"Ao sair / do avião": séries com avião para não ter saudade de avião

Ao que tudo indica ainda vai demorar para a gente embarcar num avião de novo. Tem quem diga que, quando a situação se normalizar (seja lá o que isso signifique), o normal vai ser chegar quatro horas antes para embarcar. Outros dizem que isso é um exagero. E em suma: ninguém sabe direito o que vai acontecer com os preços, já que a princípio os aviões não podem ser totalmente ocupados por enquanto (por causa do distanciamento social) mas o preço do petróleo caiu bastante. Uma reportagem do site da CNN trata do assunto.

No objetivo de apaziguar um pouco o desejo de andar de avião (na verdade o desejo de viajar, né), resolvi falar de séries que estou assistindo (ou já assisti) e que apresentam o avião como um lugar de insegurança, perigo, tragédia. Para com essas ideias de andar de avião, menina! Kkkkkkkkkkk!

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O avião é um não-lugar: enquanto está no ar, existe em si mesmo, um trambolho pesadíssimo no meio do céu, uma comunidade isolada onde laços não são formados porque, afinal, ninguém quer formar laços em um não-lugar; todo mundo quer pertencer a algum lugar de verdade e não a um ambiente onde só vamos passar um tempo determinado. O avião é um meio para chegarmos ao nosso objetivo (um deslocamento mais rápido), mas para a maioria que tem a po$$ibilidade de andar em um, é um privilégio incômodo de comida ruim, aperto, câimbra, inchaço, dor no pescoço, desidratação. A menos que você viaje de executiva ou de primeira, né, fia? Aí, bem, só me resta dizer parabéns. Quanto a nós, é um sacrifício para chegar ao paraíso. Rumo ao sonho? Vejamos…

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Manifest - O Mistério do Vôo 828

Atualmente na Globo e também no Globoplay

Misture Lost com The 4400. Só que acrescente interpretações ruins, efeitos cafonas, subtextos cristãos. Pronto: você tem Manifest, a série péssima que deixou todo mundo viciado. Caso você ainda não tenha entrado em contato com essa droga e quer ficar de boa, nem chegue perto. Acontece que a Globo decidiu colocar Manifest no ar bem naquele momento que a gente tava fissurado em BBB20, logo depois de uma terça, dia de eliminação. Resultado: deixamos a TV ligada, ainda refletindo sobre a votação e… pronto, caímos nessa trama dublada com a profundidade de um pires.

A história: um avião que sairia da Jamaica para os EUA tem overbooking e a companhia oferece dinheiro para pessoas pegarem o próximo. Uma parte da família Stone decide ficar e a outra segue. O vôo seguinte, que é o tal 828 do título, misteriosamente some. Depois de 5 anos, quando todo mundo já achava que tinha rolado um acidente e o avião provavelmente estava no fundo do mar com todos os passageiros, acontece um milagre: ele ressurge e aterrissa, como se nada tivesse acontecido. Para os passageiros e tripulação do 828, nada aconteceu: o vôo rolou normalmente, sem intervalo de tempo. E agora? Quem explica?

Com esse intervalo de 5 anos, toda a vida seguiu: as pessoas que não estavam no vôo envelheceram normalmente, se relacionaram com outras pessoas, morreram. Enquanto lidam com esse choque, passageiros também passam a experimentar situações sem explicação: chamados de vozes do além e acontecimentos estranhos demais para serem coincidências.

Eu sei, parece ótima na sinopse. Mas acredite: não é. Só que vicia porque você quer saber até onde essa palhaçada vai chegar. Risos! Nos EUA ela já teve uma segunda temporada.

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Pesadelo a 30.000 pés

Segundo episódio da versão de 2019 de The Twilight Zone na Amazon Prime

Primeiro, é necessário dizer: sou cadelinha do Jordan Peele. Tudo que ele faz eu acho FODA. Isso inclui a nova versão de The Twilight Zone produzida e apresentada por ele. No Brasil a série clássica é conhecida como Além da Imaginação.

Pesadelo a 30.000 pés na verdade é um remake de um dos episódios mais clássicos do Twilight Zone original, Nightmare at 20,000 feet, no qual William Shatner faz o personagem principal, um homem que acha que viu um monstro na asa do avião em pleno vôo. Só que ninguém mais consegue ver o tal monstro. E pior: o homem acabou de se recuperar de um colapso nervoso que ele sofreu… em um avião. Será que ele se recuperou mesmo? Será que é uma recaída?

