. Isso mesmo que você leu. É Gilliard quem assina Tempos Difíceis com Washington.
Bom, sobra espaço até para mais disco music (Não Tenha Medo, de Cléo Galante). Esse rock era uma frente ampla, para usar uma expressão em voga atualmente…
E depois? Pois é, o depois.
O compacto de Faz de Conta saiu em 1982.
Também da safra de Cléo, meio hedonista demais, menos angustiada (e nesse sentido menos roqueira). Agora, imagina essa musiquinha dizendo "Vamos viver em festa / faz de conta que o mundo está lindo” concorrendo no rádio com Evandro Mesquita dizendo “aí você finalmente encontra o broto”, mandando descer dois, descer mais chopes, e comentando que realmente queria que ela estivesse nua? A Blitz e o BRock chegaram para atropelar Bianca. Ela ficou datada demais, e não havia versão de Loredana Bertè que a salvasse:
Eu particularmente AMO Non Sono Una Signora, composição de Ivano Fossati, e gosto da versão de Bianca, que saiu em compacto em 1983, mas enquanto Bertè se derrama inteira na música, Bianca dá uma mergulhadinha com pouca dimensão. Compara aí:
Quando Bianca foi tentar uma volta de verdade, anos depois, revelou-se a verdade: ela deixou de ser roqueira. Era só chuva de verão. O disco A Volta, de 1993, é inteiro sertanejo, daquele tipo mais pop que tinha invadido o Brasil de Fernando Collor. Não deu certo, não repetiu as vendas de antes.
E aí? O que rolou com a Bianca?
Bom, prepare-se para entrar num terreno mais arenoso.
Quando uma artista assim, que fez tanto sucesso, simplesmente evapora, começam a surgir boatos. E eles costumeiramente são bem criativos. Os mais maldosos eram de que ela tinha morrido de overdose ou suicídio. Mas parece que não: dizem que ela virou vocalista de banda de forró (o Destak do Forró da cidade cearense de Piquet Carneiro).
Ela seria essa de roxo no vídeo, agora loira.
Tem quem acredite, tem quem não acredite.
O esquisito: até hoje ninguém teve a manha de ir até lá e entrevistá-la? Ou achá-la pela internet, que seja?
Então, até segunda ordem… Bianca segue sumida.
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