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Plastic Love: a música japonesa que o algoritmo do YouTube fez virar a tradução de pop perfection no mundo

Descobri um pecado meu. Com todo esse tempo do blog, eu nunca falei sobre uma das minhas músicas preferidas da VIDA por aqui. Nem sobre sua autora e cantora, Mariya Tekeuchi. Nem sobre o marido dela, o também cantor Tatsuro Yamashita, que produziu a faixa. Nem sobre City Pop em si!
Na verdade, eu falei sobre Plastic Love lá no segundo episódio da primeira temporada do Quatrilho, programa do meu podcast!

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Quem já ouviu já sabe de quase tudo que eu vou falar aqui. Quem não ouviu tem as duas opções: ouvir ou ler esse post! Vamos?

Uma breve introdução: o que é City Pop?

Acho que eu também nunca expliquei essa evolução da música pop japonesa até chegar ao j-pop por aqui.

Teve uma hora, tipo anos 1970, que o pop com cara de folk apareceu no país. Mas ele ainda era meio de protesto. E também tinha a turma do rock adolescente, muito na onda do mítico show dos Beatles no Budokan em 30/06/1966. Muita banda surgiu dessa apresentação – um movimento que também pintou em vários lugares do ocidente como no próprio Brasil, com a Jovem Guarda.

Só que existia o mito que a língua japonesa não podia ser a do rock: era impossível de combinar. Rock tinha que ser em inglês. E também tinha a turma que olhava o rock como música alienada: bom mesmo era o folk mais cabeçudo. Ou o enka, estilo japonês de música que emula melodias tradicionais e temas nostálgicos com orquestração ocidentalizada.

E aí surgiu o Happy End, sobre o qual já falei aqui, que fazia uma espécie de folk rock – ou seja, era rock – em japonês. O Happy End não foi sucesso de vendas (ele só virou um hit depois, numa pegada cult). A banda faz parte da gênese do que se convencionou chamar por lá de new music: uma espécie de soft rock nipônico. Com o fim do Happy End (sem trocadilhos! kkkk), dois integrantes, Shigeru Suzuki e Haruomi Hosono, foram para a Tin Pan Alley com Masataka Matsutoya e Tatsuo Hayashi. Chegaram a gravar discos sob esse título. Olha:

Mas antes de ser o Tin Pan Alley, esse mesmo grupo assinava como Caramel Mama. E fizeram a cozinha de nada menos que o disco de estreia de Yumi Arai.

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Yuming (o apelido de Yumi Arai) é uma das peças-chave para entender a new music pois é um dos seus principais nomes. Depois de alguns álbuns, Yuming passou a assinar como Yumi Matsutoya porque casou com o Masataka, integrante da Tin Pan Alley. Ele produziu os álbuns dela e, assim, os dois formaram um dos pilares desse novo estilo que conquistava as paradas.

Da new music, apareceu outra coisa: o City Pop.
Em contraponto do enka e da tradição em geral mas também se afastando do folk e do rock, o City Pop era assumidamente comercial, amava sintetizadores e naipe de metais, e gostava muito de falar sobre elementos da vida urbana moderna: compras, carro, telefone, barzinho, boate
Lembra algo? Algo que rolou no Brasil, mais especificamente?
Sim, estou falando dele mesmo e vou usá-lo para exemplificar.

O inglês Ritchie fez no Brasil, guardadas as diferenças culturais, a mesma coisa que Anri, Taeko Ohnuki, Junko Ohashi, Eiichi Ohtaki, Tatsuro Yamashita e, claro, Mariya Takeuchi, entre tantos outros, fizeram no Japão.
O primeiro disco solo de Ritchie, Vôo de Coração, saiu em 1983 e era City Pop para japonês nenhum botar defeito. A segunda faixa, A Vida Tem Dessas Coisas, é sobre um ex-casal que fica preso no elevador. Apartamento, interfone, relacionamentos fugazes – tá tudo ali.

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Vôo de Coração foi o disco que mais vendeu no seu ano de lançamento. Ultrapassou as vendas até de Roberto Carlos. Seu sucesso foi também sua sina: acabou considerado popular demais. De moderno, passou a ser encarado como brega. Ritchie, a figura mais bem sucedida do BRock, caiu em desuso em seguida.

E se a gente analisar agora, com distância, Ritchie realmente foi o precursor do som que caracterizou o neo-sertanejo do fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990 – não só por ter sua Menina Veneno regravada por Zezé di Camargo & Luciano, mas porque o neo-sertanejo também tem um pouco de City Pop (POLÊMICAAAA!). O estilo deixa os temas rurais e parte para o romantismo cheio de sintetizadores: afoga as lágrimas num copo de cerveja, veste um paletó (com um fio de cabelo), usa o telefone (ligando para mim, não, não liga para ele – ou no toque do seu telefone… Você vai ver!)… O êxodo rural e a urbanização do Brasil ganhavam uma trilha sonora um tanto tardia, mas avassaladora em termos de vendas.

