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Saudades de chorar com Pose? Assista a It's a Sin

A epidemia da AIDS começou a fazer notícia e ganhou volume de doentes e mortos primeiramente nos EUA. E, claro, a série Pose também tem o pano de fundo do ballroom e o voguing. Sendo assim, a comparação entre ela e a nova It's a Sin segue mais por duas semelhanças: o tema da AIDS em uma época em que se sabia muito pouco sobre ela e a maior representatividade na telinha. No caso de Pose, predominantemente de mulheres trans; no caso de It's a Sin, predominantemente de homens gays.

O protagonista Ritchie Tozer (Olly Alexander) no meio com Jill Baxter (Lydia West) do seu lado, sentada e boquiaberta

Só minorias sabem a importância da representatividade na ficção. A gente vibra com qualquer migalha. Eu vibrei com Queer As Folk, com O Segredo de Brokeback Mountain, com Sandrinho e Jefferson em A Próxima Vítima. Ainda assim, todos esses exemplos estavam longe do meu dia-a-dia (talvez Sandrinho surpreendentemente seja o mais próximo?!).

Aí tiveram duas séries que, apesar de um pouquinho atrasadas, bateram forte em mim: a britânica My Mad Fat Diary, com o amigo gay Archie (Dan Cohen), e a australiana Please Like Me, com o protagonista mais idiota-chato-burro e mesmo assim queríamos continuar assistindo Josh (Josh Thomas).

Coincidência que as duas falem de saúde mental de maneira bem gatilhada? Talvez não.

Enfim: ambas trazem gays que não são bombados nem maravilhosos como artistas de cinema. Já é um grande avanço. E dá para identificar também… a minha turma. Sabe? Aquela nossa turma. Aquela que ia nas festas indie e dançava ao som de britpop (no caso de My Mad Fat Diary, cuja história se passa nos anos 1990). Aquela que combinava que o café do Espaço Unibanco de Cinema seria o ponto de encontro daquela tarde (no caso de Please Like Me). Se você é/era dessa turma, você entendeu. Se você não é/era, fica difícil explicar… kkkkkkk

Enfim, tudo isso para dizer que cheguei a ler por aí nas internets que It's a Sin era bobo, reforçava estereótipos.
Jura?
Eu achei EXTREMAMENTE MINHA TURMA. Sem gordos, sem ursos, é uma pena, mas bem minha turma MESMO.

Colegas de quarto: Colin Morris-Jones (Callum Scott Howells) e Roscoe Babatunde (Omari Douglas)

O protagonista Ritchie (interpretado pelo vocalista do Years & Years Olly Alexander) não me parece exatamente um padrão, apesar de ser branco. E o personagem passa longe de ser virtuoso – talvez seja o que possui mais dimensões. Homossexual no armário para a família, conservador e promíscuo ao mesmo tempo, humanamente egoísta, despertando julgamentos e compaixão.

Os outros, bem… Roscoe é de família nigeriana e literalmente dorme com o inimigo – nesse caso, um ministro do partido conservador que o banca. O pobre galês Colin é de uma timidez e de um provincianismo quase paralisantes, apesar de muito simpático (e de ser um dos mais empáticos, o "menino bom”). Ash (Nathaniel Curtis) é indiano e possui a história menos desenvolvida de todas.

E finalmente tem a Jill interpretada por Lydia West, que na minha cabeça é uma das atrizes mais legais da atualidade (assisti quase tudo que ela fez até agora: Years and Years, o novo Drácula da Netflix e agora It's a Sin; se ela estivesse em I May Destroy You era jackpot).
Eles dão um pouquinho mais de dimensão para Jill, mas infelizmente ela não consegue superar aquele velho papel: o da amiga do gay. É quase subversivo, porque na ficção geralmente quem existe é o melhor amigo gay da protagonista, e aqui, veja só, tchanan! Preciso dizer que isso acontece na vida real. Tanto quanto o amigo gay, há a figura da amiga hétero.
O fato: West é tão boa que você simpatiza com ela, mesmo que a maior característica da personagem seja a empatia gratuita. Ou sou eu que já a vi em outras séries e simpatizo de graça? Não sei.
Tentei refletir se ela não era a versão "mulher hétero para gays" do white savior. Straight savior, anyone? Olha, enquanto eu assistia à série, quis mais é que ela salvasse todos. Acho que faz parte da narrativa. Acho provável muitos gays terem negado a realidade na época, e talvez amigas tenham tentado abrir os olhos deles. Não os culpo, mas como culpá-las? Não dá, né?

(Escrevi tudo isso deduzindo que ela é hétero, porém não me lembro de isso ter ficado exatamente claro na série. Acho que a sexualidade dela nem chega a ser debatida ou mencionada, e se foi, parece-me que foi bem de passagem, tanto que nem me recordo. Perdoem-me.)

“Adoro ser sua amiga!"

O que mais ver em It's a Sin?

. Participações especiais: Neil Patrick Harris e Stephen Fry. Mara!
. Sexo. Não chega a ser um +18, mas é NSFW…
. Trilha sonora: virada dos anos 1980 para 1990 em Londres. Quer mais? Além da música dos Pet Shop Boys que dá título à série, tem Kate Bush, Orchestral Manoeuvres in the Dark, Eurythmics, Bronski Beat… Quero tudo.
. Russell T. Davies, o criador. Ele também é o nome por trás de Years and Years. É o Ryan Murphy do Reino Unido? Eu gosto!
Ah: Queer as Folk, a primeira versão, inglesa… é de Davies.

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It's a Sin é da BBC e HBO Max, portanto infelizmente ainda não está disponível no Brasil em streaming.
Se vira.

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