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Nightmare at 20,000 feet

Episódio da 5ª temporada da versão original de The Twilight Zone, no CBS All Access ou no seu torrent preferido?

O primeiro episódio já abordava a ideia de sanidade e já rendeu um outro remake em No Limite da Realidade (1983), o filme baseado em Twilight Zone. O longa traz 4 segmentos e um deles leva o mesmo nome, Nightmare at 20,000 feet. Por causa de um acidente grave de filmagem em outro segmento, que levou à morte um ator (Vic Morrow) e duas crianças, o filme ganhou a fama de amaldiçoado (ele é um dos filmes que virou destaque na série documental Cursed Films da Shudder). Nunca assisti, mas as pessoas costumam elogiar esse segmento específico do avião. E dizem que o mais engraçado é que a viagem já é um pesadelo antes mesmo do monstro aparecer: tem um moleque pentelho por perto, o personagem principal (John Lithgow) já está bem nervoso ao embarcar e por aí vai.

Questões sobre sanidade e loucura também estão no cerne da nova versão de 2019. Agora o personagem principal é interpretado por Adam Scott, e a adaptação é apenas um “aceno” para a original. Isso porque o monstro é mais real aqui: o passageiro encontra um MP3 player antigo com um podcast (?!?), começa a ouvir e percebe que o áudio, desses de investigação sobre acidentes, está se referindo ao vôo em que ele está mas no passado, dizendo que o avião desapareceu. Ele continua a ouvir para tentar resolver e fazer com que esse destino descrito no podcast não aconteça. Mas, claro: ele também está em recuperação pós-trauma. E ninguém mais ouve o podcast fora ele. Será que ele está fora de si, criando coisas na cabeça por conta de stress?

Resumindo: é bom. Mas como eu disse: alerta cadelinha do Jordan Peele. Será que a minha opinião é imparcial? Será que estou no controle da minha sanidade? Hahahahahahaha!

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Noite Adentro

Na Netflix

Nem bem comecei a ver e já estou fascinado nessa série belga que entrou faz pouco tempo na Netflix. É muito boa: ela conta a história de um vôo previsto de Bruxelas para Moscou que é sequestrado por aparentemente um oficial da Otan. O cara tem seus motivos para o sequestro: possui informações privilegiadas de uma tragédia humana que está acontecendo por todo o planeta. Simples assim: quem estiver em lugar atingido pelo nascer do sol vai morrer. O objetivo dele é viajar o quanto puder no avião, noite adentro (hein, hein?), para sobreviver ao não ficar exposto ao sol. Só que o vôo é sequestrado quando alguns passageiros já tinham embarcado. Tumulto-babado-confusão-questões-pessoais. Amo!

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Fenda no Tempo

Em inglês: The Langoliers - eu assisti por meios, er, excusos…

Se Manifest é ruim, ela tem uma herdeira: The Langoliers tecnicamente é uma minissérie porque é dividida em duas partes (longas, por sinal, é quase 3 horas ao todo), e é um pouco melhor porque tem uma vantagem babadeira. É baseada num livro do Stephen King de mesmo nome!

A história de 1995 dirigida por Tom Holland (simplesmente o cara que escreveu A Hora do Espanto original, de 1985) tem um quê de Leftovers e na verdade pode ter inspirado Manifest, Lost e outras: um avião sai de Los Angeles para Boston, mas no meio do caminho uma das passageiras, uma garota cega, acorda e percebe que… quase todos que estavam no avião sumiram. Sobraram só 10, que estavam dormindo, então eles nem viram como os outros “evaporaram".
As interpretações são ruinzinhas mas o que pega mesmo são os efeitos especiais. Se um designer doido da rave que se vestia na A Mulher do Padre nos anos 1990 e recebesse a encomenda de criar uns monstrinhos com a boca enorme cheios de dentes em 3D, ele faria exatamente esses efeitos especiais de Langoliers. Mas confesso que me entretive nessas 3 horas…
Dizem que King tem medo de avião e isso o inspirou para a história de The Langoliers, que no fundo é interessante. Se você não liga para essa coisa de efeito especial noventista (do tipo que assistia Charmed e achava bem normal), acho que até vai gostar.

