A Madonna deles: Seiko Matsuda

Esse post é dedicado a Juliana Kataoka, que sempre gosta dos posts que eu faço sobre cultura pop japonesa. Espero que ela curta esse também, porque deu trabalho. Afinal, é sobre UMA DAS MAIORES IDOLS DO JAPÃO. Quiçá a maior! Com vocês…

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Seiko Matsuda nasceu em Fukuoka e é uma das artistas da era de ouro dos idols japoneses, que são os anos 1980. Ela bateu um recorde absurdo de número de vezes que atingiu o topo da parada japonês, já se apresentou por 21 vezes no Kôhaku Uta Gassen (o prestigiado show de fim de ano da NHK) e foi considerada a segunda idol maior vendedora de discos de todos os tempos, com um pouco mais de 29 milhões e meio de cópias vendidas por toda a sua carreira (o primeiro é o grupo pop SMAP e a terceira é Akina Nakamori, que era a sua "rival” dos anos 1980 – guarde esse nome). Não é à toa que recebeu o apelido de Eternal Idol da imprensa. O que é mais chocante é que Matsuda segue lotando shows até hoje – ao contrário de outros idols, considerados de música descartável, ela conseguiu ser perene.

Em 1978, Noriko Kamachi ganhou o concurso Miss Seventeen Love Idol Attack promovido por uma revista. Bateu 4.500 concorrentes e começou sua carreira, assumindo o nome de Seiko Matsuda. Até então, a fórmula de idol era espelhada em Momoe Yamaguchi, sobre a qual falei por aqui anteriormente. Existe toda uma lógica ao redor dos idols, e uma série de tabus: eles não podem, por exemplo, serem vistos fumando ou bebendo. Relacionamentos amorosos também são proibidos, e quando as mulheres idols se casam, espera-se que elas interrompam a carreira para constituir uma família e dedicar-se exclusivamente a ela. Idols, em essência, eram jovens. Yamaguchi seguiu toda essa cartilha, mas foi pioneira em começar a colocar as asinhas de fora e fazer escolhas artísticas – normalmente tudo era controlado pela agência de talentos com a qual o idol tem contrato; o artista era visto como mero fantoche, fruto de produção e marketing, e consequentemente ninguém os levava a sério.

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Mas Seiko Matsuda, que começou sua carreira no mesmo ano em que Yamaguchi se aposentou, fez mais que ela.

No fundo não gosto de fazer esse tipo de comparação com a Madonna, a menos que realmente seja muito relevante. Só que nesse caso dá para imaginar que, fora o talento e o carisma, Matsuda também tem toda essa durabilidade no showbusiness porque sua vida pessoal já virou manchete diversas vezes. Ela é um sucesso e é um escândalo. E também é meio surreal: com 58 anos, mantém a carinha de garota.

Devo confessar que gosto muito mais do som da Yamaguchi, e que Matsuda me atrai pela história. Mas claro que não vou ignorar a música aqui. Seu primeiro single número 1 foi o terceiro que lançou, Kazewa Aki-iro (1980), e ele começou uma sucessão de 24 singles consecutivos a atingirem o número 1. Sim, eu disse 24! Antes dela, quem tinha esse recorde, com apenas 9 singles consecutivos no topo, era a ótima dupla Pink Lady, um sucesso dos anos 1970 de quem Matsuda era fã. De 9 para 24, que tal?

Matsuda perdeu esse recorde para a dupla B'z, de rock, que contou com 38 singles consecutivos no número 1. TRINTA E OITO! E foram 49 não-consecutivos, no total! Esse recorde é deles até hoje. O feito do B'z aconteceu entre os anos 1990 e o começo dos 2000.

Voltando para Matsuda: logo de cara, uma coisa chamava muito a atenção nela.

O Seiko-chan cut

Sim, ele mesmo

Sim, ele mesmo

O cabelo. Toda uma escova elaborada! O Seiko-chan cut virou mania, era copiado nos salões. Batizar um corte de cabelo com seu próprio nome é sem dúvida um sinal de fama! Dizem que foi a própria Matsuda quem quis que seu cabelo fosse assim. E logo no começo… Essa colocou as manguinhas de fora bem antes. E isso era apenas o início – esse corte em Seiko durou até o final de 1981 e pronto.

Seiko fazia mais do que apenas dar pitaco nas suas madeixas – talvez entusiasmada porque vendia tanto. Foram 8 bilhões de ienes em vendas só no primeiro ano de sua carreira como cantora! A Sun Music, que era a agência de talentos que cuidava dela, queria deixá-la parecendo mais velha pros seus 18 anos. Ela resistiu, quis o contrário. Franja, minissaia, uma imagem de novinha.

