Você faria tatuagem com uma menina de 10 anos?

Tatuagem ainda é um assunto tabu no Japão. Pouca gente - fora da Yakuza - faz. E quando faz, é um símbolo de rebeldia bem grande, já que socialmente a tatuagem não é aceita em vários lugares.
Sei disso porque meus braços são bem tatuados e já fui para o Japão.

Por incrível que pareça, não senti animosidade em Hokkaido, que em teoria é um dos lugares mais distantes do centrão que eu fui. Pelo contrário: em Hakodate e Sapporo as pessoas ficavam apontando e olhando porque achavam legal o que viam (acho que ajudou o fato de eu ter o Pikachu, o Charlie Brown, o Hamtaro, o Gasparzinho, a Betty Boop e o Gato Félix todos tatuados no mesmo braço kkkkk).

Em Okinawa, outro lugar bem distante do centro, ninguém parecia se importar. Fui para a praia com medo de me expulsarem (sim, isso pode acontecer) mas foi de boa, dei um mergulhinho e tudo.

Em Tóquio, ninguém liga. Quer dizer, liga sim: um vendedor da Undercover fez questão de me parar, ficar olhando as minhas tattoos e mostrou a dele, um desenho bem à Undercover, que eu me lembre uma forma geométrica com bracinho e perninha kkkkkkkkkkkk Achei fofo, ele achou o máximo a gente ter tanta tatuagem assim.

Já em Quioto a coisa mudou de figura: o mesmo lugar onde casei (sob os olhos de Buda, e um tempo depois casamos no papel no Brasil) foi onde não conseguimos entrar em pelo menos dois restaurantes. A gente imagina que foi por causa das nossas tatuagens. Em um deles, disseram que estava lotado e não tinha mais como ficar na fila; pedimos para reservar para o dia seguinte e disseram "hum, não dá…". No outro, o cara logo disse que estava fechado - em pleno horário de almoço, e só com um gesto, deixando os braços em cruz para cima, provavelmente porque ele não falava inglês ou não queria falar com a gente.

Existem várias casas de banho (os famosos onsen) e até mesmo hotéis que não aceitam pessoas com tatuagem. Se você tem tatuagens, vai para o Japão e quer ir em um onsen, pode localizar um que aceite tattoos nesse site. Mas alerta 1: no onsen você fica peladão, viu? Geralmente ele se divide entre salas masculinas e femininas, mas de qualquer forma é pelado mesmo. Alerta 2: se a casa de banho aceita tatuagens, existe uma possibilidade que… enfim… ela seja frequentada pela Yakuza. Né?

Tudo isso foi para dizer que é espantoso que essa menina de 10 anos que é uma tatuadora-aprendiz seja japonesa.

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She had a fun today ⭐️❤️

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Noko é filha de Gakkin, um tatuador japonês que mora em Amsterdã (com ela). Ela começou praticando em uma pele de silicone dada pelo pai. Mas hoje já existem 31 pessoas com tatuagens feitas por ela!

O estilo da Noko navega entre o infantil, o kawaii, o naïf e tem um toque de desenho tradicional japonês, de xilogravura. Gostei bastante! Realmente não me parece só uma coisa boba incentivada pelos pais, e sim uma artista em desenvolvimento.

E o pai? Gente, o Gakkin é FODA. Ele faz um trabalho a mão livre que é de cair o queixo. Lembra o tradicional, mas tem um cuidado com as formas orgânicas do corpo conversando com as formas da natureza de suas criações que são impactantes. Em geral ele usa só tinta preta, às vezes misturando com vermelho (que nem a filha!).

Queria tatuar com os dois!!! E você?

Harajuku, a meca do kawaii

Nossa, faz tanto tempo que prometi esse post que nem sei! Acontece!

Hoje vamos falar de um dos bairros mais famosos do MUNDO. Harajuku! Mas antes, para o caro leitor ficar mais contextualizado, recomendo a leitura dos seguintes posts anteriores:

Memória afetiva
O que é kawaii?
A rainha & a embaixadora do kawaii
O lado dark do kawaii

Leu tudinho? Amou? Então vamos começar a contar essa história - grande parte dela saiu do livro Style Deficit Disorder: Harajuku Street Fashion da Tiffany Godoy que eu estou aceitando de presente, viu, pode me dar, agradeço!