Digressão feita… Vamos para ela?

I know it's Plastic Love

Mariya Takeuchi na gravação do seu álbum Miss M, lançado em 1980

Essa é uma história sobre o mistério que ronda o algoritmo.

Em 2017, alguém fez um upload da música Plastic Love, originalmente lançada em 1984, no YouTube. O usuário PlasticLover, que não existe mais, usou um remix mais longo da canção com uma imagem que na verdade não correspondia a ela: realmente era uma foto de Mariya Takeuchi, a cantora, mas a foto saiu na capa do single de outra música, Sweetest Music.

Era essa foto aqui que aparecia no vídeo de Plastic Love do YouTube

E aí, alguma coisa aconteceu com o algoritmo. Será que todo mundo que via esse meio sorriso, esse movimento jogando o cabelão e o nome do vídeo, Plastic Love, ficava tentado a clicar? E o YouTube foi entendendo que aquele vídeo era irresistível? Não sabemos o motivo real, mas essa publicação passou a aparecer entre os recomendados da coluna da direita (para quem usa desk) ou embaixo do vídeo (para mobile) para um monte de gente, do nada. Gente que nem ouvia música japonesa, que não tinha demonstrado o menor interesse pela cultura do Japão. E aí essa música ganhou mais de 22 milhões de views!!!

Plastic Love na verdade faz parte do álbum Variety, que Takeuchi lançou depois de uma pausa de 3 anos na carreira dela. Ele é o primeiro que traz apenas composições dela, e vendeu mais que os seus anteriores – ou seja, era um degrau rumo ao sucesso. Mas, na época, era só um degrau mesmo: a consagração de vender mais de um milhão de cópias viria apenas no disco seguinte, Request, de 1987.

Tatsuro Yamashita, o produtor de Plastic Love que aparece creditado na capa do single, também era (e é) marido de Takeuchi. Eles se casaram em 1982, ou seja, no intervalo de 3 anos da carreira dela. Yamashita é considerado um dos principais nomes do City Pop: é o "rei" deles. Não só produz mas também tem um trabalho próprio.
Um dos seus principais álbuns é Spacy, de 1977, considerado precursor do City Pop que explodiu nos anos 1980.

E Plastic Love em si? Acho que o mistério em torno dela colaborou ainda mais para o sucesso tardio. Veio casada com o vaporwave, virou sua trilha sonora mais querida e despertou memes, fan art, vídeos ilustrados com cenas retrô de animes. E a Vice chegou a chamar a canção de melhor música pop do mundo.

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O mais instigante é que a música fala sobre a artificialidade das relações amorosas. A letra é em japonês, mas quando quem não entende japonês traduz (via Google Translator ou sei lá), fica ainda mais fissurado: o significado da mensagem ressoa nas relações de hoje. Pouco, ou nada, mudou.

E por que o tal vídeo com tantas visualizações não está mais no ar? Você pode achar que foi a gravadora japonesa que derrubou, mas está errado. A resposta está em Alan Levenson… o fotógrafo da foto que virou um clássico tardio.

Contracapa do disco Miss M, de Mariya Takeuchi, lançado em 1980 – essa foto é de Alan Levenson, do mesmo ensaio de onde veio o clique do single Sweetest Music

Levenson era assistente de um outro fotógrafo, que era o profissional que a gravadora queria que fizesse os cliques de Mariya em Hollywood para o Miss M de 1980. O valor que a gravadora ia pagar era muito baixo, o fotógrafo não quis e Levenson se ofereceu. Levou Mariya para um estúdio e pronto: estava feito o ensaio.

Ele não foi creditado no upload do vídeo do PlasticLover e ficou bolado. Pediu para o YouTube derrubar por uso indevido de imagem. Mas aí o estrago já estava feito: Plastic Love já era um sucesso tardio e a foto também.
Hoje existem vários uploads da mesma Plastic Love espalhados pela rede (inclusive usando a mesma foto!). A versão original ainda não subiu no Spotify até hoje – o que você encontra por lá são versões de outros artistas. Vou deixar aqui uma das minhas preferidas: a da Chai.

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Como eu já disse, Mariya viraria uma superartista, vendendo pencas, em 1987. Plastic Love é meio desconhecida pela maior parte dos japoneses.
E isso é apenas uma parte infinitamente pequena do City Pop, um estilo de música japonês que virou cult… entre não-japoneses! Kkkkkkkkkkkkkkkk!

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