A imagem da burikko.

O que é burikko? É um burrinho?

Não. Mas a analogia, em seu sentido pejorativo, até que tem lógica. Burikko é um pejorativo para mulheres que agem e falam de maneira infantilizada para chamar a atenção. Um biquinho, a mãozinha no queixo, o ar de sonsa. Um tipo inocente que inspira cuidados, só que mentiroso. É como se fosse uma "fofura em excesso”, um "colocou açúcar demais e melou". Acho essa discussão bem interessante porque enquanto o burikko reforça estereótipos de mulher desprotegida e vítima, também guarda em seu significado algo de ardiloso, um fingimento para a mulher conseguir o que quer. Ou seja, ela se faz de bobinha quando convém. O kawaii usado para a manipulação.

Matsuda é apontada como a burikko pioneira. Diz a lenda que ela usava desses artifícios já bem nova, na oitava série, ganhando assim os professores e alguns garotos. As estudantes meninas, invejosas, votaram contra ela nas eleições do conselho estudantil e ela perdeu. Rolaram lágrimas na sala dos professores, um drama… mas logo depois, pronto, passou. Lágrimas de crocodilo? A recuperação de um choro tão doído foi rápida demais. Esse padrão continuaria em outras circunstâncias da vida de Matsuda, a ponto das pessoas duvidarem do choro dela, especialmente quando em público.

Quando Matsuda ficou famosa, ela continuou usando dessa imagem, no look e no jeitinho, pra conquistar o pessoal. Todo mundo começou a apontar esse lado falso, um charminho irritante. Mas nada como saber rir junto: a cantora usou disso para fazer piada de si mesma e o feitiço virou contra o feiticeiro. Despertou ainda mais simpatia quando deliberadamente fazia algo burikko… de propósito!

Muita mulher falava mal. E muitas outras a imitaram. Sim: Seiko Matsuda pode ser considerada uma difusora pioneira do kawaii.

Aliás, essa é a capa de Kazewa Aki-iro, com Eighteen do lado B

Aliás, essa é a capa de Kazewa Aki-iro, com Eighteen do lado B

Em 1982, Matsuda já apareceu assim.

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Adeus ao corte

Essa foto veio da capa do disco Candy

E no fim de 1982, no Kôhaku Uta Gassen, rolou um encontro. Para quem não está acostumado com essa instituição cultural japonesa: o Kôhaku Uta Gassen acontece todo ano, é uma espécie de batalha entre times de cantores e músicos divididos entre homens e mulheres (é, eu sei, esse binarismo é bem careta). É transmitido ao vivo com muita audiência pela NHK. Funciona como um termômetro de sucesso (tudo que é hit é convidado a participar, como uma honraria) e uma tradição, até maior que Roberto Carlos: o pessoal já espera que em certo horário no dia 31/12 vai passar o Kôhaku Uta Gassen.

Em 1982, era a terceira vez que Matsuda aparecia nele. E a mulher sempre é colocada contra um homem nesse esquema de competição. O seu oponente naquele ano foi…

Hiromi Go

O single de Junjou, lançado em 1982, de Hiromi Go

O single de Junjou, lançado em 1982, de Hiromi Go

Em off: e aí? Olha, nessa foto ele nem está tão bonito mas já vi outras e te digo que… entendo a Seiko. HAHAHAHAHAHAHA!

Mas vamos lá, por partes: em algum momento Matsuda começou a ser, digamos, romanticamente linkada com Hiromi Go. Como ela não era o tipo que fica quietinha, começou a dizer para Deus e o mundo que, mais do que qualquer outra pessoa, queria aproveitar sua fama para ser apresentada a Go, um cantor que ela admirava desde seus tempos de estudante. Pois bem: a apresentação foi feita um pouco antes do Kôhaku Uta Gassen, em outro programa de TV chamado Let's Go Young (provavelmente o nome era em japonês, mas minha fonte é americana e eles têm mania de traduzir tudo e não deixar o nome original!).

Em novembro, um mês antes do Kôhaku Uta Gassen, Matsuda declarou num programa de rádio: "Se tem um homem que eu gosto, é o Hiromi". Os fãs ficaram malucos, né? Porque na lógica idol, se um casal está namorando, eles vão casar. Ser idol é isso: ou você é solteiro, sempre com uma imagem pura, totalmente dedicado aos fãs. Ou você está noivo…

Segura aí que já conto mais! Porque foi em 1983 que aconteceu o…

Ataque do homem doido em Okinawa

Durante um show em Okinawa, enquanto Matsuda cantava Nagisa no Balcony, um single de 1982 (do vídeo acima), um cara de 19 anos subiu no palco e bateu na cabeça dela com um cano de plástico. Ele foi preso – alegou que queria fama e era psicótico, paciente de um hospital psiquiátrico de Saitama que tinha saído por uns dias de lá com permissão para encontrar a família. Voou para Okinawa e deu no que deu. Matsuda ficou com ferimento na cabeça e chegou a desmaiar na hora do ataque.