Essa imagem saiu desse post do site Tokyo Dandy - coisa fina!

Essa imagem saiu desse post do site Tokyo Dandy - coisa fina!

Um distrito internacional batizado de Washington Heights e inaugurado em 1946 tinha moradias para oficiais norte-americanos no pós-guerra na capital japonesa de Tóquio. Ele ficava na região de Shibuya, mais para o lado de onde hoje fica o Yoyogi Park. A juventude toquiana, ou pelo menos os jovens daquela região, viram e gostaram do estilo cool ocidentalizado de quem morava por ali. Essa foi a sementinha plantada - depois, nas Olimpíadas de 1964, Washington Heights voltou a ser de domínio japonês, as famílias norte-americanas foram embora e ali virou a Vila Olímpica. Atraiu comércio.

Pula para a década de 1970. Estilistas precisavam de um aluguel mais barato para seus estúdios e lojas. E lojas próprias, sim - eles já acreditavam nessa coisa de sentir o sucesso direto da fonte, porque assim conseguiam saber o que os clientes mais gostavam, o que não vendia tanto etc. E sabe um endereço que encaixava nessas necessidades e era entre Shibuya e Shinjuku, bem central?
Resposta: a Takeshita Dori, rua que fica praticamente na frente do Yoyogi Park e que hoje é o “centro turístico” de Harajuku! Um manual popular na época chamado em tradução livre Como ser bem sucedido em fashion business dizia que um dos passos tinha que ser alugar um espaço em Harajuku, simples assim.
Portanto, desde os anos 1970 que Harajuku é considerado um bairro fashion de Tóquio, bem antes do kawaii virar essa indústria que influenciou e influencia a moda.

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A Milk foi uma das primeiras lojas

E se hoje ela é reconhecida pelo estilo mais lolita, ela foi a que vendeu a moderna Comme des Garçons primeiro, lá nos anos 1970! Pah!

Aliás, sabe um cara que apareceu lá em Harajuku nessa época?

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David fucking Bowie

Esse agachado é Kansai Yamamoto, um estilista japonês incrível que fez vários looks para Bowie nessa fase montadíssima do artista

Kansai veio antes de Rei Kawakubo (da Comme), Issey Miyake e Yohji Yamamoto. Não era “japonista” como eles, no sentido que a expressão ficou conhecida em Paris: os desconstruídos cabeçudos que adoram um look preto. Na verdade, seu universo era mais coloridão, e particularmente acho bem mais próximo de Kenzo Takeda, que abriu sua butique Jungle Jap em 1970 em Paris. Kansai desfilaria na mesma Paris em 1975, mas antes, 1972, já tinha apresentado roupas em Londres (um ano depois de inaugurar a marca!).
Em resumo: Kansai Yamamoto é um personagem riquérrimo que merecia um post só para ele, viu? Tudo indica que ele está voltando e tem tudo para ser redescoberto por uma nova geração: participou da coleção da Louis Vuitton de cruise 2018 de Nicolas Ghesquière apresentada em Quioto, fez pop-up recentemente em Harajuku (onde mais?), e organiza um evento anual chamado Nippon Genki Project que pelo que entendi é tipo um desfile-show. O último rolou faz pouquinho, 8/06:

(e pelo que vi não foi em Harajuku e sim em Roppongi)

Bom, o shopping mais legal (até hoje!) de Harajuku, o Laforet, abriu em 1978. É quase sempre lá que abrem pop-ups importantes - já teve da Michiko Koshino e de uma das vezes que fui tinha uma da Undercover de Jun Takahashi, por exemplo. Aliás, tanto Takahashi quanto o Nigo, o fundador da A Bathing Ape (Bape), marca super-super de streetwear, eram sócios. Eles abriram a loja Nowhere em 1993 em Urahara (que quer dizer ura-Harajuku, uma Harajuku escondida).

Olha aí a Nowhere - bem noventista mesmo, né?

Olha aí a Nowhere - bem noventista mesmo, né?

Eu sei, pulei uma década inteira: os anos 1980 marcaram ascensão e queda, o boom econômico e o crash da economia japonesa, a bolha imobiliária de Tóquio. Em 1989, acabava a era Showa (que começou em 1926) e começava a era Heisei. Harajuku se estabeleceu, e na década de 1990 viraria a meca do kawaii, do cyberpunk, das lolitas, do visual kei. Com uma ajudinha da Nowhere!