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Lost

Que infelizmente saiu da Netflix - acho que tem na Claro Video

Não podia deixar de falar de Lost. A série que, dizem, mudou tudo. Se você nunca se viciou em Lost e não se meteu na polêmica sobre o final (que alguns acham ótimo e outros acham horrendo), não dá para se considerar nerd de séries. Lost foi o Game of Thrones dos anos 2000, o motivo pelo qual muita gente aprendeu a mexer (e principalmente procurar teorias) em fórum de internet.
Sou um caso à parte: não tenho uma opinião tão apaixonada assim a respeito do fim da série. Acho legal. E acho que o Damon Lindelof se superou com Leftovers e Watchmen - essas sim, dois xodós meus.
E acho que essa quarentena é uma boa oportunidade para quem ainda não viu Lost (sei lá, a Geração Z?) maratonar.

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Vi que o diretor Ari Aster, o mesmo de Hereditário, disse que Midsommar: O Mal Não Espera A Noite na verdade não é bem um terror, mas um filme sobre término de relacionamento disfarçado de terror.
Bom, não é bem assim: ele usa diversos elementos do terror, mas é um terror, digamos, diferente. Lembra que falei do pós-terror aqui?

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O filme que estreou essa semana em SP traz como protagonista Dani (Florence Pugh), que logo de cara passa por um trauma absurdo. Ela namora Christian (Jack Reynor), e ele está infeliz no relacionamento mas ao mesmo tempo não consegue se desvencilhar e terminar principalmente porque sabe que Dani está num momento difícil. E aí surge a oportunidade de uma viagem para a Suécia: Pelle (Vilhelm Blomgren), um amigo da universidade de Christian, chama o pessoal para participar do festival de solstício de verão na sua comunidade natal, a fictícia Hårga.
Não quero dar spoilers, então vou ficar mais na superfície e comentar o que achei do filme em linhas gerais.
Vou fazê-lo em formas de tópicos.

. A justificativa de que uma prática é cultural e portanto devemos respeitá-la é válida até que ponto? Vou usar um exemplo que não tem nada a ver com o filme: existe a lei islâmica de que a sentença do ladrão é cortar-lhe a mão. Uma prática horrorosa. Mas não é parte da cultura? Quem delimita o que pode ou não ser praticado na cultura de um povo?
Outra questão relacionada: as semelhanças entre um culto contemporâneo e o povo que a gente vê retratado em Midsommar são inegáveis, do alucinógeno ao isolamento do resto do mundo. Mas por que uma visão mente aberta e antropológica insistiria em ver isso como algo diferente, só porque é em um país "diferente"? Digo isso porque logo no começo do roteiro já fica claro que os personagens americanos homens estudam antropologia.

. Assim como Nós de Jordan Peele, Midsommar tem momentos de coralidade que esteticamente são muito atraentes e na metáfora dão uma sensação de estranhamento (coralidade no sentido de coral e coro). Só que em Midsommar o sentimento é mais misto: existe a questão da anulação do indivíduo em prol do coletivo, mas também da sensação de pertencimento, de acolhimento (coisa que a protagonista Dani não está sentindo da parte de Chris). O sofrimento é coletivo; a alegria também.

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. A direção de arte é impecável. A ressignificação da coroa de flores, caso o filme faça sucesso, vai ser um babado no próximo Halloween. Tem algo nesse terror psicológico de agora, novamente citando Nós e também The Handmaid's Tale, que trata o figurino com muito refinamento: o uniforme tanto como elemento da comunicação visual essencial da obra (aquela roupa vira um símbolo do filme ou da série) quanto como peça-chave da narrativa (nos 3, é importante essa identidade coletiva representada na roupa, forçada ou não). Dá para a gente começar a viajar nessa questão comparando com as blogueiras e seguidoras uniformizadas, mesma cara, mesmo cabelo, mesma roupa; e também de movimentos contrários a isso, valorizando o individual, como a passarela da Gucci e, recentemente, de Marc Jacobs.

. Não é só: o visual de Midsommar como um todo, a construção da vila… Muito bem feito. Aster criou toda uma mitologia sobre Hårga - até o alfabeto rúnico é na verdade inventado, assim como a língua, a ficcional Affekt. Para quem quiser saber mais, tem uns links bem legais, mas tudo com spoiler, cuidado: o Bustle se perguntou sobre o significado das runas; e o mesmo Bustle também quis saber mais sobre as pinturas nas paredes e tecidos, naïf e sinistras; enquanto o LA Times mergulhou em diversas perguntas, desde a criação de Hårga até elementos do roteiro.

. Vale a pena assistir? Para mim supervale, o meu marido achou chatíssimo. É um filme sobretudo muito caprichado do ponto de vista estético, e que acho que traz questões importantes em si.