Ela teve que engolir o susto porque o show tinha que continuar. O ataque aconteceu no dia 28/03 e ela já estava de volta nos palcos em 5/04, em Kumamoto! E por aí vai: agenda cheia, garota.

Surpresa: ela compõe

Opa!
Antes de Chisato Moritaka provar que idols não eram apenas fantochinhos ao compor suas próprias músicas, Seiko Matsuda fez isso em 1983. Era a música Canary, que saiu no álbum homônimo Canary. Ela também começou a se autoproduzir em 1983. Com 21 aninhos, de boba ela só tinha a cara.

A música é boa? Não. Na minha opinião, é uma bobagenzinha. Mas é uma bobagem que fez sucesso!

1983 também foi o ano de Himitsu no Hanazono, o single que quebraria o recorde anteriormente de Pink Lady – décimo single consecutivo de Matsuda a alcançar o topo das paradas. A música é fofinha, mas dizem as más línguas que foi ajudada pelas microssaias brancas que Matsuda sempre usava ao apresentá-la ao vivo…

Com isso, vamos para frente: o primeiro escândalo.

Se não tem tu, vai tu mesmo

Nessa hora o relacionamento com Hiromi Go era uma realidade – negada, mas eles estavam namorando. Porém Matsuda não era que nem Yamaguchi, nem desejava o mesmo destino que ela. Queria continuar a trabalhar – afinal, sua carreira continuava em franca ascensão, cheia de singles no número 1, e ela agora compunha, produzia! Meu cu, né? Hiromi, enquanto isso, tinha uma imagem de popstar prafrentex mas no fundo era um boyzinho conservador também de Fukuoka. Ele esperava que Matsuda casasse com ele e largasse a carreira, de verdade!

Em novembro de 1984, enquanto estava no México filmando Karibu: Ai no Symphony, Matsuda ficou doente, com intoxicação alimentar. E tinha alguém no elenco que falava inglês e a ajudou, cuidando dela…

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Lá vem a noiva

É bem instigante que a principal imagem de divulgação do filme seja essa, de Seiko Matsuda vestida para casar

No fatídico 23 de janeiro de 1985, é convocada uma coletiva de imprensa. Todo mundo deve ter achado que o assunto era quente, porque ela estava cheia. Será que esperavam o anúncio do casamento de Matsuda com Go? Bom, se era o caso, tomaram um banho de água fria. Ela declarou que “Hiromi não ligaria se eu continuasse a trabalhar, mas não acho que seria bom para ele… Se eu nascesse de novo, definitivamente gostaria de estar com ele". E para arrematar: uma cascata de lágrimas.
Ou seja: a coletiva era para avisar que ela NÃO ia casar com Hiromi Go!

Uma semana depois, Matsuda admitiu para a imprensa que tinha um novo amor. Masaki Kanda, o seu par em Karibu: Ai no Symphony que ficou ao seu lado durante a infecção alimentar, era o novo boy. O próprio Kanda confirmou, em coletiva de imprensa em fevereiro.

O mais surreal: o filme estreou em abril de 1985, com o casal anunciando o noivado no mesmo mês. E eles se casaram em junho de 1985, dois meses depois! Não estou querendo insinuar que tudo foi um golpe midiático, mas sinceramente os produtores devem ter ficado bem felizes com a divulgação que o namoro e o casamento geraram para o longa. Afinal, quem não ia querer ver o filme em que Matsuda conheceu Kanda e esqueceu Go? Eu quero, por exemplo! (Mas não achei.)

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Matsuda & Kanda

Em cena do filme no México, na frente do mar caribenho… Será que o cenário ajudou a acender a paixão?

“Vocês acharam que eu não ia rebolar minha bunda hoje?”

O casamento de Matsuda e Kanda custou duzentos milhões de ienes, valor alto até para os padrões mais extravagantes dos famosos japoneses. Em outubro de 1986, nascia a filha deles, Sayaka.

Mas é óbvio que Matsuda não ia parar a carreira MESMO. No ano do nascimento da sua filha, enquanto estava em licença maternidade, Matsuda lançou um livro autobiográfico, Seiko. No fim do ano, já estava lá no Kôhaku Uta Gassen, bem formosa.