In many, and perhaps most, instances there is a total disconnect between what something is and what it’s supposed to mean. Punk can be cute. Mico-mini skirts aren’t sexy. Ghoulish makeup isn’t macabre. Hip-hop is a state of mind rather than a reference to a specific cultural experience. The extremes to which average youth use body piecing as personal adornment have nothing to do with tribal beats, sexuality, or counter-culturalism. Here, it is pure fashion.
— Do livro Style Deficit Disorder - Harajuku Street Fashion

Várias são as lojas clássicas de Harajuku.

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Hysteric Glamour

de Nobu Kitamura

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Baby, the Stars Shine Bright

O templo das lolitas de Akinori Isobe

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Cream Soda

uma das pioneiras, de Masayuki Yamazaki

Mas vamos voltar na Nowhere? Acho a história muito interessante. Foi lá que Takahashi começou a vender Undercover, uma das marcas mais legais do Japão, e o Nigo também começou a vender a Bape. Ambos se conheceram no Bunka, a lendária escola de moda japonesa. E na época Jun atendia por Jonio. Nigo & Jonio - uma boa dupla sertaneja, né? Mas eles estavam mais para Charlie Brown Jr, ligados na cultura do skate. E diz que eles deram um novo ânimo para Harajuku, que estava meio caída com o crash.

Nigo & Jonio

Nigo & Jonio

Hoje acho que quem substitui um pouco esse espaço da moda masculina na região, sem o mesmo ineditismo mas com bastante charme, é a Beams.

Pode me dar tudo

Pode me dar tudo

A Beams é no fundo mais antiga que a Nowhere - ela foi inaugurada em Harajuku em 1976 e hoje em dia expandiu, virou uma rede que inclusive abriu pontos fora do Japão. O segredo é a curadoria: tem muita roupa legal. E pronto, fim de papo: você tem vontade de ter cada uma daquelas peças. Está mais para o japonês médio (que normalmente se veste muitíssimo bem) do que para o fashionista montado.

Aliás, bem lembrado: vamos falar de Harajuku hoje? E por que ele virou o sinônimo de kawaii?

Provavelmente quando você chegar em Harajuku vai começar seu passeio pela Takeshita Dori, o que faz sentido mesmo, é a rua mais turística e celebrada.

A entrada da Takeshita Dori

A entrada da Takeshita Dori

Acontece que a Takeshita hoje é turística demais, lotada demais, uma overdose. Tem toda aquela estética do kawaii, com várias lojas cheias de bugigangas, uma Daiso gigantesca para quem curte, crepes maravilhosos e instagramáveis (e meio sem gosto), multidões de curiosos. As lolitas às vezes dão uma pinta mas a verdade é que elas já não existem em tanta quantidade em lugar algum. O melhor jeito de ver como os modernos se vestem em Harajuku atualmente segue sendo a lendária revista FRUiTS - e agora, em vez da gente esperar algum contrabando da publicação como no começo dos 2000, dá para ver no Instagram:

E a meia da Marine Serre com blusa da Prada?
Eu morta vendo, né? Affff! (dispenso a bolsa da Chanel)

A FRUiTS era #lookdodia antes do look do dia, e é look do dia com informação e criatividade. Era a nossa digital influencer quase inacessível, rodava de mão em mão porque era cara e difícil de encontrar. Saudades!

Mas se você for a Harajuku e ficar um pouco decepcionado com a Takeshita, não desista. Recomendo ir no Laforet, que é bem grande e precisa de tempo e disposição, e atravessar a rua depois da Takeshita parecer ter acabado, em direção de Omotesando - que eu me lembre é por ali que fica a Beams e também cafés e lojinhas bacanas.

Toda essa história de Harajuku de lojas e marcas que viraram mitos, ruas que hoje estão no mármore eterno da memória da moda, me lembra outra história… que fica mais ou menos a 11 horas de avião de lá.
Já conto.
E também fico devendo mais uns dois posts relacionados ao kawaii: um especial de mascotes (e finalmente terei que encarar o horripilante Funassyi) e outro de uma banda que quer democratizar o kawaii. Oi? Pois é.
Enquanto isso você fica com esse especial do Google sobre moda streetwear japonesa de 1980 para 2017 e imagens kawaii típicas de Harajuku - porque afinal prometi isso no título!