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Pigmaleão, mas no Japão e com críticas ao capitalismo: o filme Kyojin to Gangu

Não é toda hora que a gente se depara com um filme e pensa “ah, OK, talvez seja bom, não estou fazendo nada mesmo…”
E aí você fica completamente vidrado no filme.
Kyojin to Gangu, que em inglês virou Giants and Toys, é um longa japonês do celebrado diretor Yasuzo Masumura. Respeitadíssimo porém ainda meio obscuro por essas praias, Masumura morreu em 1986 mas deixou uma filmografia bem robusta. com histórias do pós-guerra que mostravam o avanço do individualismo em detrimento do senso de coletividade tão importante na cultura japonesa, entre outras influências dos EUA e do ocidente em geral. E ele também foi um dos diretores de pinku eiga, os filmes eróticos japoneses, mais ou menos um correspondente à nossa pornochanchada. Só que o período forte do pinku eiga é correspondente ao da nosso pornochanchada e ao do exploitation estadunidense, por volta dos anos 1960 e 1970 - Kyojin to Gangu é anterior a isso, de 1958, apesar de suas modernidades e de seu ar “prafrentex” - mais a seguir.

Bom, vamos ao filme em si: apesar de eu nunca ter ouvido falar nele antes de assistir, parece que Kyojin to Gangu é um clássico cult - de fato, seu frescor na narrativa leve e pop parece preconizar os anos 1960. Ritmo mais ágil, temas mais modernos.
A história original vem de obra de Takeshi Kaikō, escritor importante do Japão, e tem suas fórmulas. O que eu pesquei:

. Mito do Pigmaleão, ou seja, da transformação de uma menina simples em uma mulher “de classe”. Na mitologia grega, o rei Pigmaleão se sente muito sozinho e esculpe a “mulher perfeita”. Aí chora as pitangas e Afrodite dá vida à escultura, batizada Galateia. Ou seja: não é só o mito de transformação de uma pedra em uma mulher perfeita, mas a construção disso pelas mãos (e visão) de um homem, com tudo o que pode surgir de problemático ao redor disso. O exemplo mais famoso da cultura pop é o musical e filme My Fair Lady, que acabou virando um mito do Pigmaleão moderno, porém mais casos é que não falta. De cabeça já cito o filme que chama Pigmaleão em si, de 1938; todas as versões de Nasce Uma Estrela; Cinderela em Paris; a novela de 1970 Pigmalião 70 (que invertia os papéis: dessa vez era uma mulher, interpretada por Tônia Carrero, que transformava um homem). Kyojin to Gangu tem o mito do Pigmaleão (um homem transforma uma menina boba, pobre e simples em uma celebridade), mas não é só…

. Sucesso ou fracasso nos negócios? Qual é o preço que você pagaria para conseguir promoções na concorrida carreira profissional? O mundo da publicidade e marketing que aparece no filme, com a disputa de três indústrias de doce, a Giant, a Apollo e a World, sobre o mercado japonês. O plot principal, na verdade, é esse: quem será que vai ficar na frente? O importante é vender mais que as concorrentes. Nishi (Hiroshi Kawagushi), o assistente do ambicioso executivo Goda (Hideo Takamatsu) da World, tem um amigo na Giant e um flerte na Apollo. Ele tenta descobrir a estratégia da campanha anual dos concorrentes em conversas de bar para ter alguma vantagem competitiva. E Goda aparece com a ideia de uma nova celebridade, um rosto que ninguém conhecia antes - é ele quem transforma a simples Kyoko (Hitomi Nozoe), que é meio doidinha e tem dentes podres (de tanto comer doce?), em uma estrela da noite para o dia. O interesse dele é que ela, claro, seja a garota-propaganda da World. Mas a que custo? E a inocência de Kyoko? E as amizades de Nishi? Tudo isso vale o preço?

. Ou seja: no fundo, o filme também é uma fábula contra a ambição desmedida, a fábrica de celebridades, a disputa de mercado ganhando mais importância que as relações humanas. Figuras cínicas (e certamente não muito longe da realidade) vão desfilando pela tela: o fotógrafo assediador. A produtora da TV que descarta uma “ex-famosa” que saiu de moda. E melhor eu parar por aqui para não dar spoilers.

Bom, tudo isso para dizer que amei esse filme. Um segredinho: está no YouTube. Na íntegra e com legenda em inglês. Corra antes que acabe:

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