No vídeo acima, Matsuda canta Ruriiro no Chikyuu, música que gravou quando estava grávida para o álbum SUPREME, lançado em 1986. Não foi um single comercializado (apenas foi distribuído para divulgação), mas Matsuda a cantou em 1986 para marcar a aparição do cometa Halley naquele ano (o título quer dizer Terra Azul). Sayaka Kanda, a filha que estava na barriga de Matsuda na hora da gravação, já disse que sempre "se sente estranha” quando ouve essa canção. Virou uma das músicas mais populares de Matsuda.

Ninguém segura essa mamãe

Mas SUPREME ainda era de uma safra antes do nascimento da filha de Matsuda. Será que o encanto idol seria mantido? A resposta vinha a galope com Strawberry Time, lançada em abril de 1987.

Mais um número 1. No vídeo acima, aparecem algumas imagens num televisor de Matsuda no começo da carreira. Dá para reparar que a imagem segue romântica, quase infantil, com lacinhos, renda, saia curta. A partir disso, Matsuda ganha um novo apelido: Mamadol, ou seja, uma idol mamãe. Passou a ser a expressão usada para todas as idols que seguem carreira depois de terem filhos.

E na vida pessoal? Bem… Se você acredita em revista de fofoca, saiba que os rumores é que ela chifrava o marido. Pelo menos três homens foram apontados como possíveis amantes de Matsuda nessa época:

. Kichitaro Negishi (diretor de cinema que trabalhou com ela no show montado em 1988 Sweet Spark Stream, esse do vídeo abaixo)

Esse é o Negishi em 2009

Esse é o Negishi em 2009

. Hiroyuki Sanada, seu par romântico no dorama Sweet Memories de 1987.

Sanada e Matsuda em Sweet Memories

Sanada e Matsuda em Sweet Memories

Talvez você conheça Sanada de Westworld (2018-20), Wolverine: Imortal (2013), 47 Ronins (2013), Ring – O Chamado (1997)… Ele já participou de várias coisas!

Sanada em Westworld como Musashi

Sanada em Westworld como Musashi

. E finalmente Eiji Okada, ator que era bem mais velho que ela (uma diferença de 42 anos!) e foi o destaque de Hiroshima Mon Amour de Alain Resnais em 1959, antes de Matsuda nascer!

Emmanuelle Riva e Okada em cena de Hiroshima Mon Amour

Emmanuelle Riva e Okada em cena de Hiroshima Mon Amour

EEEEEU? Separar???

Em 1988, todo mundo dava o divórcio de Matsuda e Kanda como certo. As revistas discutiam o assunto. Mas para comemorar o terceiro aniversário de casamento, o que todo mundo recebeu de volta foi… Um dueto dos dois. Aconteceu no programa de TV Music Station.

Kanda e Matsuda no casamento deles

Kanda e Matsuda no casamento deles

Só que o que eles estavam escondendo é que eles já estavam vivendo separados. Matsuda se mudou para a casa dos pais dela com a filha Sayaka e Kanda ficou sozinho no apartamento onde eles moravam. Que tal?

Vou correr atrás do que é meu e dane-se!

E foi em 1988 que Matsuda informou a todos que estava se preparando para tentar a sorte no mercado americano. Com uma filha de dois anos de idade, ela ia viajar?! Sim, e Kanda aparentemente não achou ruim. Ué. Se o pai poderia ter ido, por que a mãe não podia?

Sayaka Kanda e a mãe Seiko Matsuda em propaganda (ou embalagem?) da Glico, numa foto bem recente

Sayaka Kanda e a mãe Seiko Matsuda em propaganda (ou embalagem?) da Glico, numa foto bem recente

Eles já estavam em teoria separados, mas publicamente continuavam juntos. Eis que, durante todo o treinamento de Matsuda (ela estava tendo aulas de dança, canto e inglês em NY), ela é flagrada em um date com Masahiko Kondo em fotos publicadas por uma revista.
O ligeiro detalhe é que Kondo também tinha uma namorada… nada menos que Akina Nakamori. Sua maior rival nos charts durante os anos 1980!

MOLTO FRANCA

Matsuda encontrou a independência em 1989. Burikko já era. Ela aprendeu outras coisas, viu que era talentosa o bastante para se firmar em outras coisas que não fossem a imagem de meiguinha e aproveitou as mudanças todas para mostrar o que talvez sempre foi a sua verdadeira face: uma mulher mais franca, direta, com opinião própria, bem pouco padrão entre as japonesas. Não satisfeita, decidiu não renovar o contrato com a Sun Music que expirava naquele ano e anunciou a abertura de sua própria agência de talentos, Fantic, em julho. Era o grito de independência.

