Wakabara

View Original

Teve uma novela antes de Sol Nascente que contou com uma oriental no papel principal!

Giovanna Antonelli é tipo a Scarlett Johansson brasileira: já interpretou muçulmana, nordestina e até uma nissei mestiça em Sol Nascente, a polêmica novela das seis de 2017 que trazia histórias de imigrantes japoneses no Brasil. Só que antes, bem antes de Sol Nascente, já existiu uma novela protagonizada por uma nikkei de verdade (nascida no Brasil mas de pais japoneses), e que tocava o dedo em uma ferida que até hoje existe mas que antes era mais aberta: o relacionamento interracial entre japoneses e brasileiros.

Bom, eu acho que tenho experiência no assunto, sendo eu mesmo um mestiço, né? Papai casou com uma loira (com a ajuda de blondor, verdade, mas loira), e foi o único entre seus irmãos a casar com alguém que não era da colônia. Para falar bem a verdade, ele não gostava muito dos japoneses - quase tudo que sei sobre a cultura japonesa corri atrás por mim mesmo, um interesse bem pessoal que compartilho com a minha irmã mais velha. Papai inclusive achava esquisito: "Mas por que você quer ir para o Japão? Engraçado, você acha que isso é realmente importante.” Ele me deu um dinheiro extra na primeira viagem que fiz para lá e achei que ele estava sensibilizado. Perguntei: "Você gostaria de voltar, pai?” porque ele foi a trabalho, uma vez, acho que na década de 1970. Ele disse: “Eu, hein. Tem muito japonês lá.” Hahahahaha!
Mas também lembro de gente falando para minha irmã quando ela arrumava um namorado novo ou estava de paquera: "Mas é gaijin?” Papai ficava exaurido quando ouvia a colônia chamar brasileiro de gaijin - significa estrangeiro, e tecnicamente os japoneses é que são estrangeiros no Brasil, né? Acabou virando um sinônimo de ocidental. Minha irmã sempre estava namorando um gaijin. Conviver com a colônia nunca foi nosso forte, mesmo, mas o mais bizarro é que sempre acabei fazendo amizade entre descendentes de orientais na escola e na faculdade! Genes se atraem?!

Voltando à novela: Yoshico, um Poema de Amor foi ao ar na TV Tupi em 1967 e se passava no Japão mas foi gravada em estúdio. Era a história de um jovem rico, Luis Paulo, interpretado por Luis Gustavo um pouco antes do marco da TV brasileira Beto Rockfeller, novela considerada a responsável pela linguagem moderna a que estamos acostumados hoje, com pegada mais contemporânea e realista. Luis Paulo viajava para o Japão a trabalho e conhecia Yoshico. Adivinha? Se apaixonava. A protagonista foi interpretada por alguém que já era um tanto famosa, especialmente na colônia japonesa de São Paulo, e que viria ser uma espécie de Sabrina Sato da época no sentido de ser uma "oriental referência" em um showbusiness carente de figuras de ascendência japonesa. Rosa Miyake, você lembra?

Rosa era a apresentadora de Imagens do Japão, um dos programas mais longevos da TV brasileira. Ela passou mais de 30 anos apresentando o programa, acredita?

Na novela, para reforçar a imagem mais recatada das japonesas (elas em geral são mesmo mais tímidas e reservadas), só teve beijo no capítulo final. Não existem imagens - um incêndio em 1972 sumiu com grande parte do acervo da emissora, incluindo Yoshico.

Descobri tudo isso na biografia sobre Rosa Miyake da editora Contexto, escrita por Ricardo Taira e chamada Rosa da Liberdade. Tem várias outras histórias interessantes por lá, como a curta participação dela no programa Jovem Guarda (!!!). Rosa começou a carreira como cantora e tinha uma relação forte com o estilo enka. Mas visualmente, tinha apelo fashion e lembra muito as idols da era Showa!

Disco de 1968, um ano depois da novela

Na minha cabeça o Imagens do Japão e o Japan Pop Show se misturam - mas acho que o Japan Pop Show era mais moderninho. Olha a abertura dos dois:

Rosa se aposentou da vida artística. E não casou com um gaijin: Mario Okuhara, um dos homens que deu espaço para ela em sua rádio Santo Amaro, foi o seu marido.