A misteriosérrima Doji Morita
Houve um tempo em que o segredo era ser misteriosa. Quanto mais você evitasse se expor, mais as pessoas iam querer saber de você. Hoje a coisa me parece um pouco diferente.
No meu livro recém-lançado, o Si, Copimila, o primeiro texto traz uma parte sobre uma discografia perdida de uma artista misteriosa, Nancy Rouge, sobre a qual ninguém sabe detalhes. As pessoas acabam criando teorias da conspiração a respeito dela. É uma ficção, e quando escrevo ficção percebi que funciono da seguinte maneira: escrevo-escrevo-escrevo como quem abre uma torneira. Depois penso no assunto.
Ao pensar sobre Nancy Rouge e refletir de onde ela saiu, uma das coisas que acho que me inspiraram foi Doji Morita.
O que sei sobre essa cantora japonesa? Quase nada. Mas isso não é novidade: todos sabem quase nada sobre ela.
Com vocês… Morita.
Sabe-se que ela nasceu em 1953, sob o signo de capricórnio. E seu nome verdadeiro nunca foi divulgado! Na década de 1970, a morte de um amigo (suicídio) a inspirou a virar cantora. Não fica claro se o amigo tinha 20 anos ou ela mesma – varia de acordo com a fonte. Foi daí que surgiu a música Sayonara Bokuno Tomodachi, que quer dizer “adeus, meu amigo”, seu primeiro single, de 1975.
O tom mórbido das músicas de Morita viraria uma marca. Ela quase sempre se apresentava assim: cabelão crespo, óculos escuros. Era uma peruca? Doji Morita era quase uma personagem. A música Sayonara Bokuno Tomodachi também é a último do seu primeiro álbum, Good Bye.
Doji quer dizer menino. Doji Morita apareceu sempre com um visual andrógino, usando um look mais masculino. O seu eu lírico é, na maior parte do tempo, um homem. A letra de Sayonara Bokuno Tomodachi fala que o amigo dela que morreu tinha cabelo comprido. Uma das teorias: ela assumiu a persona desse amigo.
Mas vamos para Bokutachi no Mitsui, música do álbum seguinte, Mother Sky, de 1976.
Olha
essa
capa
desse
disco.
E
ouve
essa
música.
A tradução do título é algo como “Nosso Erro”, “Nosso Engano" ou “Nossa Culpa". Ela consegue ser ainda mais sinistrona, um folk à Nick Drake bem deprezão. Ficou famosa depois, em 1993 e em 2003, por ter sido usada como tema da série de TV Kou Kou Kyoushi. Isso estimulou um revival de Doji Morita, que já estava aposentada, no Japão: saiu coletânea, saiu reedição dos primeiros discos. Um sucessinho cult. Quiseram entrevistá-la. Ela? Respondeu que não estava interessada. Calada seguiu. A verdade é que não parecia gênero: ela realmente demonstrava ser muito tímida.
O álbum seguinte também me instiga muito. A Boy foi lançado em 1977.
Repito: 1977.
O rosto-máscara. O braço com uns fios elétricos saindo. O eclipse. O título, A Boy – se referindo a ela?
Acho que essa imagem foi a que mais me inspirou para imaginar os álbuns de Nancy Rouge.
Posso estar viajando, mas o som desse me parece mais… completo. Tem mais instrumentos, arranjos mais complexos. O single, que está acima, é Seruroido no Shôjo, ou “Garota Celulóide". Assim como outras letras de Morita, essa fala de uma jovem em crise existencial que se sente sozinha. É cheia de imagens poéticas.
Em 1978, Morita lançou um álbum ao vivo. Ele foi gravado em uma igreja católica. Mais especificamente, na St Mary's Cathedral de Tóquio, no bairro de Sekiguchi.
Simplesmente essa aqui:
Passado?
Eu também.
Em 1980, viria o disco The Last Waltz e o single The Last Waltz Un Deux Trois.
Nem sei o que dizer. As imagens já falam por mim.
Ela não lançaria mais singles, mas ainda saíram dois álbum de inéditas antes de sua aposentadoria. Nocturne de 1982 e Wolf Boy de 1983.
Eu gritei ÍCONE!
Dizem que Doji Morita se casou depois da aposentadoria precoce. Ela morreu de insuficiência cardíaca em 2018.
Existe um documentário em japonês e infelizmente sem legenda em três partes no YouTube. Aqui a primeira:
Se alguém quiser me dar qualquer disco desses da Doji Morita… OBRIGADO.
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