Mas ela não esperava um detalhe. No mesmo mês, Nakamori cortou os pulsos no apartamento de Kondo em uma tentativa de suicídio. Kondo teria terminado o relacionamento com ela, e obviamente Matsuda foi apontada como pivô. E sabe qual era o nome do single que Nakamori estava trabalhando nessa mesma época? LIAR. Te juro!

"Pega na mentira!”

Drama, meus amigos. A carreira deles três quase afundou: Nakamori ficou se recuperando por um tempo – ela só voltaria à mídia um ano depois. Kondo organizou uma coletiva no fim de 1989 para pedir desculpas. E Matsuda? Viu seu fã-clube diminuir consideravelmente de 80.000 membros para 8.000! Pior ainda: não foi chamada para o Kôhaku Uta Gassen daquele ano. Putz…
O tradicional show dela de fim de ano no Budokan se esgotou em poucas horas, como era (e é) de costume – pelo menos isso.

Tal qual Deborah Secco em América

1990: chegou a hora de conquistar os EUA. Seiko Matsuda, que precisava mais do que nunca não depender do mercado japonês para fazer sucesso em sua carreira, lançou um álbum em inglês, Seiko, e um single, The Right Connection, em que cantava em dueto com Donnie Wahlburg, um dos integrantes do New Kids On The Block. Step by Step, o maior hit dos New Kids, tinha chegado um mês antes, em maio – e pode até ter eclipsado The Right Connection. A balada era bem xarope perto da animada Step by Step, é só ouvir para perceber.

O resultado é que a empreitada e o investimento para lançar Seiko como artista internacional não deu em nada. E enquanto isso, apareceu um triângulo amoroso bem babadeiro. Babadeiro porque, principalmente: Kanda continuava sendo o marido de Seiko Matsuda nesse tempo todo!!!

É a hora dos amantes gaijin

Em fevereiro de 1990, Matsuda conheceu Jeff Nichols, um garçom aspirante a ator.

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O caso foi sério. Em 1990, repórteres flagraram um encontro deles com a mãe de Seiko e a filha dela, Sayaka, que ainda o chamou de "papai" (a guarda era da Matsuda). Só que em março de 1991, ela começou um affair com um dos dançarinos da sua turnê, Christopher Conte, que usava o nome artístico Alan Reed. Em maio, a cantora pagou uma passagem para Nichols para ele ir de NY até Osaka e… apresentou os dois.
Quê?
Pois é, parece que Matsuda terminou com Nichols assim: “Esse é o novo, adeus". Mas parece que os sentimentos dela não estavam muito claros, porque ela acabou indo e voltando com Nichols enquanto mantinha um relacionamento com Reed no qual pagava uma mesada e tudo. Gigolô que chama?

Até então, tudo ainda podia ser encarado como fofoca e especulação da mídia – apesar de, por exemplo, uma música lançada em novembro de 1993, essa A Time For Love de cima, ser um dueto entre ela e Reed. Risos!
E aí, eis que…

O futuro está nos livros

Nichols decidiu fazer um livro contando tudo e o lançou em 1994.

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<INSIRA AQUI UMA VAIA CEARENSE>
(Nem sei se esse é o primeiro que ele lançou porque, pasmem, foi mais de um)
Falou de noitadas regadas a droga e sexo mais tudo o que você pode imaginar. Só que, como provar, né? O povo ficou meio desconfiado pra acreditar…

O mais instigante é que Kanda seguia defendendo a mulher, dizendo que ela era e sempre seria sua esposa – em coletiva de imprensa e tudo. Isso fez com que o público começasse a ver Matsuda como vítima, e a imprensa (e até mesmo Nichols) como vilões da história. E também tinha gente que achava bom mesmo que ela corresse atrás do que queria desafiando valores morais antiquados, fossem os boatos verdade ou não.

Não satisfeita, em julho de 1994 Matsuda apareceu numa campanha de cosméticos com o slogan "nudishu senden” (tipo "declaração nua e crua” ou algo assim) fazendo topless (não aparecia o peito mas enfim) e abraçando e beijando um modelo caucasiano. O modelo? Alan Reed.

Japonesa que não desiste nunca

Esse clipe esquisitíssimo faz parte da segunda tentativa de Matsuda de fazer sucesso no mercado estadunidense, em 1996. Mas nada aconteceu. Quer dizer, algo aconteceu sim: só não foi nas paradas estrangeiras (no Japão, aliás, ela seguia bem, obrigado).

Em janeiro de 1997, Matsuda e Kanda anunciaram a separação oficialmente. Nossa, demorou tanto que o povo até ficou confuso. Por que só naquele ano? Não dava para saber pois em teoria não haviam novas infidelidades de Matsuda disponíveis para os tabloides. Na época, eles meio que chutaram que Kanda achava que ela devia desistir dessa coisa de querer ser artista internacional e cuidar mais da filha. Ah, até parece que ela ia aceitar, né?

E em 1997 também rolou isso aqui…

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Afinal, se um podia, por que o outro não haveria de fazer? Conte é o nome real de Alan Reed. É ele na capa do livro com Matsuda.

Demi Moore perde

O filme Assédio Sexual de 1994 com Demi Moore e Michael Douglas deve ter estimulado a imaginação de Reed. Porque ele resolveu processar a Matsuda por assédio sexual em 1998! E surpresa: ele ganhou. Foi indenizado com 48 milhões de ienes.

Reed e Matsuda, ainda em 1993

Reed e Matsuda, ainda em 1993

Se um processo desse já era raro no Japão, imagina com um homem acusando uma mulher? Pois é.

Mas Matsuda já estava em outra. Seu segundo casamento, com o dentista Hiroyuki Hatano, aconteceu em maio de 1998. Hatano era o dentista da filha dela! Pense!

Aí você pensa: opa! Agora ela sossegou, né?
Ôh, meu consagrado…

Hiroyuki Hatano

Hiroyuki Hatano

A volta de Hiromi Go

SIM. Audaciosa que só ela, Matsuda lançou um dueto com nada menos que Hiromi Go chamado True Love Story (!!!!) em setembro de 2000. Coincidência ou não, rolou mais um divórcio dela, em dezembro do mesmo ano. Tem quem diga que Go não teve nada com isso: na verdade Matsuda tinha um novo amante, Shinji Harada, o guitarrista da banda dela.

Esse é o Harada

Esse é o Harada

Um minuto de paz & um sucesso nos EUA, por favor

14 anos depois da tentativa de suicídio, uma das maiores rivalidades do j-pop finalmente chegava ao fim. Matsuda e Nakamori se reconciliaram publicamente.

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Katy Perry e Taylor Swift – RISOS pra vocês. Isso sim é babado!
Se Nakamori e Matsuda estão fingindo, o fazem muito bem. A ponto de, por exemplo, participar de um programa de TV juntas em 2005.

Um pouco antes, em 2002, Matsuda finalmente chegava na parada da Billboard. Era só a parada dance, OK. Mas era o 2º lugar!!! Ufa! A música que conseguiu esse feito foi Just For Tonight.

Bem esquecível, né? Mas cumpriu seu objetivo.

O feitiço virou contra a família do feiticeiro

Até hoje, Matsuda teve mais um casamento: com o professor universitário Hiromasa Kawana.

Hiromasa Kawana

Hiromasa Kawana

E está com ele desde 2012. Dizem que the third time's a charm e parece que é isso mesmo: não rolaram mais boatos sobre traição. Mas tem um pequeno detalhe…
Sayaka Kanda.

Ela seguiu carreira artística como os pais – entre outras coisas, é a voz japonesa de Anna em Frozen (2013). Mas antes disso, em 2011, rolou uma notícia que o ator Ikusaburo Yamazaki e a egressa do supergrupo pop Morning Musume Natsumi Abe foram flagrados juntos, com direito a beijo na boca e tudo e tal.

Yamazaki e Abe pegos no flagra

Yamazaki e Abe pegos no flagra

Abe fez a linha “que é isso, gente", negando relacionamento, dizendo que estava bêbada naquela noite. Os dois estavam trabalhando juntos.

Bom, acontece que Yamazaki estava namorando Sayaka Kanda na época...
PAH! Que carma, hein? Vish! A filha de Matsuda acabou se retirando da carreira artística por um tempinho.
Desde então, ela já casou com o ator Mitsu Murata em 2017…

Murata &amp; Kanda: kawaii, né? Sayaka foi modelo de looks lolita quando mais nova

Murata & Kanda: kawaii, né? Sayaka foi modelo de looks lolita quando mais nova

Eles separaram em 2019.

Será que Sayaka vai ter que casar mais duas vezes para encontrar o verdadeiro amor?

Ah, e Yamazaki?
Está casado com aquela Abe desde 2015…
Nossa, amiga, essa euforia alcoólica daquela noite rendeu, hein?

E depois desse post interminável eu me pergunto: POR QUE AINDA NÃO EXISTE UMA SÉRIE, UMA NOVELA, SEI LÁ, SOBRE A VIDA DA SEIKO MATSUDA?
Alô, Ryan Murphy! Feud: Matsuda x Nakamori JÁ.

Quem gostou desse post vai gostar de:
. Chisato Moritaka, a idol que eu amo – e a regravação de Natsumi Abe de um sucesso dela
. Mas que raios é idol? Eu explico nesse post sobre o BABYMETAL
. Odair José & Diana: uma história bem atribulada

Banana Fish é um anime LGBTQ sem pegação, é TUDO e tem em streaming

O nome não é estranho? Bom, Banana Fish também está no título de um conto superfamoso da literatura norte-americana, e de um dos meus autores preferidos. Um Dia Ideal para os Peixes-Banana é um conto de J. D. Salinger que faz parte da coletânea Nove Estórias e traz um dos personagens da família Glass, Seymour Glass (a família Glass aparece em grande parte das obras de Salinger). A boa notícia é que Um Dia Ideal para os Peixes-Banana está disponível online no site da revista Bula - leia, mas com cautela, é um conto aparentemente simples mas trata-se de uma armadilha. E é bom ler já antes de continuar, porque mais para frente vou dar spoilers dele, OK?

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Na verdade recomendo que você leia o livro inteiro

Essa é a mais nova edição - o Estórias virou Histórias

O conto saiu pela primeira vez na revista New Yorker em 1948. O trauma pós-guerra e decorrentes problemas na saúde mental são retratados na figura de Seymour. Salinger aproveita as figuras recorrentes em seu trabalho da família Glass para mostrar a complexidade do ser humano e as decorrências de fatos contemporâneos nas nossas vidas. Ele também é autor do profundo e emblemático O Apanhador no Campo de Centeio - se você não leu, recomendo parar tudo o que está fazendo. Alguns dirão que é uma obra voltada para adolescentes, mas não espere por Jogos Vorazes. O negócio é tenso e mexe com a gente. Já ouvi falar que é um dos livros preferidos do Washington Olivetto - ele tem um monte de cópia extra e dá para as pessoas, tipo evangelizando a palavra de Salinger para o povo!

E Banana Fish, o anime, também mexe com a gente.

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O anime é inspirado num mangá de mesmo nome que, disfarçadamente, foi direcionado para garotas. Não sei se você sabe mas mangás no Japão são bem divididos e segmentados em revistas que tem público cativo: o dos meninos, a das meninas etc.
Entre essas histórias para as meninas, é comum que existam as de estilo yaoi. Elas trazem casais de meninos gays com papéis bem definidos de ativo e passivo, são românticas e ao mesmo tempo possuem cenas estilizadas de estupro (sim, pois é), dominação e congêneres. Geralmente essas historias são vistas como válvula de escape para leitoras que não possuem um relacionamento ou que até o possuem, mas são infelizes nele e gostam de sonhar com algo mais idealizado (e impossível de ser vivenciado por elas, já que os personagens principais são rapazes).
Os yaoi vem desde a década de 1970 e são um sucesso sedimentado. Você também pode ver isso como parte do conjunto semântico do ideal masculino mais frágil e feminilizado da Ásia hoje, contemplado, por exemplo, por ídolos do j-pop e k-pop.
(Existe outro estilo de mangá, o bara, voltado para os homossexuais, nos quais os homens são mais musculosos ou gordos, geralmente mais masculinos e maduros, e o foco dele é mais voltado ao sexo em si do que ao relacionamento, pelo menos ao meu ver. Acho que podem até haver exceções mas yaoi e bara são coisas bem diferentes, definitivamente.)

Já está complicadíssimo na sua cabeça, eu sei, mas vou complicar ainda mais: Banana Fish é um ponto fora da curva. Ao contrário da tradição dos yaoi, a história que começou a ser publicada em 1985 na revista Bessatsu Shôjo Comic não traz exatamente um casal gay que faz sexo. Os protagonistas Ash e Eiji na verdade nem transam. É algo mais platônico, apesar de existir uma tensão amorosa entre eles. Eles são gays? Há discussões sobre isso até hoje, e a própria Akimi Yoshida, autora de Banana Fish, costuma ser dúbia em suas respostas para entrevistas.

Outra grande diferença entre Banana Fish e outros é que o estupro aqui não é glamourizado: o tempo todo ele é tratado como algo negativo, perverso, um fetiche nojento. Quem o pratica na trama deve ser punido, existe uma clara criminalização. Ufa.

Não tenho certeza, mas acho que Yoshida fez tudo isso de caso pensado, para criar algo diferente. Tanto que Banana Fish virou cult e conseguiu furar a bolha dessa divisão de gênero: muitos homens héteros e cis são fãs e não tem vergonha de admiti-lo.

Mas vamos à história em si?

Eiji e Ash, o casal mais shipável &lt;3

Eiji e Ash, o casal mais shipável <3

O mangá começa com Griffin, um soldado da Guerra do Vietnã que é usado como cobaia para uma nova droga chamada Banana Fish. Ele acaba pirando com os efeitos dela e sai matando todo mundo - um amigo, Max, é obrigado a atirar nas suas pernas deixando-o paraplégico. Ele fica catatônico.

O irmão de Griffin é Ash, um rapaz de 17 anos que parece uma versão desenhada de River Phoenix, ex-garoto de programa e atual líder de uma gangue de rua de NY que tenta desvendar o que aconteceu com o irmão. Ele acaba descobrindo ao longo da história que essa droga é pura bad trip e que a pessoa fica tão maluca que mata e depois comete suicídio.

Essas duas temáticas, a guerra militar e o suicídio, são o que ligam o mangá (e consequentemente o anime) ao conto de Salinger. Mas também acho que esse retrato de jovens com questões existenciais profundas é inspirado nos personagens salingerianos.

Griffin no flashback eterno da bad trip

Griffin no flashback eterno da bad trip

Nesse meio tempo, aparecem os japoneses Eiji e Ibe: o segundo é um fotógrafo que quer fazer uma fotorreportagem do universo das gangues juvenis de NY, e o primeiro é seu assistente. Eles acabam se envolvendo mais com Ash, Eiji constrói uma relação íntima, mas que nunca chega as vias de fato, com Ash; eles são como opostos que se completam, um rebelde e o outro conformado, um loiro americano e o outro japonês de cabelo preto, um teve uma vida relativamente feliz (na verdade com um trauma, Eiji era atleta mas não consegue mais competir) e o outro teve uma infância dolorosa que o empurrou para uma vida criminosa.

A gente descobre que quem está patrocinando os estudos dessa droga para que ela seja usada pelos militares americanos na guerra é a máfia controlada por Papa Dino Golzine. Golzine também é a cabeça de um círculo pedófilo que comercializa crianças como escravos sexuais - e do qual Ash foi vítima. Esse pessoal inclui figurões do governo.

Ou seja: Golzine é um sugar daddy nojentão

Ou seja: Golzine é um sugar daddy nojentão

O anime lançado em 2018 adapta várias coisas mas se mantém relativamente fiel à história. A maioria das diferenças é de adaptação de época: a história é atualizada para 2010, com smartphone, Guerra do Iraque no lugar de Guerra do Vietnã e outras coisinhas.

Tem um mar de coisas para falar de Banana Fish para te convencer a correr para a Amazon Prime Video e assistir, mas vou me focar em apenas algumas.

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Para começar: Banana Fish é uma série de ação. Tem briga de gangue, tem polícia, cadeia, máfia, incêndio, sequestro, reviravoltas. A sexualidade fica em segundo plano principalmente se você não prestar atenção nela. Agora, se você quiser prestar atenção, ótimo: são personagens complexos, portanto é bom ver retratos ficcionais de gente com sexualidade ambígua mas que ao mesmo tempo vivem histórias que não giram só em torno disso.

Yut-Lung Lee é um bom exemplo: não fica claro se o personagem é crossdresser ou uma mulher trans. Mas fica claro uma coisa: você não gostaria de ter essa pessoa como sua inimiga…

Yut-Lung Lee é um bom exemplo: não fica claro se o personagem é crossdresser ou uma mulher trans. Mas fica claro uma coisa: você não gostaria de ter essa pessoa como sua inimiga…

Outra coisa é a inspiração na literatura, não só em Salinger. Todos os capítulos possuem títulos retirados de obras importantes da literatura, e nessa entram F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e outros.

Não fica por aí: o tema da prostituição masculina e a semelhança entre Ash e River Phoenix, por exemplo, remetem ao longa Garotos de Programa (1991) de Gus Van Sant, um clássico queer. A culminação da guerra de gangues no metrô de NY em direção a Coney Island nos lembra Warriors - Os Selvagens da Noite (1979).
Provavelmente deve ter mais filme que inspirou Yoshida e eu não pesquei. Sei que o personagem Max sai do físico de Harrison Ford e Eiji replica o físico de Hironobu Nomura, um aidoru bem fofito.

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Um disquinho

de Hironobu Nomura

E como nada é perfeito, um defeito: a música de abertura. Emocore dos ruins.

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